terça-feira, 1 de junho de 2021

Roma Obscura (Luis Manuel López Román)

A cidade de Roma esconde no seu seio todo o tipo de perigos, desde as complexas intrigas das diferentes fações políticas, que implicam muitas vezes consequências fatais para o lado perdedor, às mais aparentemente simples rixas de taberna causadas por uma frase mal interpretada. Mas existem ainda outros tipos de perigo, mais tenebrosos e incompreensíveis, alimentados - ou interpretados - à base das superstições da maioria. É a este mundo que Marco Lemúrio pertence. Há quem lhe chame bruxo, feiticeiro, caçador de licantropos, charlatão, vigarista. E talvez seja um pouco de tudo isso. Mas tem também um legado de conhecimento e de sangue e é por isso que sabe que nem todas as histórias de fantasmas são contos para assustar crianças ou explicar o inexplicável. Sabe que as sombras existem e os feiticeiros também. E, ao que tudo indica, anda um à solta na cidade.
Provavelmente o aspeto mais cativante deste livro - e diga-se de passagem que não lhe faltam aspetos cativantes - é a forma como transpõe para um mundo que é, por si só, bastante complexo um conjunto de elementos sobrenaturais sem com isso tornar a história demasiado obscura ou irreal. A possibilidade da existência da feitiçaria, a presença de poderes sobrenaturais e o inevitável confronto com esses poderes conjugam-se com a intriga política, as diferenças sociais e até um contexto histórico que deixou as suas marcas no protagonista de forma equilibrada e natural, o que proporciona uma leitura surpreendentemente leve, tendo em conta as complexidades do sistema.
Outro ponto particularmente notável é a construção do próprio Marco Lemúrio. Não é, à primeira vista, o tipo de personagem com a qual se espera sentir uma empatia imediata. Frequentador assíduo de tabernas e prostíbulos, com uma ocupação no mínimo duvidosa e uma vida gerida entre a preguiça e o vício, não é propriamente um cidadão romano exemplar. Mas esta primeira impressão vai-se gradualmente esbatendo para revelar uma figura mais complexa e muito mais moralmente reta do que seria de esperar. Não é um herói perfeito, nem poderia ser, com as sombras que o acompanham. Mas as particularidades do seu percurso vão revelando qualidades insuspeitas na sua personalidade.
E há, claro, o mistério propriamente dito, que Marco tem de resolver, não só por motivos financeiros, ma também por interesse pessoal. Por múltiplos interesses pessoais, aliás, sendo um deles salvar a vida. E, não querendo revelar demasiado sobre os desenvolvimentos, sobressaem dois aspetos: o crescendo de intensidade que culmina num final poderosíssimo; e as várias perguntas em aberto que, não dizendo respeito ao caso específico, que é basicamente independente, deixam uma enorme curiosidade em saber o que se segue relativamente a esta saga.
Intrigante, intenso e viciante, trata-se, em suma, de um livro cheio de surpresas. Da verdadeira natureza do protagonista aos inesperados desenvolvimentos na teia de intrigas que é a Roma desta saga, sem esquecer os surpreendentes momentos de ternura, tudo prende nesta história, da primeira à última página. Mal posso esperar para saber o que se segue na vida de Marco Lemúrio.

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