Mecanismos que ganham vida, estranhas conjugações de magia e tecnologia, regras sociais rígidas e mundos completamente diferentes. Estas são apenas algumas das coisas a descobrir nesta antologia em que, com algum romance à mistura, o mundo do steampunk se revela em múltiplas possibilidades. Mas o que pensar da ideia de romance steampunk? A isso, responde Trisha Telep, organizadora da antologia, numa introdução leve e que desperta curiosidade ao falar sobre o conceito geral e os contos que constituem este livro.
Mas são os contos o que realmente interessa e, nesse aspecto, a antologia abre da melhor forma. Rude Mechanicals, de Lesley Livingston, apresenta uma encenação particularmente trágica da peça Romeu e Julieta e um teatro a precisar desesperadamente de público como pontos de partida para uma história envolvente e um pouco caricata. Fascinante na caracterização do cenário e, principalmente, da invenção, cativa também pelo bom equilíbrio entre mistério e emoção, que culmina num final intenso e surpreendente.
The Canibal Fiend of Rotherhithe, de Frewin Jones, fala da filha de uma sereia e do seu captor e de como ela busca o amor nas ruas de uma cidade estranha. Bastante descritivo, mas cativante, o enredo evolui com naturalidade, neste conto com momentos bastante sombrios e em que o mais interessante está no cenário na base da história. Que é interessante, também, mas que é narrada num tom algo distante.
Em Wild Magic, Ann Aguirre conta a história de uma jovem de boas famílias que compra um quadro numa rua duvidosa, sem saber que está prestes a cruzar-se com o dono do rosto retratado. Misterioso e envolvente, este conto tem como ponto forte o interessante sistema que apresenta e, dentro deste, a oposição entre magia e tecnologia. Escrito de forma agradável e com as medidas certas de romance e aventura, trata-se, pois, de uma história cativante, que se conclui também num final intenso.
Segue-se Deadwood, de Michael Scott. A história é a de como um rapaz e uma rapariga se conhecem numa viagem e de como esta é inesperadamente interrompida. Com uma escrita directa, sem grandes elaborações, mas agradável, também este conto é uma leitura cativante. Interessante no desenvolvimento dos elementos tecnológicos, mantém a envolvência também pela aura de mistério em torno das razões para a interrupção da viagem, bem como pela muito bem conseguida - e um pouco arrepiante - revelação sobre o local de paragem. Fica a sensação de um final um pouco brusco, mas nem por isso menos surpreendente.
Magia e mistério numa Veneza em guerra servem de base a Code of Blood, de Dru Pagliassotti. No centro da história está uma rapariga cujo sangue tem um valor especial. O resultado é um conto envolvente, com muita acção e um cenário cativante. Apesar de a intensidade compulsiva da acção deixar, em certos aspectos, para segundo plano a caracterização das personagens, estas são, ainda assim, cativantes quanto baste. Além disso, a interessante abordagem aos espíritos alimentares contribuem para manter o interesse nesta história cativante e de leitura agradável, também ela com um final particularmente forte.
The Clockwork Corset, de Adrienne Kress, mostra a evolução para algo mais, de uma amizade de longa data entre o filho de um empregado e uma rapariga que, educada como um rapaz, tem de aprender a viver segundo as normas sociais. Partindo de um início quase inocente, que marca a base para o crescimento dos protagonistas, esta história aparentemente simples e descontraída cresce com a mudança de rumo provocada pela influência da guerra, enquanto elemento de incerteza e motivador para a acção, na vida dos protagonistas.Cativante, quer pelo enredo, quer pela personalidade forte de Imogen, este conto surpreende também por alguns momentos caricatos e pelo final bem conseguido.
Em The Airship Gemini, Jaclyn Delamore conta a história de duas gémeas siamesas que se tornam os centro das atenções de um mago que, decidido a aumentar a sua reputação a qualquer custo, persiste em proceder à separação de ambas. Envolvente e intenso na forma como coloca as protagonistas no que parece ser uma situação impossível, bem como na bem conseguida e muito realista posição de algumas personagens que elevam os seus interesses acima de tudo, este conto perde, talvez, um pouco, pela brusquidão de algumas revelações, sobre as quais fica a impressão de que bastante mais haveria a dizer. Fica, ainda assim, a impressão global de uma história cativante, de leitura agradável e com alguns momentos comoventes.
Segue-se um dos melhores contos do livro. Under Amber Skies, de Maria V. Snyder conta como a filha de um inventor descobre que o pai desapareceu e se torna alvo da perseguição dos nazis. Cativante, muito bem escrito e com um ambiente fascinante, este conto tem entre os seus muitos pontos fortes o duo de protagonistas carismáticos, com uma relação bem conseguida e vidas familiares constrastantes. Junte-se a isto uma reviravolta inesperada que abre caminho para um final poderosíssimo e o impressionante contraste entre os lados da natureza humana (do simples amor à máxima crueldade) reflectidos pela protagonista e pela sua mãe e o resultado é um conto brilhante em todos os aspectos.
King of the Greenlight City, de Tessa Gratton, apresenta dos jovens prometidos, um dos quais descobre que consegue controlar mais magia que a que o seu elemento lhe devia permitir. Tendo como base um sistema muito interessante, com destaque para a ligação dos elementos às diferentes famílias, este é, também, um conto cativante, ainda que alguns momentos pudessem ter sido mais desenvolvidos. A caracterização do mundo sobrepõe-se à das personagens, o que dá à história um tom algo distante. Trata-se, ainda assim, de uma história interessante e agradável de ler, principalmente devido à nova perspectiva que a surpresa do final dá à separação entre os dois lados do sistema.
Em The Emperor's Man, de Tiffany Trent, um membro da guarda imperial recebe a missão de escoltar a princesa, mas descobre que ela não está interessada na sua protecção. Com uma boa conjugação entre magia e ciência, com os grandes vultos desta a serem apresentados como santos e uma considerável presença das criaturas mágicas, trata-se de uma história envolvente, com um final surpreendente, uma relação algo bizarra, mas também enternecedora, entre os protagonistas e uma base bem conseguida para a fundação do mundo em que decorre a acção.
Chickie Hill's Badass Ride, de Dia Reeves, parte da luta contra a segregação racial num cenário em que outros perigos se movimentam, como base para revelar a coragem - e uma certa temeridade - dos dois jovens protagonistas. Muito interessante na abordagem ao preconceito e à reacção das pessoas - as que lutam, as que fogem e as que se resignam - , este conto marca principalmente pelo curioso contraste entre o lado sombrio do tema e a quase leveza da relação entre os protagonistas. Com um sistema sólido e uma bem conseguida conjugação de questões humanas e sobrenaturais, trata-se, pois, de uma boa história e de uma leitura cativante.
Um dos contos mais curtos do livro e também um dos melhores é The Vast Machinery of Dreams, de Caitlin Kittredge. O ponto de partida é o clássico romance entre rapaz e rapariga de meios diferentes, mas a abordagem é completamente inesperada. A estrutura peculiar, com a narração de factos que são, mais tarde, desmentidos, mantém viva a curiosidade relativamente à verdadeira história dos protagonistas. O ambiente tem muito de surreal, mas exerce também um estranho fascínio. Tudo somado, obtém-se um conto sombrio e intenso, onde as fronteiras entre realidade e ficção são tudo menos claras.
O último conto, Tick, Tick, Boom, de Kiersten White, apresenta uma rapariga com uma vida dupla e a situação complicada em que se encontra quando um dos seus planos não corre como planeado. Cativante, com uma protagonista forte e um bom contraste entre a sociedade rica e o que se passa nas classes inferiores, não é, apesar disso, uma história particularmente surpreendente. Ainda assim, o papel dos protagonistas no combate às diferenças sociais está na base de vários momentos muito bons, numa história que é, na generalidade, envolvente e agradável.
Diferentes abordagens, que reflectem um género rico em possibilidades, diferentes tipos de protagonistas e finais para todos os gostos, do mais harmonioso ao mais trágico, fazem com que haja nos contos deste livro muito de cativante para descobrir. Com alguns contos particularmente impressionantes e nenhum que não tenha algo de cativante, a impressão que fica desta antologia é, claramente, positiva. Trata-se, pois, de um bom livro para descobrir alguns aspectos do steampunk e conhecer um pouco da obra dos autores aqui incluídos, de alguns dos quais fica a curiosidade em ler algo mais. Muito bom.
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