sábado, 20 de outubro de 2012

O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares (Ransom Riggs)

Quando Jacob era pequeno, o avô contava-lhe histórias de uma vida peculiar, em que a necessidade de fugir dos monstros o levara a uma ilha encantada onde todas as crianças tinham poderes especiais. Depois, os pais contaram-lhe que os monstros de que o avô fugira eram os nazis e as histórias impossíveis apagaram-se-lhe da mente, à medida que se adaptava à vida na realidade. Mas, agora, aos quinze anos, Jacob encontra-se face a um acontecimento inegável. Ou não? O avô acaba de morrer e Jacob jura que viu um monstro no momento em que o encontrou, mas todos fazem o possível para o convencer que foi uma visão causada pelo choque e que a morte se deveu a um ataque, sim, mas de animais selvagens. Jacob deixa-se convencer, mas, de noite, os sonhos perseguem-no com imagens sombrias do monstro que viu. E, finalmente, consegue convencer os pais e o psiquiatra de que visitar a ilha onde o avô terá vivido, seguindo, sem que mais ninguém saiba, as suas últimas palavras, lhe dará a paz - e as respostas - de que precisa. Mas talvez não as que espera...
Das muitas coisas boas que há para descobrir neste livro, a que primeiro chama a atenção diz respeito ao aspecto visual. Há uma relação entre a história e as muitas fotografias antigas que são apresentadas ao longo do livro, e esta conjugação resulta numa edição bonita, de aspecto apelativo e que encaixa na perfeição no ambiente sombrio que transparece ao longo de toda a história.
Outro dos pontos fortes é precisamente esse ambiente sombrio, com toda a aura de mistério a ele associada. A história é narrada do ponto de vista de Jacob, que, no ponto de partida da história, não sabe mais do mundo em que se está a envolver do que as histórias que o avô lhe contou - e que julga falsas. Isto permite criar uma percepção das coisas semelhante à de quem vê algo pela primeira vez e, associado às circunstâncias complicadas de Jacob (com um conhecimento de algo em que nem ele realmente acredita), torna maior o impacto de cada uma das revelações, mesmo das mais simples. Além disso, o cenário é, mesmo sem ter em conta a parte "peculiar" do enredo, relativamente sombrio, e isto aplica-se tanto aos lugares (com particular destaque para a ilha e para o estado em que Jacob encontra a casa), como ao contexto familiar, em que as pequenas coisas que perturbam o protagonista revelam um certo sentido de inadaptação.
No que diz respeito à história, é possível considerar duas fases, ambas cativantes e com momentos intensos, mas com um ambiente algo diferente. Até à descoberta do segredo da casa arruinada, a história centra-se em Jacob, sozinho e algo perturbado, tanto pelo que viu como pelo que julga ser a sua posição na vida. Enquanto adolescente, Jacob tem as suas tribulações naturais, mas que se atenuam ante a necessidade de descobrir, de alguma forma - de qualquer forma - o segredo do avô. Nesta fase, pois, o que mais sobressai é uma certa melancolia face a um mistério para desvendar sozinho, bem como, obviamente, as primeiras características do mistério que se vai revelando.
Depois, começam a surgir as respostas e o ritmo da história torna-se bem mais intenso. Primeiro, surgem as explicações para o muito que Jacob não compreende, mas, ao dar forma à história das crianças peculiares, o autor apresenta personagens novas, situações divertidas e um sentimento de pertença que muda a perspectiva do protagonista perante o que está a acontecer. Depois, surgem os perigos, que vêm revelar um pouco mais de um sistema que tem muito de interessante e a partir do qual, ainda que várias perguntas fiquem ainda sem respostas, se cria um enredo cativante e cheio de surpresas.
Há também um pouco de romance e, como quase tudo neste livro, também este tem o seu quê de peculiar. Uma parte considerável do enredo envolve alguma interferência com as linhas temporais e isto leva ao contacto entre figuras de tempos diferentes, mas, possivelmente, com ligações comuns. Há, por isso, uma certa estranheza no discreto romance vivido por Jacob, mas a forma como este evolui acaba por se adequar ao ambiente geral da história.
Mais misterioso que propriamente assustador, este é um livro que cativa pela forma como conjuga fascínio e estranheza, numa história envolvente e cheia de surpresas, com personagens cativantes e uma conclusão que, abrindo muitas possibilidades para o que virá a seguir, apresenta, também, muitas respostas interessantes. Mágico, sombrio e um pouco surreal... e, em tudo isto, muito bom.

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