sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Mr. Chartwell (Rebecca Hunt)

Aos oitenta e nove anos de idade e prestes a reformar-se, Winston Churchill vê-se assombrado por uma sombra negra que o persegue e deprime. Ele chama-lhe Cão Negro, porque é assim que o vê. Mas esse, que dá pelo nome de Mr. Chartwell, tem ainda outra missão a desempenhar por perto e é isso que o leva a tornar-se o inquilino de Esther Hammerhans. O marido de Esther suicidou-se há quase dois anos e, à medida que a data se aproxima, também ela se sente mais perturbada. E a presença do sombrio e peculiar Mr. Chartwell, de estranho aspecto e estranhas intenções, vem agravar a sua condição.
Tendo por base uma situação bastante caricata e, mantendo ao longo de toda a narrativa uma série de circunstâncias peculiares, este livro surpreende pela abordagem invulgar - e, inclusive, com alguns momentos de um estranho humor negro - a um tema que é, por natureza, sério e sombrio. Este livro fala da depressão e é exactamente a depressão que está representada na estranha figura de Mr. Chartwell, e muito bem representada. O seu aspecto é invulgar e o seu comportamento está na origem de alguns momentos quase surreais, mas, enquanto representação de um estado depressivo e da sua evolução, dificilmente poderia ser mais adequado. Chartwell entra na vida das suas "vítimas"  de forma algo discreta, para logo ir ganhando influência. Destrói, aos poucos, aquilo que o rodeia e torna-se predominante sobre tudo o resto. Fecha portas ao mundo e aos outros e insiste num isolamento tormentoso, cada vez mais destrutivo, em que só ele ouve e só ele parece compreender.
Tudo isto é um estado interior, naturalmente, mas a autora transpõe estes elementos para situações concretas - ainda que estranhas - representando em comportamentos e elementos físicos (os estragos feitos na casa, a imposição da partilha de um espaço progressivamente menor) todo o ambiente de opressão e resignação de uma depressão que se agrava. E isto é evidente tanto em Churchill como em Esther, mas de formas e com dimensões diferentes. Para Churchill, o Cão Negro é um conhecido de longa data, de quem se distancia, por vezes, mas que acaba sempre por reencontrar. Já a sua visita a Esther prende-se com a influência de Chartwell sobre Michael e a forma como a recordação da perda a está a abalar. Para ambos, o peso é progressivamente maior e a evolução cada vez mais opressiva e, se a forma caricata como esta batalha interior é representada apresenta, por vezes, circunstâncias de quase leveza - não é, por isso, menos representativa do estado sombrio personificado por Mr. Chartwell.
O resultado acaba por ser curioso em todos os aspectos. A escrita directa e envolvente fazem com que leitura seja cativante e, por vezes, quase descontraída, mas sem que a relevância e a seriedade do tema sejam afastadas. A transposição para acontecimentos efectivos do que é, apesar de tudo, uma batalha pessoal, não retira força à luta, revelando-a antes de uma forma mais intensa, mais perceptível, mas perfeitamente adaptada ao problema e às muitas questões que apelam à reflexão. E a história apresentada acaba por cativar pelas suas duas vertentes: pela narrativa peculiar de duas personagens em conflito com uma presença indesejada e por aquilo que representam num sentido mais abrangente.
Directo e quase descontraído, à primeira vista, mas com um conteúdo bastante mais complexo e profundo do que aparenta, trata-se, portanto, de uma história que, com todas as suas peculiaridades e momentos surreais, apresenta um retrato preciso e surpreendente de um tema muito sério e sempre relevante. Muito bom.

Sem comentários:

Enviar um comentário