segunda-feira, 29 de outubro de 2012

D. Pedro, O Rei-Imperador (Javier Moro)

Partiu de Portugal aos nove anos de idade, quando a corte se mudou para o Brasil para fugir das invasões francesas. E aí cresceu, rebelde e impulsivo. Sempre com dificuldades em aceitar que o seu papel enquanto príncipe real pudesse condicionar as suas liberdades enquanto homem, foi tão impetuoso nas suas escolhas amorosas como nas decisões mais drásticas do seu reinado. Em tempos de revolução, conseguiu manter a autoridade no Brasil, para depois lhe conquistar a independência, tornando-se imperador. Junto da esposa, conquistou o afecto dos seus súbditos, mesmo quando alguns o desprezavam por ser, em parte, português. A sua progressiva cedência às vontades da amante retirou-lhe esse mesmo afecto. Deixou um grande legado, quer no Brasil onde reinou, quer em Portugal, onde enfrentou o próprio irmão para derrubar o absolutismo. E, em todas as conquistas e em cada um dos fracassos, conquistou amigos e adversários, e viveu, com todas as consequências, cada uma das suas escolhas. Esta é a história de D. Pedro IV de Portugal, I do Brasil. Rei, imperador e, principalmente, homem.
Fruto de uma investigação exaustiva e construído com um evidente cuidado em respeitar os factos conhecidos, este é um livro abundante em pormenores históricos. Como tal, apresenta uma forte componente descritiva e uma muito extensa base de contexto histórico ao longo de toda a narrativa. Se Pedro é o protagonista e é nele que se centra a narração dos acontecimentos, não deixa, por isso, de ser crucial a importância das outras personagens que o rodeiam. Assim, a caracterização detalhada e meticulosa que se aplica quer ao ambiente, quer aos factos históricos, é também evidente na caracterização das personagens, e isto aplica-se a praticamente todas as personagens relevantes, não apenas à figura central.
Com todo este desenvolvimento a nível de descrição e caracterização, não é uma surpresa que o ritmo da narrativa seja bastante pausado. Isto não significa que a leitura seja menos envolvente, muito pelo contrário. A forma como o autor apresenta os muitos pormenores, relacionando-os com os acontecimentos que narra e com a visão geral do contexto histórico cativa o interesse do leitor desde as primeiras páginas e nunca o perde, mesmo quando as descrições são mais longas e a conjuntura global afasta de Pedro parte das atenções.
Há, naturalmente, muito de interessante a descobrir ao longo do enredo e a conjugação entre grandes momentos históricos, como o sobejamente conhecido grito do Ipiranga, e as situações de carácter mais privado realça o contraste entre a figura de estado e o simples homem, entre Pedro imperador, e Pedro marido, pai e amante. Contraste que reforça, aliás, o grande dilema que parece pairar sobre toda a narrativa: a escolha entre ser homem e ser soberano, com todas as limitações impostas a esta decisão.
De tudo o que de bom existe neste livro, e há muito de bom para desvendar, um aspecto sobressai acima de todos os outros e este prende-se com a caracterização das personagens, com o natural destaque para o próprio Pedro. Se a história é por si só complexa, com todas as suas intrigas e mudanças, as personagens não o são menos. Ao percorrer grande parte da vida de Pedro, o autor representa na perfeição o seu percurso de crescimento e, mais que isso, desenvolve todas as suas complexidades. A ânsia de manter as suas liberdades pessoais, as paixões insensatas a que não consegue resistir, a simples humanidade com que toma algumas decisões e a pura indiferença com que, principalmente para com a esposa, dá forma a outras. Pedro é revelado no mais admirável do seu carácter, mas também no mais detestável, com as melhores decisões e com os erros mais imperdoáveis. No bem e no mal, no que o torna forte e no que o torna falível. Humano, portanto, com todas as suas complexidades. E o mesmo se aplica aos que o rodeiam, com maior ou menor destaque, sendo Leopoldina a figura que, neste aspecto, mais se evidencia - o que é adequado, tento em conta o seu papel no cenário global.
Riquíssimo em pormenores históricos e completo na caracterização do cenário e da época, este é um livro que, pela vastidão de detalhes descritivos que apresenta, dificilmente poderá ser uma leitura compulsiva. Apresenta, ainda assim, uma história envolvente, cuidadosamente construída, com personagens complexas e muito bem caracterizadas e o toque de emoção e empatia que faz com que, mesmo nos momentos menos pessoais, haja sempre algo a manter vivo o interesse pela narrativa e pelo seu protagonista. Trata-se, pois, de um livro para apreciar pausadamente, porque se revela altamente compensador. Muito bom.

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