domingo, 28 de outubro de 2012

The Serial Killer (João Melo)

É de situações caricatas, com mais ou menos matéria para reflexão associada, que se define o essencial destes contos, histórias breves, na maioria, e peculiares, algumas mais divagativas e outras em que são os acontecimentos o essencial da história. Do conjunto, ficam sentimentos ambíguos, já que alguns dos contos conseguem ser fascinantes, enquanto que noutros fica a sensação de algo em falta. Ainda assim, há algo de bom para descobrir em bastantes deles. Mas vamos por partes.
O primeiro conto é também o que dá título ao livro. The Serial Killer narra uma entrevista peculiar, num conto breve, algo caricato, mas que consegue abordar, de forma simples e precisa, várias teorias interessantes. Segue-se O Celular, história do roubo de um telefone e da consequente confusão envolvida. Partindo de uma situação estranha, trata-se de uma história cativante, que, de forma directa e sem grandes elaborações, tece algumas considerações relevantes sobre o preconceito e a falibilidade das forças da autoridade.
Uma Estória Canina apresenta um homem a quem, para ser rico, só falta um cão. Também uma história caricata, mas envolvente, desenvolve-se de forma relativamente simples, mas com uma reviravolta bem conseguida e uma utilização interessante de algumas referências literárias. O Engenheiro Nórdico, por sua vez, fala das diferenças entre expectativa e realidade e de como, no fundo, tudo é política. Muito breve, mas certeiro na visão de como quase tudo pode criar polémica, trata-se, também, de uma história interessante.
O conto que se segue é O Rabo do Chefe e disseca os fundamentos de uma afirmação polémica, numa história caricata e um pouco vaga, mas bem escrita e interessante. E também caricato (o que parece ser característica recorrente nestes contos) é O Esquadrão Marreco, história de três mulheres com uma vida sexual atribulada. Cativante quanto baste, a história perde-se demasiado em divagações, acabando por se afigurar como pouco mais de uma ideia base para o que podia ser desenvolvido como uma história bastante maior.
O Livro da Deambulação apresenta um peculiar retrato da cidade pelos olhos de um homem que deambula. Todo em tom de divagação, revela-se, por vezes, algo confuso. Além disso, o narrador é bastante detestável no que revelam as explicações do seu deambular. A surpreendente revelação final redime, ainda assim, essas impressões mais desagradáveis, dando ao conto um bom final.
Do auto-proclamado maior poeta angolano de sempre trata Caricatura do Escritor Enquanto Jovem. Também algo confuso, apesar de levantar algumas questões interessantes na possível relação entre política e arte, trata-se de uma leitura agradável, mas deixa a impressão de que falta qualquer coisa.
Filosofias de um homem saciado definem O Gourmet, mas um conto divagativo, cativante principalmente pelas peculiaridades do protagonista, mas sem grandes acontecimentos. Ao que se segue Um Dia na Vida de Chico Russo, retrato de uma rotina através da vida de um homem. Directo e sem grandes elaborações e, ainda assim, preciso no ambiente que representa, uma boa história com um final bem conseguido.
O Amor é Eterno Enquanto Dura conta a história de um casamento marcado por uma enorme diferença de idades. Também divagativo, mas com uma história cativante, perde pelo tom distante, que torna as personagens essencialmente indiferentes. Bem mais interessante é O Baptizado, narrativa da influência exercida por um padre para que um homem baptize os seus filhos. Com um retrato preciso de uma certa tentativa de imposição social e religiosa, trata-se também de uma história cativante, que culmina num final divertido e surpreendente.
De um angolano que se mudou para a Suécia trata O Exilado. Centrado nas diferenças culturais, este é um conto essencialmente descritivo, sendo que o mais interessante está nos motivos do protagonista. Segue-se Porquê Que a Tia Lurdes Continua Desdentada?, história de uma mulher que decidira tratar os dentes, mas não o fez. Bem escrito, acaba por ter pouco de envolvente devido ao tom distante e às personagens pouco cativantes.
Vêm Aí as Portuguesas apresenta a ameaça de um grupo de portuguesas que se juntam para exigir o regresso dos seus maridos de Angola. Com uma muito bem conseguida sátira à "defesa da moral e dos bons costumes", ainda que não muito desenvolvida, trata-se de um conto caricato e cativante, com um final surpreendente. 
Segue-se o que é, sem dúvida, o melhor conto do livro. A Herança apresenta uma carta de parentes interesseiros e a respectiva interpretação, num conto em que se evidencia também o tema dos preconceitos e das diferenças culturais, mas também dos eternos conflitos de interesse no seio familiar. Com uma estrutura peculiar e uma abordagem certeira aos temas que apresenta, uma óptima ideia muito bem concretizada.
O último conto é O Mulaticida, história de um homem com um preconceito contra mulatos. Com uma interessante abordagem aos preconceitos raciais, perde por se alongar demasiado nas ideias do protagonista. O revelar da contradição é interessante, mas, num conto sem grandes acontecimentos, fica a sensação de algo em falta.
Deste conjunto de contos caricatos e algo ambíguos, ficam também impressões contraditórias, com alguns contos muito bons a contrastarem com outros em que a ideia que fica é a de algo mais que haveria a acrescentar. Há, ainda assim, mais contos bons que menos bons, pelo que o balanço final acaba por ser positivo. Gostei de ler.

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