Quando abandona a sua terra natal para se juntar ao marido em Moçambique, Sara espera que a despedida temporária. Leva consigo a filha e a certeza de que o seu lugar é junto do marido. Mas está longe de imaginar que o apelo da grande África fará com que ela sinta aquele novo mundo como o seu verdadeiro lugar. Aí sofrerá a perda e trará novas vidas ao mundo. Aí fará amizades capazes de durar uma vida inteira e aprenderá a aceitar a mudança do mundo. Mas, em tempos conturbados e com uma guerra prestes a acontecer, Sara precisará de aprender outra grande lição. Tudo muda. Nada dura para sempre.
Construído como um romance, mas feito em grande parte de memórias, é na vastíssima caracterização da época em que tudo acontece que está o grande ponto forte deste livro. Das condições de vida nas aldeias do norte às dificuldades enfrentadas pelos colonos em África, passando pelas relações entre brancos e negros e pelas inevitáveis mudanças de mentalidade, a autora percorre, ao longo deste livro, todo um conjunto de questões relevantes que, no seu todo, traçam um retrato muito claro do que seriam a vida e a forma de estar desse tempo.
Esta extensa contextualização, que implica, inevitavelmente, uma considerável componente descritiva, faz com que a narrativa avance a um ritmo mais pausado. Além disso, a história expande-se do percurso de Sara e dos seus conhecidos para os dos filhos e netos de todos eles, tornando-se assim mais complexa e abrangente. Mas há algo de particularmente interessante nesta forma de percorrer a história através do caminho individual das várias personagens, pois permite assimilar toda a informação - e todas as questões que lhe estão associadas - ao mesmo tempo que reflecte o impacto emocional das circunstâncias dessas personagens.
Apesar de ser fácil sentir empatia para com as personagens nos seus momentos mais difíceis, nem sempre é fácil compreender as suas posições, que, reflexo da mentalidade do seu tempo, são, em certos aspectos, muito diferentes do pensamento dominante nos nossos dias. Questões como o racismo e o papel da mulher na sociedade, bem como outros aspectos da vida política do tempo, reflectem-se nas personagens com perspectivas muito vincadas e, à luz dos dias de hoje, nem sempre fáceis de assimilar. Isto cria alguma distância, é verdade. Mas, tendo em conta a época em que decorre a narrativa, não deixa de fazer algum sentido.
Saga familiar e retrato de um tempo e de um contexto repleto de mudanças, este é, portanto, um livro que consegue ser, ao mesmo tempo, muito interessante do ponto de vista informativo, e cativante na forma como relata a vida das suas personagens. Envolvente e interessante, uma boa leitura.
Título: Kaya África
Autora: Adelaide Passos
Origem: Recebido para crítica
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