sábado, 2 de junho de 2018

Já Não se Escrevem Cartas de Amor (Mário Zambujal)

A passagem do tempo e o aniversário de um antigo companheiro despertaram em Duarte os apegos da memória. Memórias de um tempo de boémia, de mistérios, de paixões arrebatadoras... e de cartas. De cartas que se escreviam, cheias de romantismo, e que pesavam sempre demasiado. Enquanto espera pela mulher numa noite de tempestade, Duarte recorda esses tempos e as suas estranhas aventuras... de paixões destinadas a acontecer.
Relativamente breve e centrado, acima de tudo, nas aventuras e desventuras do protagonista, este é um livro que cativa, principalmente, pelo delicado equilíbrio entre estranheza e naturalidade que parece pautar o percurso de Duarte. Duarte é uma figura do seu tempo - habituado aos excessos e à vida nocturna, com as suas vontades e transgressões. Mas é também um homem apaixonado - ainda que de uma forma algo peculiar. E a história vive, em grande medida, dessa sua paixão, mas também da forma como extravasa para as outras facetas da sua vida: as relações pessoais e profissionais, as atracções mais ou menos fugazes e, ao contemplar-se no passado, a percepção de um mundo que mudou.
Tudo isto surge de forma relativamente sucinta, como que ao ritmo das memórias do protagonista. E, havendo todavia tantas relações e personagens interessantes, é verdade que fica uma certa curiosidade insatisfeita acerca do mundo que rodeia Duarte. Mas é também verdade que os elos essenciais estão lá - o despertar do amor, a evolução profissional e pessoal, a passagem do tempo e o crescimento que ela traz e, claro, o simples passar dos anos. E, curiosamente, há até um outro elemento secundário - a existência de um crime por explicar - que, não sendo essencial à história de Duarte, acaba por lhe acrescentar uma certa aura de mistério que, apesar de leve (como tudo o resto neste livro), torna a narrativa também um pouco mais intrigante.
Mas volto à questão da naturalidade para realçar a forma como a história é contada. A personalidade de Duarte parece transparecer de cada palavra, como que com uma certa bonomia de quem leva a vida sem grandes preocupações. É também daqui que surge a leveza - da forma como o protagonista parece encarar a vida e que se reflecte no modo de contar a história. Leveza, mas não demasiada, pois o Duarte que aguarda em noite de tempestade tem ansiedades bastante distintas das do Duarte das recordações. Cresceu, enfim, de certa forma, e também isso se nota na narrativa.
Fica, no fim, a impressão de uma leitura leve e cativante, a evocar uma certa saudade de tempos diferentes. Diferentes, mas movidos pelas mesmas coisas essenciais: o amor, a amizade, a tranquilidade e, claro, a boa companhia. Não tão diferentes, então, não é verdade?

Autor: Mário Zambujal
Origem: Recebido para crítica

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