Amor, família, amizade, fé, caridade, nobreza. Seria de pensar que estes e outros valores semelhantes seriam algo de intemporal e de universalmente reconhecido. Bem, para o autor destas crónicas não são. Nelas, é questionado tudo quanto se julga ser bom, exaltando antes os contornos do egoísmo, do ódio e da indiferença. E poderá haver numa tal visão qualidades redentoras? Talvez, porque há entre tudo isto uma grande verdade: no fim, todos acabam da mesma forma.
Não é propriamente fácil falar sobre este livro, pois cada uma das cartas que o compõem parece lançar nova luz sobre as perspectivas anteriores, principalmente no que às duas últimas diz respeito. E não é fácil também porque a exaltação do mal é, por vezes, de tal modo vincada que acaba por conseguir despertar esse mesmo ódio que tanto exalta - para as mesmas palavras que tanto lhe cantam os louvores. Importa, talvez, por isso ter em conta a época em que foi escrito e a necessidade de desafiar a sociedade da moral e dos bons costumes. Nesse aspecto, dificilmente poderia ser mais eficaz, pois questiona realmente tudo.
Importa também considerar o livro como um todo, e como um todo que pretende desafiar convenções. Algumas das cartas, lidas isoladamente, despertam essencialmente indignações face a tão vincadas - e revoltantes - posições. Mas depois vêm as seguintes para expor uma visão mais sombria e as sombras interiores que ditam essas palavras. E, não redimindo completamente este quase maquiavélico louvor ao vício, acrescentam-lhe, ainda assim, uma nova camada de complexidade.
Mas há um aspecto particularmente marcante neste livro: é que, mesmo não nutrindo propriamente bons sentimentos pelas perspectivas apresentadas nas crónicas, há uma fluidez na forma como estão escritas que é difícil não admirar. Tudo parece surgir com a naturalidade da convicção e, ao mesmo tempo, ser posto em causa pelo pessimismo que lhes dá voz. E assim surge uma estranha percepção: a de uma visão difícil de admirar... admiravelmente escrita.
Ficam, pois, sentimentos contraditórios e uma visão do mundo com tanto de negro como de meticulosamente construído. E uma leitura que, não sendo leve nem fácil, consegue, ainda assim, ser estranhamente interessante.
Título: Palavras Cínicas
Autor: Albino Forjaz de Sampaio
Origem: Recebido para crítica
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