Ferdinand Brun é um octogenário rabugento. Não gosta de pessoas, não se dá bem com a pouca família que lhe resta e tem na solidão e na sua cadela Daisy as únicas companhias que realmente lhe agradam. Mas, no dia em que Daisy morre num acidente, o último elo a ligar Ferdinand ao mundo é subitamente cortado e uma nova ameaça paira pela sua cabeça. Ou ele começa a fazer um esforço ou a filha manda-o para um lar de idosos. Relutante em partir, Ferdinand dá por si a abrir-se ao mundo pela primeira vez. E, quando a sua nova vizinha de dez anos entra de rompante na sua vida, Ferdinand começa a perceber que há vida para lá do seu recanto isolado.
Um dos primeiros aspectos a cativar nesta história é a forma como, protagonizada por personagens que não são propriamente de molde a despertar uma empatia imediata, consegue, ainda assim, surpreender desde muito cedo com as suas inesperadas peripécias. Ferdinand não é propriamente uma figura simpática, e nunca deixa para trás a sua natureza rabugenta. Mas há no seu caminho uma descoberta do mundo que não deixa de despertar sorrisos e, a espaços, até de comover.
Também interessante é que, apesar de tudo girar em torno de Ferdinand e da sua necessidade de evitar o lar, há todo um conjunto de histórias pessoais a acontecer à volta de Ferdinand. A vida da pequena Juliette, as histórias intermináveis da senhora Claudel, os rancores e ressentimentos que acabam por proporcionar alguns dos momentos mais caricatos de toda a história. Ferdinand está presente em quase tudo, mas a história é muito mais do que apenas Ferdinand. E isto torna a leitura muito mais interessante.
Claro que, ao acompanhar tantas histórias e tantas peripécias, há inevitavelmente aspectos que passam para segundo plano e perguntas que são deixadas sem resposta. Fica, por isso, uma certa curiosidade insatisfeita acerca do que acontece depois ou das motivações que levaram a alguns dos principais acontecimentos. Ainda assim, a base essencial está lá e a forma como a autora se cinge ao essencial, sem perder de vista a expressão dos sentimentos das suas personagens, torna a leitura bastante agradável.
Leve, cativante e peculiar: é esta a impressão que fica deste livro. Uma história feita de personagens bizarras, de maquinações insuspeitas, mas, acima de tudo, de sentimentos universais. Gostei.
Título: Viver na Flauta
Autora: Aurélie Valognes
Origem: Recebido para crítica
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