A enguia é um animal misterioso. Durante muito tempo, foi impossível explicar de onde vinha, de que forma se reproduzia e como se processavam as suas diferentes metamorfoses. Ainda agora nem tudo tem uma explicação clara. Mas, além do grande enigma de muitos investigadores ao longo dos tempos, a enguia assumiu para o autor deste livro um papel especial: o de ponto de ligação na sua relação com o pai. São, pois, duas as histórias que se fundem neste livro: a da enguia e a daquele que sobre elas escreve.
Provavelmente o aspecto mais interessante deste livro é a forma como consegue equilibrar três registos diferentes sem que a leitura deixe de ser cativante. Ao longo do livro, há capítulos dedicados às memórias pessoais do autor, à história da investigação sobre a enguia, às suas invulgares características biológicas, ao perigo de extinção e até à análise filosófica deste tão peculiar animal. Tudo isto surge, de alguma forma, ao longo do livro e o mais interessante é que, sem nenhum dos aspectos ser abordado de forma particularmente detalhada, é, ainda assim, inevitável a sensação de que o essencial está lá.
Também particularmente notável e a forma como a escrita se ajusta na perfeição estes diferentes elementos. Claro que as partes mais dedicadas aos factos puros e duros adquirem um tom mais distante, mais descritivo, do que as que relatam as memórias do autor. Mas, um pouco à semelhança da tão citada Rachel Carson, o autor consegue entrelaçar nestas descrições científicas um ocasional laivo de poesia, uma questão filosófica, uma comparação entre homem e enguia que dá a tudo uma perspectiva um pouco mais próxima. À crua distância dos factos contrapõem-se então estes ocasionais laivos de proximidade, que nunca deixam de ser uma boa surpresa.
Claro que, sendo uma mistura de diferentes facetas, é inevitável a impressão de que certas partes poderiam ser mais aprofundadas. Afinal, cada um dos investigadores referidos justificaria um livro inteiro, mesmo olhando apenas para a parte do seu percurso que dedicaram à enguia. Mas a verdade é que as bases essenciais estão lá e esta visão mais concisa consegue reflectir quase que um apelo à viagem de descoberta. O que, tendo em conta o percurso da sua misteriosa protagonista, é também particularmente adequado.
Algo pausado, mas repleto de informação interessante e com um notável equilíbrio entre a crueza dos factos e a insinuação do mistério, trata-se, pois, de um livro que funde história, ciência e autobiografia numa muito interessante viagem de conhecimento e emoção. Vale, por isso, a pena conhecer melhor a enguia - e a forma como influenciou o crescimento do autor.
Título: O Evangelho das Enguias
Autor: Patrik Svensson
Origem: Recebido para crítica
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