segunda-feira, 6 de julho de 2020

O Castelo dos Animais - 1. Miss Bengalore (Félix Delep e Xavier Dorison)

Quando os humanos abandonaram o castelo que haviam transformado em quinta, os animais julgaram ter conquistado algum tipo de liberdade. Fundaram uma república, mas não tardou muito até que percebessem que tinham trocado uma vida de trabalho árduo por outra ainda pior. É que também aqui todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que outros. E, sob a autoridade do presidente Sílvio e da sua milícia canina, os animais vêem-se obrigados a trabalhar constantemente para conseguir o mínimo essencial. Ou a sofrer as consequências...
Para quem já leu A Quinta dos Animais, está história poderá soar, talvez, um pouco familiar, até porque a premissa é relativamente semelhante. Mas há dois aspectos que a tornam única: primeiro, a construção propriamente dita, em que a arte, os diálogos e o carácter individual das personagens contribuem para formar uma identidade própria; e depois o tipo de rebelião, que, inspirada pela história de um homem que, sem recurso à violência, fez frente a todo um império, se afasta do conflito sangrento da fase inicial.
Claro que o próprio formato define a diferença, mas há muito mais a destacar além dos paralelismos entre estas duas histórias. Primeiro, há a arte, com o seu dom impressionante de conferir expressividade e sentimento às faces de figuras que são, afinal de contas, animais. Depois, o delicado equilíbrio entre a brutalidade do sistema e os rasgos de ternura e de solidariedade que vão surgindo de onde menos se espera. Além disso, há ainda a visão revolucionária de uma mudança isenta de violência. E, claro, a absurdamente brilhante visão de uma revolução feita sob a égide do humor e o símbolo tão eficaz de uma - ou bem, múltiplas - margaridas.
Sendo apenas o primeiro volume, escusado será dizer que tudo fica em aberto. Ainda assim, é interessante notar que a sensação que fica é, sobretudo, a de uma etapa completa, que vai da observação impassível (ou apavorada) da brutalidade das autoridades à percepção de que baixar a cabeça nada mudará e depois aos primórdios de uma mudança que jamais será fácil ou isenta de perdas, mas que é necessária e que já começou. O que se seguirá será inevitavelmente novo: um novo passo na longa batalha por uma verdadeira liberdade.
Visualmente belíssima, além de muito eficaz no seu equilíbrio entre a história individual das personagens e o percurso global da mudança em curso, pode ser, na sua essência, a reconstrução de uma história bastante conhecida, mas segue o seu próprio caminho, vale por si mesma e é, em todos os aspectos, notável. Eis, pois, um início poderoso para uma história que promete sê-lo ainda mais. Cheio de emoção, de intensidade e também de matéria para reflexão, um livro que não posso deixar de recomendar.

Autores: Félix Delep e Xavier Dorison
Origem: Recebido para crítica

1 comentário:

  1. Assim que comecei a ler a tua publicação, pensei na Animal Farm. Adorei esse livro.

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