quinta-feira, 18 de abril de 2013

Dalila (Eleanor de Jong)

Dalila tem sangue israelita, mas o segundo casamento da mãe fez com que fosse criada como uma filha numa família de filisteus. As suas origens criaram algum desconforto na família de que passou a fazer parte e essa estranheza manteve-se com o passar dos anos. Com a irmã adoptiva está prestes a casar com um israelita, é possível que o conflito entre os dois povos possa começar a resolver-se. Ou assim pensa o pai adoptivo de Dalila. Mas os acontecimentos não tardam a fugir ao rumo desejado. Insatisfeito com o dote, Sansão destrói as esperanças de conciliação através daquele casamentos. E, à medida que o tempo passa, as divisões entre os dois povos tornam-se cada vez mais evidentes. As terras agora ocupadas pelos filisteus foram roubadas aos israelitas. E Sansão parece estar determinado a unir o seu povo, para que possam, enfim, reclamar o que lhes pertence. Mas a jovem e bela Dalila chamou a atenção do poderoso homem. E também entre o povo que acolheu há aqueles que, donos do poder, não hesitarão em usá-la para os fins que pretendem...
Partindo da história de Sansão e Dalila, uma premissa bastante conhecida, este livro é, essencialmente, uma reconstrução dessa mesma história, reflectindo os seus pontos essenciais, ao mesmo tempo que os coloca sob uma perspectiva diferente. Sansão é o homem forte e poderoso, admirado pelos seus e temido pelos inimigos, e é também um homem determinado a lutar pelo seu povo. Também o voto de nunca cortar o cabelo faz parte da sua história. Dalila, por outro lado, tem os momentos de traição que lhe são associados na narrativa bíblica e a expectável beleza sedutora. Ambos são, ainda assim, muito mais que apenas essas características. A história que a autora constrói para Dalila, as justificações para a maioria das suas acções, fazem da sua protagonista uma figura bastante mais complexa e mais humana. E o mesmo acontece com Sansão, bem longe de ser apenas o instrumento da ira divina. 
Há, portanto, bastante de humano nos protagonistas e o mesmo acontece com aqueles que o rodeiam. Figuras desprezíveis, mas com motivações que os tornam no que são, e, por outro lado, indivíduos capazes de transformar as suas paixões em actos de bondade, vão surgindo ao longo do enredo, revelando personagens que são, no seu essencial, humanas. E isto aplica-se mesmo às mais cruéis, já que, por entre esses traços de crueldade, é possível ver sinais do que os fez assim (e isto envolve vontades por realizar, mas também questões de simples ambição). Destas personagens vulneráveis, admiráveis ou desprezíveis, dependendo da figura e do momento, resulta um interessante equilíbrio emocional, capaz de despertar sentimentos fortes - e nem sempre de empatia - no leitor. Isto intensifica os momentos mais dramáticos, realça os sentimentos das próprias personagens e dá mais vida à história, contribuindo, assim, para que a leitura nunca perca a envolvência.
Ficam algumas perguntas sem resposta, principalmente na fase inicial. Se as motivações de Sansão e Dalila se tornam mais claras com a evolução do enredo, há, ainda assim, escolhas que ficam por explicar, e isto aplica-se aos dois protagonistas. Disto resulta que, apesar da forte empatia que se cria após a evolução da ligação entre ambos, fica sempre alguma estranheza quanto àquilo que a levou a começar. Não são questões essenciais à compreensão do enredo e, superada esta estranheza, a história flui com naturalidade. Fica, ainda assim, a impressão de que esses momentos poderiam ter sido um pouco mais desenvolvidos.
Trata-se, por isso, de um livro que, apesar de ter como ponto de partida uma história muito conhecida, consegue conferir-lhe uma nova perspectiva, numa narrativa cativante, com personagens bem construídas e momentos de grande impacto emocional. Uma boa leitura, portanto. Gostei.

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