sábado, 19 de março de 2022

Herbário (José Guardado Moreira)

Uma natureza composta de elementos que se tornam também alquimia, transmutando-se em quase rituais de palavras para depois moldar novas paisagens divididas em elementos. Um ciclo de pequenas coisas que convergem numa teia coesa e complexa, feita de versos breves, de ritmos intensos e de um conjunto que é mais do que uma soma de partes independentes. Assim é este Herbário, olhar à terra, à água, ao fogo e ao ar - enquanto constituintes da natureza quotidiana e enquanto evocação de arcanos indescritíveis.
Provavelmente o aspeto mais marcante deste livro é o contraste entre a concisão da forma e a complexidade. do conteúdo. Composto maioritariamente por poemas breves, muitos deles sem grandes imposições estruturais, ainda que com um ritmo bastante forte (e particularmente visível lendo o texto em voz alta, mas não só), é o tipo de texto de que, à primeira vista, seria de esperar um certo grau de simplicidade, principalmente se tivermos em conta a presença dominante da natureza. Mas não é bem assim: lido sequencialmente, rapidamente desvenda uma teia mais ampla que, mais do que contemplação da simples natureza, é como que uma observação dos seus rituais alquímicos. É, aliás, esta a grande marca que fica deste livro: a fusão entre o natural e o arcano, entre o quotidiano e o ritual.
Não é propriamente uma poesia de cariz sentimental. Aliás, chega a ser difícil identificar um verdadeiro sujeito poético, pois os objetos, os elementos, as próprias palavras, parecem assumir a identidade da voz, mais do que um qualquer ser subjacente a elas. E assim, o registo destes poemas acaba por parecer um pouco mais distante, do ponto de vista emocional, compensando, porém, esse afastamento com uma aura de misticismo e de mistério particularmente cativante.
Feito de pequenas partes que formam um todo vasto, trata-se, pois, de certo modo, de uma alquimia poética, em que cada poema é um elemento na natureza composta pela totalidade do livro. Uma natureza concisa mas complexa, feita de paisagens simples e de evocações arcanas. Que pode não falar assim tanto ao coração, mas fala certamente à imaginação.

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