quinta-feira, 24 de março de 2022

Spaghetti Bros - Livro 3 (Carlos Trillo e Domingo Mandrafina)

Dizer que os irmãos Centobucchi são uma família estranha será provavelmente um eufemismo. Basta olhar para as suas ocupações - um padre, um polícia, uma atriz de cinema mudo, uma assassina profissional e um mafioso. Mas como se não bastasse esta singularidade, têm também a mais improvável de todas as improváveis relações familiares. Amam-se... e às vezes odeiam-se. Cometem uns contra os outros as mais graves transgressões - e zangam-se pelas mais pequenas. E, pelo caminho, a vida vai mudando, as situações vão-se tornando mais difícil. Há vida e morte, esperanças e desilusões, palavras dadas e promessas por cumprir. E tudo passa, tudo se transforma. Tudo... menos eles.
Há algo de absurdamente fascinante na forma como a saga desta família se entranha no pensamento, e nem sempre é fácil apontar os motivos que fazem com que assim seja. Contada através de uma sucessão de pequenos episódios, aborda todas as situações com relativa brevidade. E, ainda assim, mais do que curiosidade insatisfeita, o que fica é uma impressão de intensidade. Além disso, dadas as circunstâncias e o... meio profissional em que alguns deles se movem, nem todos estes irmãos são propriamente do tipo que desperta uma empatia incondicional. Muito pelo contrário, todos têm momentos em que irritam solenemente. E, no entanto... No entanto, há algo de delicioso na forma como as suas aventuras - e desventuras, sobretudo - se sucedem, entre momentos dramáticos, caricatos e ocasionalmente emotivos.
Outro ponto que sobressai desta história de contrastes é que, entre a leveza dos episódios divertidos, o choque dos momentos mais violentos e a eterna ambiguidade moral de todas estas personagens, há também um reflexo do tempo e da sociedade em que estes irmãos se movem. A Grande Depressão e as suas consequências serve de pano de fundo a esta fase do percurso dos Centobucchi, e serve também de base a alguns momentos discretos - mas eficazes - de crítica social. Além disso, são as consequências desta grande crise que levam a algumas das opções dos protagonistas, pelo que este contexto contribui também para fazer avançar a história.
Ainda um último ponto sempre notável prende-se com o aspeto visual. Não é um livro de grandes cenários, ainda que eles surjam ocasionalmente, mas sim de expressões e de eloquência visual. As personagens falam tanto através dos diálogos como das expressões com que reagem aos acontecimentos. E tendo em conta o tipo de acontecimentos deste volume, algumas dessas expressões são particularmente esclarecedoras. 
Ah, e já agora. O último episódio é um belíssimo piscar de olho a uma história que todos conhecemos - e também uma boa lembrança de que nem todos os mafiosos são iguais. Nem mesmo quando são parecidos.
Somadas todas as partes, a impressão que fica é bastante semelhante à dos volumes anteriores: a de uma história com tanto de peculiar como de cativante, repleta de personagens tão fáceis de adorar como de odiar e com um contraste poderoso entre leveza e violência. Vale sempre a pena reencontrar estes curiosos irmãos.

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