Sarat Chestnut tem apenas seis anos no início da Segunda Guerra Civil, mas não tarda a sentir na pele as consequências dessa nova guerra. Tudo começou com uma proibição dos combustíveis fósseis, motivada em parte pelas graves consequências das alterações climáticas. Mas a guerra - como é da sua natureza - não demorou a transformar-se em algo mais vasto, de motivações ambíguas e onde, por mais que todos pensem estar do lado certo, tudo é permitido para se conseguir vencer. Sarat será moldada por essa guerra, primeiro com a fuga precipitada de sua casa e depois pelas múltiplas e sucessivas perdas, tormentos e violências. É apenas uma criança - mas tornar-se-á numa arma mortífera. E o seu nome, esse, será lembrado. Ainda que talvez não como ela gostaria.
Há algo de estranhamente impressionante na forma como esta história está construída. O narrador é alguém aparentemente próximo de Sarat, mas que só se identifica numa fase tardia do enredo e, por isso, a sua voz soa semelhante à de um qualquer possível observador. E no entanto este observador entende as motivações de Sarat, as suas escolhas, o que a marcou em tudo o que fez. Há, pois, um delicado equilíbrio entre distância e proximidade que torna cada momento mais intenso e cada revelação mais memorável.
Também bastante impressionante é o facto de Sarat ser, de certa forma, a protagonista de uma história que é muito mais ampla do que qualquer percurso pessoal. É no caminho dos Chestnut que se repercutem as várias facetas da guerra - e é a partir deles que são vistas. Mas há um cenário global mais vasto que se torna mais nítido através deste percurso familiar e todo um mundo de questões relevantes: bem e mal, guerra e paz, escrúpulos ou falta deles. Não há heróis nem vilões: há uma guerra em que todos fazem o que julgam ter de fazer. E isto torna tudo mais complexo, sim, e mais real. Mais impressionante, em suma.
E depois há a escrita em si e a forma como o autor consegue dar a cada momento, seja ele um massacre ou um simples gesto de afecto, o máximo impacto. No caminho das personagens há perdas, fúria, revolta, resignação... amor. E estes sentimentos passam para o leitor em toda a sua força, pois é difícil não sentir o medo de Sarat ou a raiva ou o desejo de vingança, a dolorosa inocência de Simon (depois de tudo), o afecto desesperado de Marcus e de Benjamin e a mágoa que, a cada novo desenvolvimento, se expande sempre um pouco mais.
Tudo se resume, enfim, à palavra com que comecei: impressionante. Pelo tema e pelo equilíbrio delicado que o autor constrói com as suas múltiplas facetas, mas principalmente pela forma dura e certeira com que retrata o impacto pessoal da guerra sobre as suas personagens. É uma história sem heróis, sim, mas com pessoas. E são precisamente essas pessoas - em toda a sua complexidade - que tornam este livro tão, tão memorável. Recomendo.
Título: Guerra Americana
Autor: Omar El Akkad
Origem: Recebido para crítica
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