Ludovina é uma jovem com aspirações ao amor. Mas cedo se desengana, quando o pai decide casá-la com um homem de cara pouco agradável, mas aparentemente de bons modos e - mais importante que tudo o resto - de fortuna considerável. Ora, Ludovina está disposta a aceitar a sua condição e a ser para o marido a melhor esposa possível. Mas, quando os ciúmes do barão começam a revelar a sua verdadeira dimensão, a situação começa a complicar-se. Afinal, é quando o amor e a honra estão em jogo que acontecem as coisas mais dramáticas. Ou... as mais peculiares.
Escrito tendo bem presentes os clichés românticos e a forma como estes se convertem em grandes dramas, este é um livro que, tendo por base os mesmos temas e as mesmas situações, acaba por apresentar uma história diferente em todos os aspectos. E é curiosa a forma como esta história é construída, com medidas iguais de humor e refinada ironia, mas sem perder de vista o imenso potencial dramático dos tais arrebatamentos amorosos. Ludovina, enquanto centro de toda a história, surge como uma personagem inesperada: um anjo, como tantas vezes é referido, bem firme nas convicções do seu dever, mas caracterizada com os habituais laivos de exagero que levam a pôr em causa o realismo da sua natureza.
E é neste delicado equilíbrio que assenta todo o livro: entre a virtude e o vício, entre o natural e o exagerado, entre o que se pode ter como real e o que é, inevitavelmente, fruto de uma imaginação demasiado fértil. Tudo isto num enredo em que quase tudo acontece, desde a aparição fugaz de uma personagem cujo único gesto acaba por condicionar o rumo dos acontecimentos ao momento em que o próprio autor - com as suas perspectivas sobre o assunto - se transforma ele próprio em personagem. E, claro, tudo isto magnificamente escrito, num registo que varia entre a introspecção filosófica, os exageros sentimentais e a sempre presente ironia que confere a tudo uma perspectiva diferente.
Há ainda uma última peculiaridade interessante, na forma como, através de amigos seus - também eles convertidos em personagens - o autor acaba por fazer uma breve análise à sua própria obra, referindo-se - pela voz dos mesmos amigos - a uma possível previsibilidade e dela partindo para construir um final particularmente surpreendente. Também nestas pequenas extravagâncias - entrar na história, ouvi-la contar enquanto personagem e analisar-se enquanto tal - reside a mestria deste livro e aquilo que o torna tão cativante.
Cativante e surpreendente, magnificamente construído e com um enredo em que tudo - do mais dramático confronto ao mais caricato dos episódios - é inesperado, trata-se, pois, de um livro absolutamente memorável. E que, com todas as suas peculiaridades, não deixa de lançar sobre as normas do casamento (segundo a época) uma perspectiva bastante mais interessante. Muito bom.
Título: O Que Fazem Mulheres
Autor: Camilo Castelo Branco
Origem: Recebido para crítica
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