Amélia Novaes, filha de um juiz e de uma mãe que, presa há muitos anos à doença, conta com ela para a amparar na velhice, sonha com um casamento que a liberte. Mas nem nos seus sonhos imaginaria que alguma vez pudesse despertar o interesse de um aristocrata. Quando Henrique Bettancourt Vasconcelos manifesta o seu interesse, tanto Amélia como o pai duvidam das suas intenções. Mas a paixão floresce no coração de Amélia, longe de imaginar que o que Henrique quer dela é um casamento de fachada, uma mulher que lhe dê filhos e que aceite, calada e grata, os seus segredos. Tímida e simples, Amélia parece ser essa mulher. Mas não há fúria como a de uma mulher enganada...
Uma boa palavra para definir este livro seria surpreendente. E surpreendente, desde logo, pelo que define a premissa deste romance. Apesar de ter no cerne a história de um casal, a verdade é que não há grande espaço para o romantismo, ou pelo menos não para o romantismo ingénuo e idealista das grandes histórias de amor. A história de Amélia e Henrique envolve tudo - interesse, provocação, questões de estatuto e de ambição - mas o amor, esse, está bem distante. E esse é um dos primeiros aspectos a surpreender.
Para reforçar essa surpresa, que é, aliás, quase constante ao longo do livro, contribui também a forma como a história é construída. É Amélia quem dá voz à sua história, e fá-lo dando pistas para o que se seguirá, mas pistas que, apesar de insinuarem já algo de terrível, estão longe de apontar para a verdadeira dimensão dos acontecimentos. Além disso, a situação de Amélia, e a forma como esta lida com as suas circunstâncias, servem de base a uma situação bastante ambígua. Amélia, mulher traída e sem amor, assume, ao mesmo tempo, o papel de vítima e de carrasco. E, curiosamente, traça a mesma dualidade no retrato que desenha do marido.
Não é propriamente fácil gostar das personagens. Amélia, enquanto espelho do seu tempo, assume, por um lado o papel da esposa submissa e resignada, para depois passar para o extremo oposto ao construir uma vingança maquiavélica. Henrique, por sua vez, recebe mais do que merecia, mas não deixa de ser, em muitos aspectos, uma personalidade bastante odiosa. Ambos muito longe da perfeição, são figuras de quem é difícil gostar, até pelas suas naturezas contraditórias. Mas, na sua ambiguidade, tornam o percurso da narrativa bem mais complexo e surpreendente. E, na surpreendente intensidade dos momentos finais, muitíssimo cativante.
Ainda uma última nota para referir a forma como a autora caracteriza o cenário em que tudo decorre. Com descrições muito claras dos lugares mais importantes, mas, acima de tudo, com um retrato bastante claro das mentalidades da época, a autora permite compreender um pouco melhor as posições e escolhas das personagens, mesmo as que, nos dias de hoje, não são assim tão fáceis de assimilar.
Eis, pois, a história de um casamento, mas não uma história de amor. A história de uma vingança meticulosamente planeada, que cativa pela fluidez da escrita e surpreende pela teia cuidadosamente urdida em torno dos protagonistas. Cativante e surpreendente, pode não ser um livro que marque pela empatia. Mas é, certamente, um livro que fica na memória. Gostei.
Título: Um Castigo Exemplar
Autora: Júlia Pinheiro
Origem: Recebido para crítica
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