sexta-feira, 4 de março de 2016

Fernando Pessoa - O Romance (Sónia Louro)

Há casos em que a loucura e o génio parecem estar intimamente relacionados. E um bom exemplo disso é o da figura de Fernando Pessoa - o poeta que foi muitos poetas, que tinha cinquenta coisas diferentes para saber e parecia nunca conseguir acabar nenhuma e que não queria a vida banal de todos os outros. Esta é a história da sua vida, dos primeiros anos até aos últimos momentos. E é também, acima de tudo, uma porta de entrada para os labirintos do que poderá ter sido a sua mente.
De tudo o que este livro tem de cativante, o primeiro aspecto a sobressair e aquele que, até às derradeiras linhas, não deixa de impressionar, é a forma como a autora constrói a narrativa, recorrendo à obra do seu protagonista - e, até certo ponto, daqueles que com ele conviveram - para traçar um retrato íntimo e elaborado de todas as suas complexidades. Há factos na base da história, mas há, acima de tudo, um estado mental. E é a capacidade de autora de nos transmitir a infinita estranheza da mente de Pessoa que realmente marca nesta leitura, pois é possível imaginá-lo, como que no próprio pensamento, a acontecer: conversas com heterónimos, medos, dúvidas, anseios e realidades. Tudo é estranho - e tudo é possível.
Claro que tudo isto, esta visão labiríntica da mente do protagonista, não pode proporcionar uma leitura fácil. Há muito para assimilar, principalmente quando os factos se misturam com as ideias e as múltiplas personalidades parecem ganhar vida própria. Mas é também isto que torna tudo tão interessante. O acto de percorrer o labirinto, como se estando também na mente do protagonista, torna tudo mais forte, mais vivo, mais intenso. E assim, também as emoções ganham outra força, num percurso tão peculiar quanto memorável.
E, se é verdade que a história vive tanto do pensamento do protagonista como dos factos da sua vida, não deixa, por isso, de haver todo um conjunto de episódios memoráveis no percurso que a autora lhe constrói. Dos mais bizarros episódios, como, por exemplo, os vividos na companhia de Aleister Crowley, à simples mas dura experiência de ver os amigos partir, há na forma como a autora constrói esta história uma fluidez que, à imagem da figura que lhe serve de base, tem também algo de muito fascinante.
Trata-se, pois, de um livro que exigirá tempo e concentração para assimilar todos os pequenos pormenores. Mas que, na sua estranha fusão entre interior e exterior, entre os labirintos da mente e a crueza dos factos, facilmente se torna memorável. Cativante, surpreendente e muitíssimo bem escrito, é, pois, um livro em tudo semelhante ao slogan que o próprio Pessoa escreveu: primeiro estranha-se, depois entranha-se. Recomendo.

Autora: Sónia Louro
Origem: Recebido para crítica

Sem comentários:

Enviar um comentário