quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

10 Minutos e outros contos (Armando Almeida)

Situações simples e grandes mudanças, numa série de histórias que, do acto mais simples do quotidiano às decisões que mudam toda uma vida, percorrem os mais diversos aspectos da natureza humana, com todos os seus elos e relações. Um conjunto de contos de grande diversidade temática e com pontos de vista muito próprios, onde o único grande ponto comum acaba por ser o estilo de escrita, envolvente em grande parte dos textos e com descrições bastante claras de ambientes, mas também de pensamentos.
O primeiro conto é o que dá título ao livro. Dez Minutos apresenta a história de um escritor com um ego particularmente desmesurado, que, antes do lançamento do seu novo romance, acaba por viver um contratempo... no WC. Um conto curioso, onde a seriedade do tom narrativo choca com a bizarria da situação, resultando num texto bastante... intrigante. Segue-se Mudar de Vida, relato de umas férias destinadas a apagar certas memórias, mas que acabam por servir apenas para aumentar a amargura. Com um ritmo fluído e agradável, fica, contudo, a sensação de um final demasiado aberto, deixando a história incompleta.
O Gelo e a Neve apresenta a história de um velho atormentado pelas suas atitudes passadas. Ainda que com alguns momentos que poderiam ser mais explorados (principalmente na história de Vítor), este é um dos melhor contos do livro e, com a sua profunda tristeza, transmite a sensação de uma perda irreparável com uma grande força emocional. E, ainda que seja uma história com muito pouco de redentor, propicia a uma certa reflexão.
A Herdeira, por sua vez, é, em linhas básicas, a história de um romance entre um cabo de mar e uma professora filha de emigrantes. Envolvente, com algumas descrições particularmente nítidas, surpreende principalmente pela forma directa como o autor aborda a relevância do interesse pelos bens materiais num caminho de enganos e traições mesmo entre as pessoas mais próximas.
Na Falésia apresenta a forma como um homem lida com o problema de drogas do seu filho. Com um tema de grande relevância e uma conclusão dramática, este conto beneficiaria, ainda assim, de um pouco mais de desenvolvimento. Já Natal, também um conto breve, sobre um Natal tudo menos feliz, mas onde, apesar da amargura, a inocência parece ser mais forte, a simplicidade acaba por transmitir com eficiência a beleza tragicamente cativante deste interessante texto natalício.
Segue-se Desamor, a história de Rui, um homem capaz de atrair as mulheres, mas para quem o amor foi amargo. Uma ideia interessante para uma história de perda, mas que, pelo tom distante de parte do texto e pelo momento final de violência desnecessária, acaba por perder uma boa parte do seu potencial. O Marroquino fala da compra de um suposto blusão de pele a um marroquino e subsequente descoberta de que o negócio não foi assim tão bom. Um conto bastante leve, sem grandes desenvolvimentos, mas com uma boa lição de moral no que a karma diz respeito.
Um Homem Tem Limites é, fundamentalmente, um conto sobre violência doméstica e relações disfuncionais, marcante principalmente pela forma como o autor consegue passar, com surpreendente intensidade, da evocação de sentimentos de empatia e até de piedade à necessidade de um ódio furioso. Segue-se A Casa dos Gatos, onde um casal, alguns gatos e uma gravação rara são os elementos base de um conto sobre relações e obsessões. Envolvente e com uma escrita fluída, cativa com cada novo desenvolvimento. Pena o final demasiado ambíguo.
A Professora apresenta a história de uma mulher dividida entre dois homens e dois mundos. Uma história de relações amorosas, mas onde o romance não tem grande destaque. Acima de tudo, um conto agradável sobre escolhas e fidelidade. Já em No Campo, o conto mais invulgar deste livro, o cenário é um futuro indeterminadamente distante, e o protagonista é um indivíduo em missão. Altamente descritivo e com vários elementos de tecnologia futurista, um conto bastante interessante, ainda que distante, do ponto de vista emocional.
Em Os Anos Realmente Passam, o autor apresenta uma invulgar reflexão sobre a morte e a passagem do tempo, interessante, na generalidade, mas onde o contraste entre o ambiente descontraído e a seriedade do tema acaba por criar uma certa sensação de estranheza.
E o livro termina com os dois textos mais breves de todo o livro. Os Amantes resume-se a um breve diálogo sobre os sentimentos de um casal, breve, mas interessante pela aura de mistério que deixa no ar. E Um Certo Abandono, uma breve reflexão sobre aqueles dias que passam sem que nos reconheçamos, marca principalmente pela sensação de familiaridade evocada pelo texto.
Uma leitura marcada essencialmente pela diversidade de temas e abordagens a estes temas, onde contos fascinantes se cruzam com outros que não me cativaram por completo. Ainda assim, de todos estes textos, houve apenas um conto de que, de facto, não gostei e, como tal, o balanço da leitura é positivo.

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