sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

A Lança do Deserto (Peter V. Brett)

Krasia. A Lança do Deserto. Aí, os melhores de entre os guerreiros erguem-se, a cada noite, para travar com os demónios uma dança mortal. De entre eles, destaca-se Ahmann Jardir, no seu percurso até ao poder, por vezes orientando por mentes que nem ele alcança completamente, mas num sucesso crescente e inevitável. Pois ele clama ser Shar'Dama Ka, o Libertador, e ultrapassará qualquer obstáculo no seu caminho para a unificação dos povos na guerra contra os demónios. Por outro lado, no norte, fala-se de um tal Homem Pintado, do qual metade diz ser o Libertador, enquanto a outra metade o evita como se fosse ele próprio um demónio. E se estas duas figuras travam, à sua maneira, a guerra contra as criaturas do Núcleo, mais cedo ou mais tarde, os caminhos destes dois homens, em tempos ligados por laços de amizade, acabarão por se cruzar num confronto.
Depois da fantástica leitura que foi O Homem Pintado, dificilmente as expectativas poderiam estar mais altas para este livro. E se é um facto que o primeiro livro me marcou de forma mais intensa, nem por isso este deixou de exercer o seu fascínio. O enredo torna-se progressivamente mais complexo, à medida que conhecemos a uma maior profundidade personagens que já haviam sido apresentadas no livro anterior. Os caminhos da intriga tornam-se mais densos, principalmente na história de Jardir e na sua ligação com Inevera. E mesmo quando acontecimentos já conhecidos são revisitados, na primeira parte deste livro, o facto de mais sobre a vida e a forma de ser de um dos seus intervenientes ser agora explorado dá a esses acontecimentos uma nova relevância.
Mais que a grande história da necessária guerra contra os demónios (que é, por si só, uma linha narrativa poderosa), o grande elemento de fascínio está nas histórias pessoais de cada personagem. No crescimento de Jardir que, através de uma certa manipulação, mas principalmente da sua própria força, se ergue para ser líder entre os seus, surge toda uma nova perspectiva sobre este homem que, se não redime, na sua história, os actos mais censuráveis, não deixa por isso de surgir como uma figura mais compreensível. E Arlen... Com todas as suas mudanças, com os secretos medos por detrás da máscara do Homem Pintado, com a necessidade de enfrentar o passado, mesmo quando este parece um caminho irremediavelmente encerrado... Arlen é uma personagem admirável em todos os sentidos. É, aliás, no contraste entre estas duas personagens que ganha força o mistério do Libertador. Ambos são indicados como tal, mas enquanto Jardir não pode sequer tolerar a ideia de que outro que não ele seja o Shar'Dama Ka, Arlen recusa terminantemente a hipótese de ser figura lendária destinada a libertar seja quem for.
Uma história complexa, cheia de momentos intensos, com um mundo fascinante, mas sem desprezar o potencial de personagens fortes na sua natureza e nos seus princípios. Uma história de demónios, de batalhas necessárias (e, talvez, perdidas à partida), mas, acima de tudo, uma história de ser humanos... no seu pior... e no seu mais admirável.

2 comentários:

  1. O único livro que recebi pelo Natal e o próximo na calha para ser lido.

    http://cronicasobscuras.blogspot.com/

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  2. Embora tivesse programado lê-lo há mais tempo foi deixando outros passarem-lhe à frente. Não obstante, valeu a espera.

    Tal como todas as boas sequelas, “A Lança do Deserto” alimenta-se da obra anterior libertando o escritor para explorar outros níveis deste universo povoado por demónios nocturnos.

    Devo admitir que os primeiros capítulo, embora estejam bem construídos, custaram-me a digerir, pois odiei Jadir. Não obstante, a terminologia aprendida neles foi crucial para entender a interacção dos krasianos com os nortenhos. A partir daí foi um festim. Brett é excelente a construir psicologicamente as personagens e descreve as lutas sem se tornar maçudo. Gostei particularmente dele oferecer a certas personagens uma espécie de redenção, mas sem chamar muito à atenção para esse facto.

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