sexta-feira, 8 de julho de 2011

A Sombra do Vento (Carlos Ruiz Zafón)

Quando o pai de Daniel Sempere o levou pela primeira vez ao Cemitério dos Livros Esquecidos, a sua vida mudou, ao descobrir um livro de um autor que, mais que esquecido, parecia ter percorrido um caminho de sombras e maldições. Mas Daniel, na sua ingénua persistência, está disposto a arrancar do olvido o nome de Julián Carax e, por isso, decide-se a encontrar a sua obra e a conhecer a sua história, mesmo quando o mais sensato parece ser afastar-se e a sua própria história começa a revelar algumas semelhanças com a do próprio escritor.
Há alturas em que se encontra um livro assim: que marca de forma tão profunda que é difícil encontrar as palavras para explicar o que essa leitura deixou. Para mim, este A Sombra do Vento é um deles, e os motivos são tantos e tão diferentes que custa escolher um ponto por onde começar. Mas tente-se, ainda assim.
Há algo de sombrio e de misterioso nesta história, algo que se pressente desde as primeiras páginas e que o autor mantém na perfeição ao cruzar a história de Daniel com a de Julián, ao revelar ligações e paralelismos que parecem esclarecer partes da situação, mas que levantam novas perguntas e ao colocar possibilidades e verdadeiros perigos numa viagem de descoberta que, por si só, já seria difícil. O ambiente é de mistério e de uma certa melancolia, num cenário onde as regras essenciais podem ser contornadas, o preconceito é visível e inevitável e o maior adversário é aquele que, sem valores, consegue atingir um alto nível de autoridade, E, em contraste com a falta de escrúpulos de algumas figuras (sendo de particular relevância a de Fumero), surge a inocência ingénua de Daniel, que aos poucos se transforma numa descoberta de si próprio, com as qualidades e os defeitos que ganham definição com o crescimento pessoal e as experiências de vida.
Se o mistério é uma componente fundamental do livro, há que dizer, contudo, que não é a única e que, para mim, nem sequer foi a mais relevante. Na verdade, desde cedo se pressente a verdadeira identidade de Laín Coubert, mas não é isso que importa. Importam os comos e os porquês. E é aqui que a mestria do autor na construção de personagens intensas, complexas, cativantes, profundas, aproxima da perfeição uma história que, com todas as suas complicações e momentos marcantes, seria, por si só, magnífica. Desde figuras mais secundárias como o pai de Daniel (com a quase resignação de quem fica para trás ao ver o filho crescer e avançar para perigos que não pode evitar) às grandes figuras desta história (e aqui a minha predilecção vai para a sombria e destroçada figura de um Julián Carax que viveu para odiar tudo aquilo em que se transformou), há em cada personagem uma história de vida, uma marca de personalidades complexas, alguém com quem simpatizar, com quem odiar, em quem encontrar pontos comuns. Mais até que pela história, é na vida e no realismo destas diferentes figuras que se encontra o melhor deste livro.
Falta referir a escrita, bela, fluída, com algo de poesia e a medida certa de introspecção, num tom que reflecte na perfeição o crescimento interior de Daniel e a sua descoberta de um mundo maior que os seus sonhos - mas, por vezes, tão próximo.
Poderia continuar indefinidamente a divagar sobre as coisas que me fizeram ver este livro como algo de tão especial, mas a verdade é que uma boa parte delas se prende mais com a ligação emocional que tudo - personagens, acontecimentos, reflexões - desperta ao longo da leitura. Fica, por isso, e em jeito de conclusão, apenas a certeza de que a história deste livro e, principalmente, os seus protagonistas, ficarão na memória por muito, muito tempo.
"De todas las coisas que escribió Julián, la que siempre he sentido más cercana es que mientras se nos recuerda, seguimos vivos.", escreve o autor, neste livro. Este, que é para nunca esquecer.

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