segunda-feira, 4 de junho de 2012

O Senhor de Bougrelon (Jean Lorrain)

Dois franceses em viagem pela Holanda encontram-se, quase acidentalmente, com um estranho indivíduo que se apresenta como o Senhor de Bougrelon. Este é uma figura peculiar: com um aspecto algo arruinado, mas ostensivo nas marcas da sua glória passada, De Bougrelon é o que se poderia designar como um dandy e esta história é, acima de tudo, o seu retrato. Entre a boémia e a decadência, de memória em memória ou de invenção em invenção, o Senhor de Bougrelon marca não só o percurso dos seus involuntários companheiros como a visão que estes terão da sua figura, e das mentiras e verdades contadas a seu respeito.
Apesar da brevidade da narrativa, este pequeno livro está longe de ser uma leitura simples. Isto deve-se, por um lado, a uma componente descritiva predominante, com os mais pequenos detalhes de lugares e peculiaridades a serem apresentados ao leitor, e, por outro, aos muitos pormenores curiosos e circunstâncias algo surreais que marcam o rumo da história.
Mais que a deambulação dos franceses, sob a orientação de De Bougrelon, pelos lugares que este considera importantes, é a ambiguidade da sua própria personalidade e das histórias que criou para si mesmo o que mais sobressai ao longo desta história. O enigma da dama que o espera todas as noites, e a involuntária revelação levada a cabo numa visita inesperada, é apenas o culminar de uma série de conversas - ou talvez divagações - em que a mentira das histórias de De Bougrelon contrasta com uma realidade progressivamente mais evidente. 
Cria-se, assim, um nítido contraste entre o real e o imaginário, entre a história que De Bougrelon construiu para sustentar a sua aura de mistério e de antiga nobreza, e a realidade de uma ruína que é não só a do homem, mas também a da forma como este vê o mundo em volta. Ruína que se reflecte tanto na verdade sobre o Senhor de Bougrelon como na estranheza dos lugares a que ele leva os seus companheiros. Lugares que se destacam também, por vezes, pelo laivo de surreal que deles surge e pela forma como cada um destes tem uma história associada.
Trata-se, portanto, de uma obra que exige atenção constante por parte do leitor, já que são muitos os detalhes curiosos a surgir ao longo da narrativa. Mas trata-se também, e apesar do ritmo pausado que deriva da componente descritiva, de uma leitura interessante e cativante, impressionante tanto em termos das imagens que apresenta como dos contrastes que estas evocam. Muito interessante.

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