quinta-feira, 14 de junho de 2012

O Vice-Rei de Ajudá (Bruce Chatwin)

D. Francisco trocou o Brasil pelo Daomé, onde, depois de múltiplas vicissitudes, se tornou no mais próximo amigo do rei. A sua posição conquistou-lhe o monopólio do tráfico de escravos, um vasto número de esposas e uma fortuna considerável... que, como as certezas que tinha da vida e dos amigos, acabaria por ruir. Este livro parte dos seus descendentes e das homenagens que estes prestam ao seu ilustre antepassado, para contar a história do homem próspero e das suas tragédias pessoais.
Relativamente breve e com uma escrita fluída e envolvente, este é um livro que surpreende principalmente pela forma como, nas suas cercas de cento e quarenta páginas, consegue conter tanto de interessante. Desde a caracterização dos costumes e tradições que regem a vida no Daomé, tanto nos que são próximos do rei como nos que o pretendem evitar a todo o custo, à forma como hábitos e crenças se misturaram para criar um rito próprio que conjuga elementos dos vários cultos, passando ainda pela nitidez do contraste entre o choque e a normalidade, entre a brutalidade de certos rituais e a rotina que parece definir a vida de Francisco e da sua família. Há, em todos os aspectos, uma caracterização completa e clara, sem que, por isso, se perca a envolvência conseguida através do carisma das personagens e da aura de tragédia iminente que parece acompanhar o protagonista.
Ao começar a história numa cerimónia de homenagem a D. Francisco, enquanto ilustre antepassado de uma linhagem numerosa, cria-se também uma aura de mistério em redor da personagem que deu a origem a tão diferente e peculiar conjunto de almas. Assim, o autor parte desse momento algo bizarro e recua no tempo, gradualmente, até ao ponto em que, já familiarizado com o que será o legado de D. Francisco, é fácil para quem lê mergulhar na história desse homem ambicioso, falível, com um lote considerável de defeitos, mas que, nos seus fracassos e na quebra de uma fidelidade que ele julgava, pelo bem feito, ser a toda a prova, não deixa de despertar empatia.
Há, ao longo de toda a narrativa, vários momentos em que um final trágico parece ser o rumo inevitável do protagonista. Com uma série de mudanças bruscas a serem operadas sobre o reino e a relativa crueldade inerente aos costumes, são várias as situações em que o protagonista parece estar no limiar do fim, mas, mesmo com a constante insinuação de tragédia e com o progressivo decair de D. Francisco e do ambiente em que este se move, também as suas circunstâncias particulares podem mudar a qualquer instante e, com cada nova mudança, surge a vaga esperança de um rumo diferente. E com esta a curiosidade em saber mais, quer sobre o protagonista, quer sobre os que ditam o seu futuro.
História de um mundo diferente, mas de valores e de laços universais, O Vice-Rei de Ajudá conjuga as medidas certas de real e de imaginário, numa narrativa que é tanto a história pessoal do protagonista (com as suas ambições fracassadas e lealdades traídas) como a do estranho lugar que escolheu para viver.

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