terça-feira, 30 de novembro de 2010

Coração em Segunda Mão (Catherine Ryan Hyde)

Vida tem 19 anos e um coração frágil. Não lhe resta muito tempo de vida, a não ser que apareça um coração compatível. E, quando a esposa de Richard morre num acidente de viação, a tragédia de Richard parece ser a salvação de vida. Mas a operação não é o fim de uma história, mas apenas o início. E, enquanto Vida descobre que, fechada em casa com as suas fragilidades, o que conhece do mundo é muito pouco, Richard tem de lidar com o vazio e a sensação de perda. Ao mesmo tempo que novos sentimentos e memórias parecem brotar do coração de Vida. De um coração que não era seu.
São os sentimentos a grande força desta história, de um livro que, contado a duas vozes, parece ir ganhando intensidade à medida que os protagonistas vão sendo revelados na sua verdadeira natureza. Tudo começa com o diário de Vida, e a primeira impressão que passa é que, apesar dos seus dezanove anos, o tempo que passou sob a protecção quase excessiva da mãe não permitiu que crescesse. E a sua descoberta de que afinal vai viver, mesmo quando já se preparava para a morte inevitável, será o desencadear de toda uma busca por algo que não reconhece, mas que é, afinal, a aceitação do seu novo coração.
Se é verdade que uma história como esta apela à empatia do leitor, este sentimento não se dirige directamente aos protagonistas senão numa fase mais avançada do livro. Claro, Vida esteve à beira da morte e Richard acaba de perder uma pessoa amada. Mas o impacto destas circunstâncias nas suas personalidades não se revela tão cedo como seria de esperar. O que surge em primeiro lugar é a estranheza, a tensão de uma situação invulgar, e é também esta imperfeição de circunstâncias que confere realismo à história. Afinal, ninguém reage sempre como é suposto.
Mais que de amor, e para lá da perda, esta é também uma história de memória. De memória dos bons momentos que se partilham ao longo da vida, mas, acima de tudo, de recordações capazes de permanecer para lá da tragédia. Aqui, a autora utiliza a teoria da memória celular para invocar um passado especial, algo que permanece, ainda que a vida se tenha perdido. E, ao não apresentar o final demasiado perfeito que, por vezes, se insinua em alguns acontecimentos, há ainda uma outra força nesta história. Talvez seja pelo melhor que a história de cada personagem acaba como acaba... mas serve também para mostrar que não existem finais completamente cor-de-rosa.
Envolvente e de grande força emotiva, uma leitura cativante. Fica apenas a sensação de que haveria ainda muito mais a contar sobre a história de Vida e de Richard. Afinal, a vida de ambos parece ter agora acabado de começar... Mas é, também, essa a mensagem deste livro: se as segundas oportunidades existem, então vale sempre a pena recomeçar.

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