quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Eterna Saudade (Lia Habel)

Em Nova Vitória, os consideráveis avanços tecnológicos conjugam-se com uma sociedade marcada pelas regras de moral e etiqueta da antiga época vitoriana. Mas, para Nora, ainda devastada pela perda do pai, no ano anterior, são mais interessantes as informações sobre a guerra que o comportamento adequado a uma jovem da alta sociedade. Dependente de uma tia que se dedicou a esbanjar a fortuna dos seus pais, Nora julga-se agora numa situação delicada, mas as circunstâncias são bem diferentes das que imagina e, ao ser abruptamente arrancada ao mundo que conhece, Nora irá descobrir o grande segredo da sua sociedade e uma guerra onde os mortos... não estão assim tão mortos.
Seria de esperar uma certa estranheza na leitura de uma obra que tem como premissa a história de amor entre uma humana e um zombie, mas o facto é que isso não acontece. Por várias razões, sendo a primeira e a mais evidente o facto de a referida história de amor estar longe de ser o ponto principal da narrativa. Mais que a história de Bram e Nora, esta é a história de duas potências em conflito, e também a história de uma doença que, mantida em segredo por demasiado tempo, acabou por resultar numa situação potencialmente apocalíptica. 
O sistema tem muitos pontos de interesse. Começando pelo sistema neovitoriano, com a peculiar conjugação de regras conservadoras e avanços tecnológicos, e prosseguindo pela interacção entre vivos e mortos, com todas as inevitáveis dificuldades de convivência (que reflectem, em certa medida, os preconceitos para com a diferença que, de uma ou outra forma, se evidenciam também no nosso mundo), e pela própria abordagem à doença e aos múltiplos, e mais ou menos globais, conflitos em curso (punks e neovitorianos, Cinzentos e Companhia Z, Dearly e Averne). Além disso, ao escrever na primeira pessoa, mas percorrendo os pontos de vista de diferentes personagens, a autora consegue mostrar, de forma mais próxima, as circunstâncias das diferentes personagens.
Mas há, ainda, a tal estranha história de amor e também aqui a autora conseguiu construir as coisas de forma bastante interessante. Ainda que haja uma relativa atracção entre os protagonistas, não se trata, de forma alguma, do romance quase instantâneo que muitas vezes surge neste tipo de história. A relação entre Bram e Nora cresce de forma gradual e fundamenta-se tanto da assimilação das inevitáveis diferenças como no crescimento emocional que decorre ao longo da narrativa. Há tanto de amizade como de amor e estes afectos desenvolvem-se aos poucos, numa história que é muito mais que o romance e onde as restantes relações são tão importantes como as do casal protagonista. Há, aliás, momentos particularmente tocantes na relação de Nora com o pai.
Com boas personagens, um sistema muito interessante e uma história que se estende muito para lá do romance, Eterna Saudade foi, em todos os aspectos, uma boa surpresa. Cativante, emotivo e muito bom.

3 comentários:

  1. Já tinha comentado noutro blogue - em tom mais brincalhão - a estranheza que me causa este romance humano/zombie. Habituámo-nos a ver os zombies retratados como seres bastante repugnantes, em decomposição, por isso é, à partida, um romance que não atrai. A sua opinião, porém, dá-me uma ideia muito diferente deste livro e consigo perceber o que levou tantas outras pessoas a gostar... Talvez até consiga ultrapassar a minha repulsa por estas criaturas em particular!

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  2. O nome Nora já atrai um pouco também!

    Abraço,

    Araceli

    www.pedradosertao.blogspot.com

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  3. Adorei sua resenha. Aguardo ansiosamente o lancamentoso livro no Brasil.

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