quarta-feira, 22 de junho de 2011

Corpo Recusado (Luísa Dacosta)

Melancolia, introspecção e uma certa aura de fatalidade são os elementos essenciais dos contos que constituem este livro onde cada pequeno episódio é a base para alguma reflexão ou para um despertar de sentimentos expressos em tom bastante poético. É, na verdade, esse tom poético e contemplativo a linha comum dos diferentes contos e se, nalguns deles, o resultado é de uma beleza fascinante, noutros há em que a sensação que fica é de algo em falta.
Os primeiros contos são bastante breves, quase fragmentos de uma história maior. Em Antecipação de Outono, são os pequenos atritos de uma relação que, de forma cativante e com alguma poesia à mistura, transparecem de um pequeno episódio. Exercícios de imaginação é feito de pequenos diálogos, em parte poéticos, em parte surreais, belos pela expressão das palavras, mas deixando a sensação de algo incompleto. E Reflexos na água é simplesmente uma história de amantes, em tom de nostalgia, mas algo confuso.
Corpo Recusado, o conto que dá título ao livro, é, também, de longe, o meu favorito. O que o texto apresenta é, na sua essência, a visão de uma noite de insónia e de memórias na vida de uma mulher marcada por solidão e relações tormentosas, e a expressão dessa experiência surge de forma emotiva, intensa, por vezes angustiante e desoladora na complexidade de circunstâncias e na profundidade dos sentimentos. Também perturbador é Angústia, história de um sonho de regresso ao passado, melancólico e progressivamente mais sombrio, ainda que termine de forma algo abrupta.
Inflidelidades, pulseiras e agências de viagem marca principalmente pelo tom amargo com que é apresentada esta história de mulheres e amantes, onde o exagero na farsa da reconciliação reflecte uma realidade demasiado comum. Já em Na biblioteca, com rosto desconhecido há mais que de reflexão que de narrativa, no retrato de uma mulher feito em tom contemplativo e meditando sobre a passagem do tempo.
Breve, mas intenso, Suicídio no cabeleireiro mostra, numa simples conversa, como são pequenas aos olhos do mundo as tragédias pessoais de cada um. Ao que se segue Mulher no jardim do amor, um olhar sobre a cidade através dos sentimentos de uma mulher. Melancólico e algo fatalista, perde-se, por vezes, no fluir das longas descrições, mas o final particularmente marcante dá força à emotividade patente na generalidade do texto. Ainda, retomando a temática do suicídio, Notícia no jornal de amanhã traz uma breve visão da reacção do mundo a um caso próximo. Mais uma vez, é o fatalismo o que mais se evidencia.
-Até segunda! Bom fim-de-semana! trata essencialmente da antecipação de um fim-de-semana solitário, num conto bastante descritivo, em tom de divagação e que deixa a sensação de qualquer coisa em falta. O mesmo acontece em Oceanos interiores, longa e detalhada viagem pelo passado. Poético, transbordante de uma sensação de perda e interessante pelo encontro de memórias comuns, deixa, ainda assim, a sensação de que a linha de acontecimentos se perde entre a descrição.
Por último, O bom nome das família fala de escândalos e dos interesses egoístas que movem cada preocupação. Cru, directo e estranhamente verdadeiro, um conto breve, mas de grande intensidade.
Terminada esta leitura, a impressão final é, inevitavelmente, ambígua. A poesia na escrita, o lado sentimental, a nostalgia e a perda são elementos que marcam e cativam, principalmente nalguns contos. Noutros, contudo, fica a impressão de algo em falta para acompanhar a linha de reflexão. O resultado é uma leitura que nunca será fácil, mas que, nalguns momentos, se torna familiar nos sentimentos que evoca. E foi isso que, ainda que apenas nalguns dos textos, me cativou.

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