quarta-feira, 7 de março de 2012

Nos Sonhos Começam as Responsabilidades e outras histórias (Delmore Schwartz)

Da vida e do mundo nos tempos da Depressão e de como esta foi experimentada pelos intelectuais do seu tempo tratam os contos que constituem este livro. Histórias construídas a um ritmo pausado e que percorrem registos entre o introspectivo e o filosófico, cada um destes contos é também uma interessante visão da natureza humana, com os seus fracassos e fragilidades. História de um tempo que passou, mas também de características que permanecem constantes na actualidade.
O valor destes contos vem bem anunciado. Com um Prefácio de Lou Reed, construído com a intensidade e a emotividade do amigo que recorda, seguido de um Prólogo em que, mais sóbrio e mais racional, Irving Howe dá primazia à obra sobre a vida turbulenta do autor, analisando principalmente o impacto das temáticas abordadas, e acrescentando-se ainda uma Introdução em que James Atlas aprofunda a análise das temáticas presentes na obra, realçando também a sua componente autobiográfica, este livro abre com a promessa de muito de bom. E não desilude.
O primeiro conto é o que dá título ao livro. Nos Sonhos Começam as Responsabilidades fala de alguém que, numa sala de cinema, assiste à história da relação dos pais. Escrito de forma directa e fortemente descritivo, o conto surpreende pelo contraste entre a aparente indiferença com que as imagens são apresentadas e a intensidade das reacções do espectador. Pausado, surpreende também pela intensidade de um final muito bem conseguido.
Segue-se América! América!, história da vida de uma família de judeus imigrantes, relatada por uma mãe ao seu filho escritor. Descrições extensas, mas precisas, associadas a um toque de ironia que desperta laivos de introspecção, definem o ritmo de um conto com muito material para reflexão. Destacam-se a interessante visão de como, percepcionada pelos olhos dos outros, uma vida pode parecer diferente do que realmente é, bem como o retrato dos ideais e fracassos do sonho americano. Essencialmente, um conto que trata da vida, com os seus inevitáveis fracassos e incertezas perante o futuro.
O Mundo é um Casamento apresenta a vida de um escritor e do círculo que o rodeia em plena Depressão e fala das aspirações ao génio e do caminho para o fracasso, da bajulação, da crítica enquanto expressão de frustrações, de inseguranças, de inveja... O resultado é todo um retrato, preciso e directo, dos modos tortuosos da sociedade, sendo também importante a reflexão sobre como o valor de algo muda consoante a visão de quem avalia. Pausado, descritivo, extenso, mas sempre interessante, marca também pela interessante reflexão sobre a escrita e as suas motivações, bem como pela caracterização de personagens, onde laivos de um tom caricatural definem um misto de estranheza e realismo. Complexo, denso e com muito de filosófico, mas fascinante precisamente por isso.
De uma festa de passagem de ano e dos convidados que nesta comparecem trata Véspera de Ano Novo. Com o mesmo estilo pausado e descritivo, mas revelando uma visão ao mesmo tempo irónica e realista das peculiaridades do convívio social (e até da natureza humana), também este conto tem muito presente a análise do meio literário, destacando em particular as suas invejas. Marcante ainda o tom, onde a melancolia progressivamente se insinua, contrastando com a esperança supostamente associada à chegada de um novo ano.
Segue-se O Discurso do Dia de Formatura, que trata, como o nome indica, de uma cerimónia de formatura marcada por um discurso polémico. Filosófico e introspectivo, com um toque de estranheza e um clímax intenso e sombrio, este conto é, na sua essência, uma poderosa e impressionante reflexão sobre a ligação entre passado e futuro, as razões que movem cada indivíduo e a efemeridade da vida.
O Encontro de Atletismo, por sua vez, apresenta um americano que recebe a visita de um inglês e o acompanha a um evento desportivo. Interessante, com momentos de quase descontracção, cativa, em primeiro lugar, pela visão das diferenças culturais entre ingleses e americanos. Com um toque de surreal, surpreende pela quase leveza com que o autor desenvolve temas tão importantes como a justiça dos acontecimentos, os pesadelos da vida real e a possível maldade inerente à natureza humana.
História do quotidiano de uma família marcada por diferentes temperamentos e formas de vida, A Criança é o Significado desta Vida surge como um muito interessante retrato das diferentes formas de conduzir a vida e de lidar com os fracassos. Com uma visão muito bem conseguida das diferenças entre gerações, tanto no modo de pensar como na importância dada à opinião dos outros, há também precisão e realismo na visão de como o afecto mascara as fragilidades e defeitos das pessoas amadas. Retrato dos aspectos mais negativos da vida familiar, este é um conto em que nenhuma das personagens prima pela empatia, mas em que todos têm, na sua caracterização, algo que seria fácil de encontrar nos habitantes do mundo real. Muito interessante, ainda, a reflexão sobre como a infância molda a personalidade do indivíduo.
O último conto é SCREENO e a história é a de um homem que, num jogo realizado no cinema onde vai assistir a um filme, vive um estranho momento de sorte. Quase leve no ritmo da narrativa, mas profundo nas reflexões sobre a inconstância da sorte e as inseguranças que causam embaraço, a visão que este conto transmite da humanidade não é a mais positiva, mas não deixa de ser, em muitos aspectos, realista, quer nos enganos, quer nos rasgos de bondade.
Histórias de vidas complexas, com bastante de filosófico e, principalmente, com um olhar preciso sobre a humanidade e o que, de bom e de mau, a define, há, em todos os contos deste conjunto, algo de cativante e muito para reflectir. Caracterização de um tempo, mas principalmente dos que o viveram e de valores e fraquezas que permanecem actuais, um livro que reflecte o seu tempo... e muito de todos os tempos. 

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