sexta-feira, 9 de março de 2012

Palavras Assombradas (Maria Antónia Lima)

Há quem diga que as palavras certas no momento certo podem mudar uma vida. Mas e se não for para melhor? Palavras Assombradas considera a palavra como meio de sofrimento, como instrumento usado para ferir, para prender, para causar destruição. Sob a forma de uma possível conspiração onde, de um lado, estão os peritos no uso da palavra para fins de crueldade e, do outro, aqueles que através delas tentam ver personalidades e o potencial destas para o mal, este livro é, em simultâneo, um mistério onde as palavras são a arma do crime e uma reflexão sobre os mais sombrios meandros da natureza humana.
Um dos aspectos que primeiro cativa neste livro é a sua organização estrutural. Dividido em três partes, bem diferentes mas que se complementam, a autora desenvolve as motivações e as experiências de ambos os lados do conflito, explorando-os na sua natureza individual, para depois os confrontar numa fase final. Cria-se, assim, um interessante contraste entre as três partes e as figuras que as protagonizam. Na primeira, surpreende a intensidade das motivações dos que se servem da palavra como arma, resultando numa visão geral sombria e algo perturbadora. Ao seguir-se a esta a visão das vítimas, ganha-se dos pontos de vista antes apresentados uma nova perspectiva, a das vidas mudadas pelo que pareciam ser "apenas" palavras. Destes opostos surgirá uma terceira parte que se constrói, em certa medida, numa estranha luta contra um sentido de bem e mal que nunca é exactamente linear.
Também a escrita é bastante cativante, mas não se pode dizer que este livro seja de leitura compulsiva. Isto deve-se em grande medida à forte componente introspectiva que faz com que a linha narrativa não seja o ponto central do livro, mas antes uma base para uma extensa e complexa reflexão sobre as complexidades humanas, nos seus aspectos mais negativos. Mais que a história dos que atacam com palavras ou dos que investigam através destas, o que o livro desenvolve é o potencial da linguagem de acordo com os fins para que é usada, contrastando com o efeito que a palavra pode ter de acordo com a personalidade e as experiências de quem a recebe.
Trata-se, em suma, de uma história que, ainda que tendo um bom toque de mistério (que culmina num final bastante interessante), tem como ponto fulcral a reflexão sobre a importância da palavra com todo o seu ilimitado potencial. Pausado, complexo e, por vezes, perturbador, um livro que exige calma e concentração, mas que resulta, apesar disso, estranhamente cativante. Gostei.

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