domingo, 18 de março de 2012

O Nascimento de Vénus (Sarah Dunant)

Após a morte da Irmã Lucrezia, as freiras ficam estupefactas com o que descobrem no corpo da morta. O que julgavam ser um tumor era afinal uma bexiga de porco cuidadosamente implantada no corpo. E, mais chocante que isso, a Irmã tinha no ventre uma perturbadora tatuagem com forma de serpente. Porquê? A que se deviam tais mistérios? É que, antes de ser a Irmã Lucrezia, a mulher agora morta foi Alessandra Cecchi, uma jovem cheia de sonhos e com uma mente demasiado culta para o seu papel na sempre mutável sociedade florentina.
Tal como Corações Sagrados, também este livro é, essencialmente, sobre uma mulher insatisfeita com a vida que lhe está destinada. E, contudo, a história é completamente diferente. Aqui, o cenário central ~´e o coração da cidade de Florença, com o poderoso contraste entre o florescer da arte e da cultura e as estritas regras de um pregador que se torna demasiado poderoso. Na verdade, ainda que muita da sua caracterização seja feita através do que as outras personagens pensam dele, é Savonarola a figura mais carismática e mais capaz de despertar sentimentos contraditórios entre as figuras que povoam esta narrativa.
Mas é Alessandra a protagonista e a sua história serve tanto a caracterização do mundo e do tempo em que tem de viver como para uma jornada de crescimento pessoal. Crescimento que não é necessariamente positivo e que reflecte bem a mentalidade daquele tempo no que respeita às mulheres. Para o ver basta a relação de Alessandra com a sua família, onde muitos dos conflitos surgem devido ao seu invulgar conhecimento, mas este aspecto desenvolve-se com o invulgar (e involuntário) acordo de casamento que é, afinal, o que definirá grande parte dos caminhos da protagonista. Há amor e há afecto, nesta história, mas são elementos que parecem quase frágeis ante o poder dos interesses, dos segredos que é imperioso guardar e das pequenas fúrias que se tornam em ódios insuperáveis.
Esta é, pois, tanto a história de Alessandra e dos seus sonhos quase impossíveis de liberdade e de amor à arte, como da conturbada Florença do século XV. E é no equilíbrio entre estas duas histórias, entre o lado de contextualização histórica e a narrativa de vidas individuais capazes de despertar tanto simpatias como ódios que reside o segredo para esta história envolvente, surpreendente e com a medida certa de emoção. Muito bom.

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