sábado, 10 de março de 2012

As Horas Distantes (Kate Morton)

Uma carta que, durante décadas, ficou por entregar e que chega, finalmente, às mãos da destinatária leva Edie Burchill a investigar o passado. A sua relação com a mãe nunca foi muito próxima e muito da sua história foi deixado por contar, mas a reacção emotiva ante uma carta que, supostamente, não terá nada de especial, desperta em Edie a necessidade de saber. Até porque também Edie tem uma vaga memória de uma visita ao castelo, de um lugar onde esteve sem saber a importância daquele lugar na vida da mãe. Milderhurst, o lugar onde Meredith terá vivido os melhores tempos da sua vida e onde, em volta da história das três irmãs Blythe, está uma história sombria e a explicação de um livro que se tornou um clássico.
Do muito que há de bom neste livro, o que em primeiro lugar sobressai é a beleza da escrita. Kate Morton é uma exímia contadora de histórias, construindo ao pormenor um cenário complexo e de uma beleza impressionante, dando às palavras à medida de poesia que melhor expressa os sentimentos e pensamentos das suas personagens e atribuindo a cada momento um lugar e um motivo num cenário em que, apesar do mistério que predomina durante grande parte da narrativa, tudo faz sentido no final.
Segredos do passado e um lugar especial parecem ser, também, elementos comuns à obra desta autora, e o facto é que esta tem uma forma particularmente marcante de os abordar. Ao criar uma história que atravessa décadas, percorrendo as diferentes épocas em que esta decorre, cria-se não só uma percepção da mudança pela passagem do tempo, mas também uma sensação de mistério onde muitas perguntas vão surgindo e as respostas são dadas de forma gradual - e nunca são propriamente as esperadas. Além disso, as respostas que o leitor obtém nem sempre são as que as personagens conseguem: como na realidade, para as personagens que vivem no livro nem tudo tem respostas seguras.
Também as personagens deste livro são fascinantes, evidenciando-se um cuidado em fazer com que a história dos Blythe não ofusque a (aparentemente) mais simples, mais igualmente importante história familiar de Edie. Se os Blythe, com os seus mistérios, as suas perturbações e a estranha relação que se criou entre os membros da família, surgem com uma história cheia de sonho e de tragédia, de inspiração e de ideias falhadas, de amor e de perda e, ainda assim, de união, também a descoberta que, através destes, Edie faz da história da sua mãe é marcante e surpreendente, já que o que Edie vê e o que lhe é contado varia consoante quem o conta - e a imagem final é, também, bem diferente da esperada.
Importa, ainda, referir a forma como a história de cada personagem e as suas experiências acaba por propiciar algo de reflexão sobre a natureza e as relações humanas. Ao ver a história dos Blythe (e a da própria mãe) de uma perspectiva diferente, Edie percebe que ninguém é tão bom ou tão mau como parece. Na história do Homem de Lama e nas suas verdadeiras origens, mostra-se como uma experiência pode deixar marcas que duram toda uma vida. E no caminho de mistérios e de acasos que, por vezes, se encaminham para a fatalidade, a história que surge é não só a da vida com os seus sonhos e desgostos, tanto no afectos familiares como na estranha estrada da inspiração, mas também a de um caminho onde nem tudo pode ser controlado.
Misterioso, intenso, com momentos em que uma aura sombria parece pairar sobre toda a história, mas também com laivos de uma ternura comovente, este é um livro que marca tanto pela história que conta, como pela complexidade e pela força emocional dos mistérios com que cada uma das suas personagens tem de viver. História de ligações familiares, de amores feitos de impossível e de segredos pesados de suportar, um livro belíssimo.

3 comentários:

  1. Carla, que te parece este livro em comparação com os outros dois da autora também já publicados pela Porto Editora?
    Também o tenho cá para ler e estou muito curiosa, adorei os outros dois, principalmente "O Jardim dos Segredos".

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  2. Li-o há pouco tempo tempo e também gostei muito. A sua opinião está excelente. Parabéns!
    Teresa Proença

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  3. Márcia: Bem, é difícil dizer. Gostei imenso dos três livros e todos eles têm muito de bom. Este pareceu-me mais descritivo que O Jardim dos Segredos (que é o meu favorito, adorei a história da Eliza), mas as coisas boas da escrita da Kate Morton estão lá com a mesma força de sempre. E o final é lindo. :)

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