segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Kikia Matcho (Filinto de Barros)

A morte de um ex-combatente e o avistamento, por três dos que lhe são mais próximos, de um mocho com as feições do falecido desencadeiam uma série de dúvidas e de buscas por uma resposta, enquanto a hora do funeral se aproxima e também as reflexões sobre o passado teimam em aflorar ao pensamento. Joana, sozinha num lugar que não é nada do que lhe fora prometido. Papai, combatente que, terminada a revolução, começa a descobrir que aquilo por que lutaram não tardará em desvanecer-se. E Benaf, doutor sem rumo de vida ou oportunidades de futuro. Na sua história, como na sua ligação a N'Dingui, cada um reflecte um lado diferente de um lugar e de uma forma de vida onde as aspirações eram elevadíssimas... mas só o fracasso restou.
É o tom de resignação, o desalento que transparece em cada pensamento e (quase) cada acção que mais marca desta leitura. A ideia de uma luta longa, marcada por demasiados sacrifícios e por umas quantas acções censuráveis, que terá acabado por culminar na degradação dos princípios dessa mesma luta não poderia conduzir senão ao desânimo. E é esse desânimo que transparece neste livro, tanto nos momentos importantes (como a ausência dos comandantes no funeral) como nas mais pequenas reflexões. Estas são, na verdade, uma parte fundamental (e de dimensão considerável), sendo predominantes num livro relativamente curto. O resultado é uma leitura pausada, onde a linha dos acontecimentos se dispersa, por vezes, no tom de divagação, mas em que a mensagem de luta (talvez) inútil é forte.
Um outro ponto interessante é todo o desenvolvimento das questões religiosas e dos ritos das diferentes tribos. Quer a superstição (desenvolvida a partir da visão do kikia), quer os atritos entre as gentes de diferente fé permitem uma visão bastante clara quer dos rituais quer das crenças mais íntimas de cada um dos que intervêm nesta narrativa.
Ainda uma última nota para o final que, depois de um desenvolvimento particularmente intenso aquando da manifestação de N'Dingui, acaba por ser demasiado aberto. Ficam por explicar as consequências efectivas da misteriosa cerimónia pedida pelo espírito, deixando-se à imaginação do leitor a exploração das diferentes possibilidades.
De leitura agradável, ainda que algo extenso nas divagações, um livro que, mais que pela história relativamente simples (mas com alguns momentos marcantes), cativa pela força da mensagem e pelo retrato de um tempo e de um lugar que talvez pudessem ter sido diferentes.

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