terça-feira, 10 de maio de 2011

Corações Sagrados (Sarah Dunant)

As noites do convento de Santa Caterina em Ferrara deviam ser preenchidos apenas por silêncio. Mas, com a chegada da nova noviça, isso parece ser impossível. Serafina vem cheia de fúria e revolta, proclamando ter sido coagida a aceitar tal situação. E, mesmo enquanto uma espécie de ligação é estabelecida com a mestra do dispensário, há no espírito da noviça uma rebeldia que não pode ser silenciada. Entre a revolta e a submissão, num caminho entre o quotidiano e o milagroso em cenário de clausura, Corações Sagrados é uma história tanto de submissão como de persistência.
É com uma escrita envolvente que a autora deste livro conjuga os momentos mais descritivos e a construção de um quotidiano onde as grandes mudanças são raras e indesejadas com a história de uma alma jovem, mas de uma força marcante, num percurso de amor e de rebelião que parece alterar tudo e todas as que com ela contactam. A história de Serafina, noviça de voz angelical encerrada num convento por motivos que, durante muito tempo, permanecem um mistério, insinua-se gradualmente na mente do leitor, criando uma curiosidade constante e um ritmo que se torna mais intenso a cada nova tentativa de resistir a um destino que parece inevitável. E, em directo contraste com a revolta de Serafina, surge a submissa resignação das freiras, em particular de Zuana, de quem também os seus sonhos perdidos são revelados e cuja história é, por si só, um intrigante percurso a descobrir.
Centrada principalmente nos pontos de vista de Zuana e de Serafina, a autora consegue evocar duas visões por vezes diametralmente opostas do mesmo ambiente. Isto marca quer pela caracterização mais global da vida e das restrições do convento (o que uma delas considera admirável, a outra verá como insuportável), quer pela visão intensa e emotiva de cada uma dela pelos olhos da outra. Há algo de tocante na forma como Zuana se revê em Serafina, bem como no conforto relutante que esta encontra na mestra do dispensário. É todo um percurso de evolução emocional e há, através das sucessivas mudanças de Serafina (rebeldia, aparente submissão, martírio espiritual, esperança improvável...), um laivo de mudança que, quer no mais simples dos gestos, quer nos milagres aparentes, se insinua até nas mais estritas das freiras.
Interessante na visão precisa da vida conventual na Itália do século XVI, tocante na forma como o percurso de Serafina se desenvolve (entre a esperança e o desespero) e com um final que, não sendo, talvez, propriamente imprevisível, parece-me, ainda assim, uma conclusão mais que adequada. Com uma boa história e personalidades marcantes, um livro que vale a pena ler.

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