terça-feira, 10 de abril de 2012

Beira-mar (Véronique Olmi)

Ela criou os filhos sozinha e superou todas as dificuldades que lhe surgiram no caminho, mas todas as batalhas deixaram marcas. Agora ela parte em viagem para levar os filhos a ver o mar. Não importa se o tempo é de Inverno, se chove torrencialmente, se o hotel não tem condições ou se as suas economias se resumem a uns trocos. Ela sabe que aquela será a sua última viagem com os filhos, sabe que tem de ser assim, e é por isso que luta para que, nessas pequenas férias, tudo seja perfeito, independentemente das suas angústias e dos seus medos, independentemente da forma como decidiu que tudo terá de acabar, pois os seus filhos crescem e ela não os pode perder...
Há, na forma como esta história é construída, uma certa estranheza que se insinua nos pequenos gestos, como que deixando pistas para a inevitável conclusão da narrativa, mas sempre com a medida de ambiguidade que não permite adivinhar os factos. Contada pela voz da mãe das duas crianças, a narração apresenta, ao mesmo tempo, a exposição directa dos acontecimentos, e a turbulência no interior dos pensamentos do protagonista. Cria-se, assim, um contraste entre a aparente simplicidade de umas férias à beira-mar, férias que ora aparentam uma absoluta normalidade, ora se revelam no seu lado mais disfuncional, e a forma como a protagonista olha para os seus filhos, com uma perturbação em que medo e angústia se sobrepõem à ternura e ao amor, revelando, aos poucos, e de forma sempre vaga, os passos dados na direcção de um término devastador.
O ritmo da narrativa é cativante, pautado por uma escrita que se define ao ritmo dos pensamentos, mas que cresce em intensidade à medida que a perturbação da protagonista (e a forma como esta perturbação lhe condiciona as acções) se torna mais evidente em cada um dos seus gestos, passando do que parece ser apenas uma exagerada preocupação maternal para uma muito estranha necessidade de posse. A angústia crescente, o impressionante choque entre o afecto sentido e as acções que este parece ditar, a eterna batalha entre o amor e a cólera... todos estes sentimentos e estados de espírito são construídos de uma forma quase próxima, evocando sentimentos que vão da revolta à compaixão, da desolação à ternura, à medida que o verdadeiro objectivo daquelas férias - férias que, inicialmente, parecem surgir de uma intenção perfeitamente inocente - se revela aos olhos do leitor.
Trata-se, portanto, de um livro que, apesar da sua brevidade, deixa uma forte marca pela sua abordagem ao lado mais negro dos afectos familiares, construindo uma relação poderosa entre inocência e perturbação, mas onde é certo que só uma pode prevalecer. Cativante, com uma escrita belíssima e com um final devastador, um livro impressionante.

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