segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Na Senda da Memória... (Sónia Cravo)

Mateus é um indivíduo que não pensa senão nas suas próprias necessidades. Passando de mulher em mulher não pensa senão no prazer que pode retirar do acto sexual. Até ao dia em que um amigo é assassinado, deixando nas suas mãos algo que pode trazer os assassinos no seu encalço. Então, numa fuga desesperada e delirante, Mateus revive o passado, em busca de um refúgio possível, ao mesmo tempo que, na descoberta das suas faltas, se encontra também com outras histórias de perda.
Há uma certa estranheza que acompanha os capítulos iniciais deste livro, em grande parte devido ao estilo de escrita muito próprio, cativante, mas algo rebuscado e exigindo uma certa atenção para apanhar o ritmo à narrativa. Além disso, Mateus não é propriamente uma personagem exemplar e o seu comportamento - principalmente para com as mulheres - desperta tudo menos empatia.
Mas depois acontece a morte de Ricardo e o ritmo da narrativa muda por completo. Não é o crime o motivo central, mas a ameaça à vida de Mateus coloca-o perante uma necessidade imperiosa de agir e, conjugando o medo, o delírio e um certo egoísmo característico da personagem, a reacção da fuga é apenas natural, servindo como ponto de partida a uma viagem de recordação... e de descoberta.
Porque é principalmente de descoberta que se trata e, passada a fase algo surreal dos delírios, Mateus descobre nos que o rodeiam um motivo para crescer a nível de valores, sendo neste crescimento que se formam os melhores momentos do livro. Laura e o seu tio ganham sobre o protagonista uma influência inevitável e é na convivência com estes dois que se conclui, para Mateus, um ciclo de mudança. Ciclo que é, afinal, a essência deste livro e que, apesar de algumas questões sem resposta, culmina com um final algo aberto, mas que encerra todos os pontos essenciais.
Complexo tanto a nível de escrita como de imagens, Na Senda na Memória... é um livro que exige do leitor uma atenção quase constante, principalmente nos capítulos iniciais. Vale a pena, ainda assim, descobrir a história entre as imagens reais e os delírios surreais do protagonista e percorrer com ele este breve, mas estranhamente vasto, caminho de descoberta de si mesmo.

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