domingo, 4 de setembro de 2011

O Jogo do Anjo (Carlos Ruiz Zafón)

Reside na escrita o sonho de David Martín. Mas há uma barreira entre os sonhos e a realidade e, a cada passo que o aproxima da concretização das suas aspirações, uma nova barreira surge para o desviar do seu caminho. Para o homem que vê como protector, David perderá a mulher que ama. Para o mundo a quem quis contar as suas histórias, o seu percurso será um fracasso. E, por isso, quando uma figura misteriosa surge, disposta a realizar muitos dos seus desejos e a salvar-lhe a vida, pedindo em troca a criação de um livro invulgar, David aceita, sem saber que está a um mistério as portas do seu mundo.
Tendo em conta as ligações, tanto a nível de cenário como de algumas personagens, entre este livro e A Sombra do Vento, torna-se inevitável a comparação. E a verdade é que O Jogo do Anjo fica, de facto, um pouco aquém das expectativas criadas pelo livro anterior. Há um maior desenvolvimento a nível do mistério, deixando para segundo plano as personalidades e acontecimentos pessoais, e o resultado é que, ainda que os momentos emotivos sejam tão belos como sempre, o impacto final acaba por não ser tão intenso como acontece com a história de A Sombra do Vento.
E, contudo, isto não retira méritos ao livro. Não há em David Martín a história pessoal complexa de Julián Carax ou os dilemas de consciência de Daniel Sempere. Há, ainda assim, uma caminhada de ilusões e desilusões e a descoberta de uma consciência para alguém que, afirmando não a ter, tem ainda assim a consciência no sítio certo. É fácil criar empatia para com o protagonista deste livro e, se pusermos de parte quaisquer comparações, há também muito de fascinante a descobrir no seu percurso. Da história, num tom mais sombrio e roçando o macabro, marcam as muitas surpresas e o caminho de uma progressiva perda e de uma amarga, inexorável solidão.
Depois, há a escrita do autor, sempre bela, sempre envolvente e com uma capacidade certeira de provocar reflexões marcantes. Se em A Sombra do Vento era a magia da leitura que se destacava, aqui surgem as aspirações e as frustrações da escrita. E, no sonho e na realidade, nos aspectos bons e no pior de todas as tentativas falhadas, há muito com que o leitor se possa identificar no retrato que Zafón trata do (aspirante a) escritor.
Ainda de referir as ligações de David com os Sempere. Anterior, a nível temporal, a A Sombra do Vento, há neste livro pequenos pormenores que evocam o futuro, pequenos traços na personalidade de Isabella que, de certa forma, insinuam de onde virá parte da natureza de Daniel Sempere. Também estas ligações discretas, estes pontos comuns entre as diferentes histórias, fazem parte da magia que define a obra deste autor.
Sombrio e misterioso, eis, pois, uma história que, entre o caminho do crescimento pessoal e o enigma de um pacto pouco menos que faustiano, surpreende tanto pelo mistério como pelas reflexões inerentes a uma personalidade em perene desenvolvimento. Não atinge a magnificência de A Sombra do Vento, é verdade. Mas é, ainda assim, um livro muito bom.

5 comentários:

  1. Concordo com o que dizes! Muito bem!

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  2. Este foi um livro que para mim foi a maior lufada de ar fresco dos últimos tempos, simplesmente adorei.

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  3. Concordo plenamente. Não atinge a Sombra do Vento, mas a escrita de Zafón vale tanto, tanto a pena.

    Beijinhos da Beatrice

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  4. Obrigada pelo comentário. "A sombra do vento" é belíssimo e este livro está na lista dos próximos a ler.

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  5. A tua opinião está muito bem consolidada, porém, prefiro este livro ao "Nome do Vento", pois, apesar da escrita avançada do autor, penso que é demasiado previsível. Algo que não se verifica neste.

    Penso que, a nível de escrita, este livro é mais complexo que o seu antecessor, pois implica muito jogo de palavras e de organização dos pensamentos. Algo que não verifiquei com tanta frequência no primeiro romance de Zafón.

    Contudo, daquilo que li, até à página 130, sinto a falta do cemitério dos livros que aparece na "Sombra do Vento".

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