quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

A Coroa (Kiera Cass)

Eadlyn sempre pensou que a sua condição lhe dava todos os direitos, mas bastaram alguns acontecimentos dramáticos e o seu mundo desabou. Agora, com a mãe a recuperar lentamente e o pai temporariamente afastado do trono, Eadlyn tem de assumir o papel de regente. O problema é que ela não é propriamente popular entre o povo e a verdade é que começa finalmente a dar-se conta de que não fez muito por isso. Com a Selecção reduzida a um grupo mais restrito e o destino do país nas mãos, Eadlyn terá de encontrar uma forma de conquistar o seu povo - sem que isso lhe custe o coração pelo caminho.
Sendo este o último volume de uma série que foi até à segunda relação, este é o livro de que se esperam todas as respostas. Mas uma das primeiras coisas a sobressair em A Coroa é, mais do que a forma como tudo se resolve, a evolução que acontece na personalidade e no comportamento da protagonista. Algumas duras verdades depois, Eadlyn é agora uma personagem mais empática e sensível - e essa empatia passa para o leitor, o que torna muito mais fácil sentir curiosidade pelo seu percurso e sentir os seus dilemas e dificuldades. O resultado é, claro, uma maior proximidade emocional e também uma maior naturalidade na forma como as coisas evoluem.
Ultrapassados os problemas de Eadlyn (que, diga-se, acabaram por ter o efeito inesperado de tornar mais notável a sua evolução), acabam por ganhar um novo destaque também as figuras que a rodeiam. Dos pais de Eadlyn, surge o exemplo da relação duradoura, bem como algumas revelações inesperadas. Da Elite, uma diversidade de temperamentos que, mesmo não sendo explorados a fundo, conseguem dar forma a momentos bastante marcantes. E dos restantes elementos da vida de Eadlyn - amigos, família, conselheiros, rivais - surge uma teia inesperadamente intrigante de apoios e intrigas que, embora desenvolvida de forma relativamente simples, confere, ainda assim, uma maior intensidade à história.
Mas voltando às tais respostas. Não se pode dizer que o desenlace seja propriamente inesperado, já que o rumo dos acontecimentos é, de uma forma global, um pouco imprevisível. Ainda assim, não deixa de ser interessante ver a forma como, mesmo quando as grandes reviravoltas são fáceis de antever, há nas pequenas coisas que as rodeiam o suficiente para prender a atenção e manter acesa a curiosidade. Além disso, o contexto global pode ter ficado para segundo plano (como tem sido, aliás, característico desta série), mas o percurso pessoal tem as suas próprias surpresas. E a maior delas acaba por ser mesmo a forma como Eadlyn acaba por mudar.
Tudo somado, fica a impressão de uma série que termina no seu melhor momento, dando finalmente forma às melhores qualidades das personagens e construindo-lhes um enredo em que o caminho pode estar definido à partida - mas há, ainda assim, magia à espera nas pequenas coisas. Leve, cativante e de leitura agradável, uma boa conclusão para esta série. 

Título: A Coroa
Autora: Kiera Cass
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Buganvílias (Marina Segala)

Quando partiu em viagem para conhecer novos lugares, Clara não estava à espera de conhecer o amor da sua vida. Mas tudo mudou num instante e, quase sem dar por isso, Clara constrói a sua felicidade em função do amor que acabou de descobrir, começando, aos poucos, mas com firmeza, a partilhar a sua vida com André. Só que nada na vida é eterno e, com alguns assuntos inacabados no passado e toda a sua confiança depositada apenas no seu amor, quando o seu mundo desaba, Clara não sabe para onde se virar. A tristeza parece insuportável e recuperar como que uma traição. Mas a verdade é que a vida continua sempre - e, mais cedo ou mais tarde, Clara terá de se encontrar.
Há, talvez, um aspecto menos bom nesta história que se evidencia logo desde o início e que, por isso, deverá ser o primeiro a ter em conta: a relativa brevidade da história, que faz com que partes do enredo pareçam ser demasiado apressadas e com que fique a sensação de que muito mais haveria para explorar. Tudo é contado de forma muito sucinta e a grande paixão de Clara e André acaba por ser contada demasiado rapidamente, deixando a inevitável ideia de que os momentos partilhados poderiam ser muito mais desenvolvidos. O resultado é que nem sempre é fácil sentir empatia, até porque há vários momentos drásticos, mas a proximidade que permitiu que acontecessem parece ficar, às vezes, subentendida.
E comecei por aqui por uma razão muito simples: é que há todo um grande potencial nesta história, que, embora, a espaços, pareça um pouco previsível, talvez também devido à tal brevidade, contém uma mensagem muito interessante e um amplo espectro de intensidade emocional. No caminho de Clara, há descobertas, paixões, sofrimentos, recuperações - enfim, uma vastidão tão grande como a vida. E isto é particularmente interessante porque, mesmo quando não é difícil adivinhar o que acontece a seguir, continua viva a vontade de continuar a ler. Há na vida de Clara um caminho cativante e, pese embora o que é deixado por contar, não deixa de ser agradável acompanhá-lo.
Ficam também algumas perguntas sem resposta relativamente à forma como a história termina, já que, sendo o percurso de Clara feito de tantas reviravoltas, haveria inevitavelmente mais histórias para contar a partir do fim da história. Ainda assim, e contrariamente ao percurso anterior, em que as perguntas sem resposta sobre o desenvolvimento das personagens deixam alguma curiosidade insatisfeita, a conclusão algo aberta faz um certo sentido. Clara seguiu um caminho de perdas e superações, e agora é tempo de abrir outra porta. O que está do outro lado? Bem, isso já seria outra história.
Tudo somado, a impressão que fica é a de uma história que podia ter sido bastante mais desenvolvida, mas que, ainda assim, consegue cativar com a sua agradável mistura de experiências pessoais e emoções universais. Havia mais a dizer? Certamente. Mas basta aquilo que está para ter valido a pena acompanhar esta breve jornada. 

Título: Buganvílias
Autora: Marina Segala
Origem: Recebido para crítica

sábado, 27 de janeiro de 2018

Reino de Feras (Gin Phillips)

Lincoln é um menino bem comportado e, apesar de ter apenas quatro anos, está habituado a seguir as regras. Mas, naquele dia, as regras terão de ser diferentes. Quando Joan e o filho ficam presos no jardim zoológico com um (ou vários) homens armados à solta, Joan sabe que só tem uma opção. Precisa de encontrar um esconderijo seguro e de manter o filho calmo e calado até que tudo termine. Só que, a cada minuto que passa, o perigo aumenta. Ouvem-se tiros à distância, conversas próximas, choros indesejados. E, para proteger Lincoln, Joan terá de fazer escolhas, num momento em que nenhuma escolha poderá ser perfeita. Pois o papel de uma mãe é proteger o seu filho - e, nessa tarefa, não há limites.
Centrado principalmente no ponto de vista de Joan, ainda que narrado na primeira pessoa, este é um livro que, apesar de ter um tiroteio como ponto central, se centra mais nas reacções e no instinto de sobrevivência do que no perigo em si. Claro que isto se deve em grande parte ao facto de o lado dos atiradores ser visto apenas em alguns momentos, e de um ponto de vista algo fragmentário, mas também à ênfase que é posta mais na situação de Joan e Lincoln do que no contexto mais global. Afinal, Joan não é a única a lutar pela sobrevivência naquele jardim zoológico, mas a sua posição de mãe que precisa de proteger o filho a todo o custo faz com que os seus dilemas e incertezas ganhem uma dimensão maior.
Talvez seja também em parte por isto que se sente em todo o enredo uma certa ambiguidade. Moral, desde logo, pois, na situação da protagonista, é difícil não ter de fazer escolhas moralmente ambíguas. Mas também na própria avaliação das personagens, que estão muito longe de ser perfeitas e que por isso se tornam mais credíveis. Ora, esta ambiguidade transmite-se para o leitor, pois não havendo na história ninguém que desperte uma empatia incondicional, mas antes momentos em que esta empatia emerge e outros em que parece atenuar-se, sente-se um certo distanciamento das personagens.
Não que isto retire envolvência ao enredo, pois, apesar do ritmo pausado e desta ambiguidade de sentimentos, nunca esmorece a vontade de saber de que forma vão acabar as coisas. E, sendo certo que ficam muitas perguntas sem resposta, até porque a autora se demora em partes do passado que nem sempre chegam a formar um todo, faz um certo sentido que o livro termine da forma como o faz: num limiar que não dá todas as respostas, mas deixa uma ideia de um percurso duro e perigoso que finalmente chegou ao fim.
Tudo somado, fica a impressão de um livro pausado, mas intrigante, e em que a determinação da protagonista compensa amplamente as coisas que são deixadas por dizer. Cativante, surpreendente e com uma muito intensa visão do que é ser-se mãe em circunstâncias perigosas, uma boa leitura.

Título: Reino de Feras
Autora: Gin Phillips
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 26 de janeiro de 2018

O Samaritano (Mason Cross)

Quando um deslizamento de terras na sequência de uma tempestade revela o cadáver de uma mulher, a detective Jessica Allen é chamada ao local - e não tarda a perceber que há muito mais para além daquela mulher morta. Rapidamente se descobrem dois outros cadáveres e um modus operandi que aponta para um assassino experiente e astuto. As pistas são muito poucas e a maioria parece levar a becos sem saída. Mas há outros interessados no caso do Samaritano e, quando a notícia chega a Carter Blake, este sabe que não pode simplesmente ficar de lado. Há algo do seu passado escondido naqueles crimes - e a certeza de que talvez ele seja o único que o pode travar. Mas interferir é sempre perigoso, e ainda mais quando se tem um passado como o de Blake...
Narrado em parte na terceira pessoa pela voz de Blake e em parte na terceira do ponto de vista de outras personagens, este é um livro que conjuga na medida certa a proximidade despertada por conhecer os pensamentos de algumas personagens e o mistério provocado por aqueles que não conhecemos. Além disso, se Carter Blake já é uma figura conhecida do anterior O Caçador, a grande maioria das restantes personagens são completamente novas, o que realça também este equilíbrio entre o novo e o familiar. Mas o que realmente marca neste segundo livro é a forma como o passado parece aproximar-se aos poucos, criando situações mais delicadas, mesmo não sendo o foco central da história.
Porque o Samaritano pode estar relacionado com Blake, mas as grandes questões do passado continuam envoltas em mistério. Mas é aqui que surge um dos aspectos mais curiosos deste livro: é que o caso em si tem tanto de interessante e de intenso e de surpreendente que nunca o que é deixado por dizer deixa a sensação de história incompleta. Além do mais, a série continua e esta presença discreta, mas pesada, do passado serve também para reforçar a certeza de que grandes - e duras - respostas virão. E, assim, também a vontade de continuar a acompanhar a série.
Mas, voltando ao caso e às personagens que o povoam, é certo que a ligações com o livro anterior (e provavelmente com os seguintes), mas o enredo principal tem princípio, meio e fim. Ora, isto tem duas vantagens: primeiro, é perfeitamente possível ler e apreciar este livro sem ter lido o anterior (ainda que valha muito a pena acompanhar Blake desde o início). E segundo, é possível conhecer o protagonista da série de uma forma gradual e que realça a sua faceta de indivíduo misterioso e de passado sombrio, ao mesmo tempo que outras figuras igualmente cativante e surpreendentes assumem, consoante o momento, o seu devido protagonismo. Carter Blake é Carter Blake, claro. Mas Allen, Mazzucco, até o próprio Samaritano são também figuras complexas e muito bem construídas, e isso é uma parte crucial do que torna a história tão viciante.
Tudo somado, fica a melhor das impressões: a de um segundo volume que corresponde inteiramente às expectativas, elevando-as ainda mais para os livros que se seguirão. Intenso, viciante e cheio de surpresas, um livro que prende da primeira à última página. Muito bom. 

Título: O Samaritano
Autor: Mason Cross
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 25 de janeiro de 2018

O Elmer (David McKee)

O Elmer é diferente de todos os outros elefantes: em vez do habitual cinzento cor de elefante, a pele do Elmer tem retalhos de todas as cores e isso faz com que todos os reconheçam. Mas, um dia, o Elmer cansa-se de ser diferente e decide ir à procura de uma forma de se tornar igual aos outros. Só que aquilo que o torna único não é importante só para ele - e a sua procura da normalidade tem uma surpresa à sua espera...
Muito breve, muito simples e, no entanto com uma mensagem muito forte, este é um daqueles livros para crianças que facilmente arrancam um sorriso a leitores de qualquer idade. E por várias razões. Primeiro, pela inocência com que tudo é contado, enfatizando o valor da diferença e da unicidade de cada um sem perder tempo com os preconceitos que, por vezes, tendem a surgir numa idade mais avançada. Segundo, porque esta diferença é enfatizada com toda a naturalidade: a história é peculiar (ou não tivesse ela como protagonista um elefante às cores), mas flui com a naturalidade de uma imaginação que vê que tudo é possível. E terceiro, a cor do Elmer transborda de toda a história, moldando um livro que é tão bonito na forma como no conteúdo.
Mas volto à diferença para realçar o ponto essencial: a inocência não vê os preconceitos, não discrimina consoante a diferença. Isso virá depois. E é talvez deste ponto que nasce a grande mensagem deste livro. O Elmer é diferente, sim - mas o único a questionar a sua diferença é ele mesmo. Todos os outros o aceitam como é, e é assim que deve ser. E, assim, surge uma ideia pertinente: não será afinal mais fácil do que parece aceitar que todos somos diferentes? E que a diversidade é um elemento natural da vida?
Tudo somado, a impressão que fica é esta: a de uma história simples e bonita para crianças, mas igualmente relevante para leitores mais adultos. E um livro colorido, simples e enternecedor, para regressar à memória de tempos mais inocentes e à simplicidade do essencial. Gostei. 

Título: O Elmer
Autor: David McKee
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Bertrand

Louca é um thriller passado em Londres e na Sicília, no espaço de uma violenta semana de verão, e que explora os temas do ciúme e do engano, do crime e da inveja. 
Uma gémea não só se apodera da vida perfeita da irmã, como se dispõe a continuar a vivê-la. Alvie Knightly está muito em baixo: sem objectivos na vida e a beber demais. A sua vida é ainda pior se comparada com a de Beth, a sua irmã gémea e perfeita. Beth casou-se com um italiano lindo e rico, tem um bebé maravilhoso e sempre foi a preferida da mãe. Há muito tempo que a única coisa que as gémeas têm em comum é a aparência. Quando Beth envia um bilhete de avião à irmã para que a visite em Itália, Alvie mostra alguma relutância. Mas quando é despedida do emprego que detesta e os companheiros de casa a põem na rua, começa a mudar de ideias e a pensar na luxuosa villa de Taormina. Beth pede à irmã que troque de identidade com ela durante umas horas, para poder escapar à atenção do marido. Alvie agarra com unhas e dentes a oportunidade de viver a vida da irmã, ainda que temporariamente. Porém, quando a noite acaba com Beth morta no fundo da piscina, Alvie dá-se conta de que aquela é a sua oportunidade de mudar de vida. E, afinal, o que escondia Beth do marido? E porque é que a convidou para ir a Itália? Alvie vai descobrindo segredos e mentiras à medida que mergulha mais fundo na vida da irmã morta. E terá de fazer de tudo para conseguir suportar as suas próprias mentiras.

terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Meu Gato, Meu Cão: O Adeus (Dr. Frantz Cappé)

Ter um animal de estimação é uma vida de afectos, de alegrias e de amor incondicional, associados, naturalmente, a responsabilidades e cuidados, mas que se tornam apenas naturais face a tão forte relação de amor. Mas, quiseram as leis da natureza que a vida da maioria dos animais de estimação fosse muito mais breve que a dos humanos - e, assim sendo, é importante estar preparado para a perda e para o luto que inevitavelmente se segue. Porque, por mais que os que não entendem digam que "era só um cão", a verdade é que há um luto a fazer. É desse luto - e das possíveis formas de lidar com ele - que trata este pequeno, mas relevante livro.
Escrito por um médico veterinário e pensado para todos aqueles que gostam de animais (embora haja alguns aspectos especificamente dedicados aos colegas de profissão), uma das coisas que este livro tem de mais relevante é, mais do que os conselhos ou orientações que dá, o facto de transmitir uma compreensão quase imediata. Será o autor o último a dizer que é "só um cão" e o facto de haver tanta compreensão na forma como este livro está escrito faz com que se crie uma quase imediata impressão de proximidade, pois os tais conselhos e orientações práticas vêm de alguém que compreende.
Quanto à parte prática em si - que é, afinal, o essencial do livro - sobressaem dois aspectos: primeiro, o facto de algumas questões serem (pelo menos, para quem gosta de animais) coisas do senso comum, mas que, ditas por alguém com o necessário distanciamento, ficarem mais vincadas no pensamento; e, segundo, o facto de, entre estes aspectos aparentemente mais óbvios e as questões mais específicas, se construir um equilíbrio simples e esclarecedor que permite ver o todo de uma forma mais clara.
Haveria mais a dizer sobre o tema? Claro, há sempre, até porque casos como os que o autor dá como exemplo, haveria certamente muitos mais. Mas a ideia essencial está lá e, subjacente a ela, uma visão mais lúcida e ponderada do que é, acima de tudo, um tema emocional. Lidar com a perda de um animal não é tão simples nem instantâneo como alguns poderão pensar, e as ideias apresentadas neste livro - as óbvias e as que, à primeira vista, não viriam ao pensamento - ajudam bastante nesse processo. E, claro, o livro pode estar construído com base na realidade francesa, mas a maioria dos pontos são comuns - e, nos que não são, as notas da tradução ajudam a esclarecer.
Não são precisos conhecimentos de veterinária para assimilar as ideias deste livro - muito pelo contrário. Basta o tal amor. E, no fim, é isto que fica na memória: a impressão de uma leitura breve, mas muito útil e esclarecedora, para lidar com um tema que nunca poderá deixar de ser sensível. Muito interessante. 

Título: Meu Gato, Meu Cão: O Adeus
Autor: Dr. Frantz Cappé
Origem: Recebido para crítica

domingo, 21 de janeiro de 2018

Ariadnis (Josh Martin)

Nada restou do mundo antigo a não ser a ilha onde os sobreviventes encontraram abrigo. Mas nem isso bastou para pôr fim aos conflitos e à divisão. Continuaram as lutas, as divergências e, quando também a nova morada ameaçava transformar-se em caos, uma entidade misteriosa surgiu para impor regras. Agora, nove gerações depois, as instruções da Sapiente aproximam-se da derradeira conclusão. As últimas Escolhidas estão quase a completar dezoito anos e, então, terão de se defrontar pela posse do livro da sabedoria. Mas o espírito dos Escolhidos anteriores diz-lhes algo de muito diferente e, apesar de serem completamente distintas, Aula e Joomia têm mais em comum do que imaginam. Só elas podem acabar com o conflito - mas a realidade é muito diferente daquilo que julgam saber. E, quando o caos começa a manifestar-se nas duas cidades, são muitas as verdades difíceis que vêm à superfície... e muito pouco o que resta para salvar.
Dividido entre o percurso das duas Escolhidas e com um cenário cuja estranheza e complexidade se manifesta desde muito cedo, este é um daqueles livros que primeiro estranha-se e depois entranha-se. De início, é tudo um pouco confuso - quem são os superiores, o que separa as duas cidades e o que têm em comum, os diferentes ritos, crenças e poderes dos dois lados do conflito. Mas é também isto que, à medida que vai sendo assimilado, começa a alimentar a necessidade de saber mais. Aula e Joomia são figuras centrais na história do seu povo, mas é o mundo que as rodeia, o contexto e as muitas regras que ditam o seu destino que faz com que a confusão inicial acabe por dar lugar a um certo fascínio.
Também as protagonistas são do tipo que cativa aos poucos. Claro que o contraste entre ambas desperta desde logo uma certa curiosidade, mas a verdade é que não são do tipo que desperta empatia ao primeiro contacto. Mas, curiosamente, também isto tem um lado bom. É que, numa história onde praticamente ninguém é o que parece, o facto de também as protagonistas serem multifacetadas e conterem muitas qualidades ocultas por entre os defeitos mais óbvios torna tudo mais intrigante e mais intensos os momentos em que esse lado mais marcante se revela.
Quanto à história, sobressaem, naturalmente, as reviravoltas inesperadas e a forma como tudo parece avançar num crescendo de intensidade rumo a um final que, apesar de profetizado, não deixa, ainda assim, de surpreender. Além disso, e apesar das perguntas deixadas sem resposta (até porque tudo indica que esta história terá continuidade), há algo de especialmente cativante na forma como o autor consegue cruzar elementos aparentemente previsíveis, como as insinuações de amores possíveis e as traições e reconciliações entre amigos e mentores, e daí fazer surgir algo de inesperado. Tudo isto contribui para a tal passagem da estranheza ao fascínio e faz com que, no fim, fique, acima de tudo, a vontade de descobrir o que se seguirá. 
Somadas as partes, a impressão que fica é a de uma história inicialmente um pouco estranha, mas que, uma vez assimiladas as suas peculiaridades, revela um muito agradável equilíbrio entre as suas muitas facetas peculiares. Intrigante, surpreendente e com vários momentos memoráveis pelo caminho, uma boa leitura. 

Título: Ariadnis
Autor: Josh Martin
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Monstress - O Sangue (Marjorie Liu e Sana Takeda)

Todas as forças têm interesse no poder de Maika Meiolobo. Já ela só quer respostas. Mas, para as obter, precisa de regressar a um passado de que mal se recorda, ao pouco que lhe resta das memórias da mãe, e de encontrar o caminho para um lugar de onde poucos regressam vivos. Restam-lhe alguns aliados, é certo, e até alguns com mais lealdade que a que merece. Mas descobrir o que tem dentro e o que a fez assim não lhe trará paz e muito menos refúgio. Pois há demasiadas forças em conflito - e o demónio de Maika pode muito bem ser o que faz mudar a guerra. 
Tal como aconteceu com o volume anterior, basta um primeiro olhar à capa e um folhear superficial para reconhecer a primeira das muitas grandes qualidades deste livro: a imagem. Há ao longo de toda esta história uma beleza sombria e perturbadora que, ainda que alimentada pelos elementos da história em si, surge, em primeiro lugar, do fortíssimo impacto visual. E tudo é belo neste livro - mesmo as sombras. As várias personagens, os cenários em que se movem, até o próprio traçado dos combates ganha uma outra intensidade por ser ilustrado da forma como é. E, quando basta um olhar para aumentar as expectativas... bem, o resto nunca pode desiludir.
Se já no primeiro volume se tornara evidente que estava muito longe de ser uma história simples e linear, este novo livro eleva as coisas a um outro nível. Surgem novas personagens, novas partes interessadas no conflito e até mesmo conflitos e revelações passadas que conduziram às dificuldades do presente. O universo da história expande-se um pouco mais e, com ele, também o espectro de ligações e lealdades se molda numa nova forma. E o caminho, longo, mas absurdamente viciante, completa-se com uma impressão também muito poderosa: a de que foram dadas respostas (e grandes respostas), mas que estas deram lugar a ainda mais (e maiores) perguntas.
Mais uma vez, tudo parece girar em torno de Maika, que continua a ser a personagem mais fascinante em todo o enredo - e agora por novos motivos. Mas há algo que se aprofunda também aqui um pouco mais, não só em Maika, mas em várias das outras personagens: a impressão de ambiguidade moral. Não há propriamente uma fronteira clara entre o certo e o errado e só as raras personagens inocentes é que vislumbram algo que se lhe assemelhe. Para os restantes, há força, há conflito e há necessidade. E, sendo isto que os move, é particularmente fascinante a forma como, ainda assim, se geram empatias e aversões.
A impressão que fica é a de um livro belíssimo e fascinante, em que tudo - luzes e sombras, inocência e crueldade, emoção e indiferença - contribui para dar forma a uma história onde cada novo momento é uma surpresa e há todo um labirinto de mistérios para revelar. Intenso, fascinante e cheio de promessas, um livro mais que à altura das expectativas. Maravilhoso. 

Autores: Marjorie Liu e Sana Takeda
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Bertrand

Felix está no seu auge como director artístico do festival de Teatro de Makeshiweg. As suas produções geram encantamento e perplexidade. Está agora a encenar uma Tempestade ímpar: não só irá incrementar a sua reputação, como sarar as suas feridas emocionais.
Pelo menos, era esse o plano. Em vez disso, e na sequência de uma indescritível traição, Felix está a viver num tugúrio nos bastidores da civilização, atormentado pelas memórias da adorada filha que perdeu, Miranda. E a arquitectar a vingança.
Depois de doze anos, essa vingança surge por fim sob a forma de um curso dramático numa prisão das redondezas. É aí que Felix e os seus companheiros levarão à cena A Tempestade e encurralarão os traidores que o destruíram. É magia! Mas mudará Felix quando os seus inimigos forem derrotados?
A recriação de Margaret Atwood é não só um exercício de encanto, vingança e segundas oportunidades, mas também nos conduz a uma viagem interactiva, cheia de ilusão, bem como novas surpresas e maravilhas.

Margaret Atwood nasceu em Otava em 1939. É a mais celebrada autora canadiana e publicou mais de quarenta livros de ficção, poesia e ensaio. Recebeu diversos prémios literários ao longo da sua carreira, incluindo o Arthur C. Clarke, o Booker Prize, o Governor General’s Award e o Giller Prize, bem como o prémio para Excelência Literária do Sunday Times (Reino Unido), a Medalha de Honra para Literatura do National Arts Clube (EUA), o título de Chevalier de l’ Ordre des Artet e des Lettres (França) e foi a primeira vencedora do Prémio Literário de Londres.
Está traduzida para trinta e cinco línguas. Vive em Toronto com o escritor Graeme Gibson.

Divulgação: Novidade Topseller

Romance e aventura numa história encantadora, ao estilo de Jane Austen.
Marianne Daventry seria capaz de tudo para escapar ao tédio de viver em Bath e às investidas amorosas de um pretendente indesejado. Por isso, quando a sua irmã gémea, Cecily, a convida para passar o verão com ela em Edenbrooke, a maravilhosa propriedade rural de uns amigos da família, ela nem hesita em aceitar.
Parte assim para a casa de campo, pensando que poderá finalmente relaxar enquanto a irmã tenta conquistar Philip, o encantador herdeiro da propriedade. Mas rapidamente descobre que até os melhores planos podem correr mal.
Desde ser vítima de um assalto terrível até ter de ignorar sentimentos indesejados que começa a sentir pelo anfitrião da casa, Marianne vê-se enredada numa grande aventura, repleta de romance e intriga, que a deixará completamente desorientada.
Conseguirá Marianne conter o seu coração, ou irá um estranho arrebatá-lo irremediavelmente?

Julianne Donaldson é uma romântica inveterada. Licenciou-se em Inglês e a sua formação apenas fez aumentar a sua paixão pela escrita.
Verão em Edenbrooke foi o seu primeiro romance, um sucesso imediato traduzido para várias línguas. O livro recebeu o Prémio Whitney para melhor romance e alcançou a shortlist para o Prémio Goodreads, na mesma categoria. Foi igualmente alvo de uma menção honrosa no Southwest Book Festival.
Vive com o marido e os cinco filhos no Utah e aproveita todas as oportunidades para viajar para o campo, em Inglaterra.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

O Livro do Pó - La Belle Sauvage (Philip Pullman)

Malcolm Polstead é um rapaz atento e está habituado a ouvir as conversas dos clientes da estalagem dos pais. Tem também um certo talento para passar desapercebido. Mas algo está a mudar no mundo que o rodeia e, quando alguns visitantes misteriosos, começam a fazer perguntas, Malcolm dá por si intrigado - e envolvido. No centro do mistério, parece estar Lyra, uma bebé de poucos meses que todos parecem querer ter em seu poder. E, quando a tempestade chega, e com ela a maior cheia desde os tempos de Noé, Malcolm vê-se na necessidade de agir de forma rápida e decisiva para salvar a pequena Lyra. Não importa se os inimigos são poderosos. Não importa o perigo. Sabe que tem simplesmente de o fazer.
Dezassete anos depois da trilogia Mundos Paralelos, este é um regresso que talvez pareça um pouco tardio. Mas, e esta é uma das pequenas coisas a sobressair desta história, a passagem do tempo não se nota nada. Para quem não leu a trilogia, é perfeitamente fácil entrar neste mundo a partir daqui. Para quem, como eu, a leu há muito tempo, o facto de as recordações se terem tornado vagas em nada dificulta a leitura. Aliás, tendo em conta o ponto em que esta história se passa, é estranhamente fascinante entrar nesta história sabendo nada ou lembrando pouco, pois o mistério e a curiosidade de Malcolm tornam-se mais fáceis de compreender.
Também particularmente interessante é o facto de, apesar de a história se centrar principalmente em Malcolm, ser possível ver já os movimentos das várias forças em jogo. O papel futuro das várias personagens é aqui, em grande parte, desconhecido - pelo menos para o protagonista. E é precisamente este equilíbrio entre o que se assume já como uma grande teia e a inocência simples e corajosa de Malcolm que torna tudo tão marcante. Pois ele pode não saber o porquê de todos os perigos, os interesses que movem os seus adversários e que segredos se escondem no futuro da pequena Lyra... mas sabe o que tem de fazer, e isso basta-lhe.
Mas há mais para além deste protagonista forte e inocente. Há um mundo que, embora já conhecido da trilogia Mundos Paralelos, nunca deixa de surpreender. Há todo um conjunto de regras mais ou menos implícitas que constroem um equilíbrio delicado e fascinante entre o familiar e o completamente diferente. E há uma escrita que, apesar da considerável componente descritiva, capta a atenção desde os primeiros momentos e não deixa de cativar até ao fim.
No fim, fica a vontade de descobrir o que se segue o mais rapidamente possível - e também uma curiosa vontade de voltar atrás e reler a trilogia Mundos Paralelos. Sai também renovado o fascínio por este estranho - e estranhamente familiar - mundo e a ideia de que, às vezes, a história é feita dos heróis mais improváveis. Marcante, em suma, marcante e surpreendente. E, naturalmente, muito bom. 

Autor: Philip Pullman
Origem: Recebido para crítica

Para mais informações sobre o livro O Livro do Pó - La Belle Sauvage, clique aqui.

Divulgação: Novidade Topseller

A perfeição é entediante; o interessante é o caminho até lá se chegar.
Quando lhe perguntam quem é, Andrea Bern tem a resposta na ponta da língua: ela é designer, nova-iorquina, amiga, filha e irmã.
Mas, nas entrelinhas, percebe-se a sua verdadeira natureza: ela é quase quarentona, quase artista, quase à deriva, quase adulta. À sua volta, as pessoas arquitectam a vida tal qual os padrões que as revistas e as séries de TV populares comandam.
Mas há muito que Andrea deixou de perseguir esse sonho e de ter expetativas irreais sobre a sua vida. Contudo, quando a sua sobrinha nasce com uma doença incurável, Andrea e a família têm que rever prioridades.
Pela primeira vez, ela é forçada a fazer algo impensável: a preocupar-se com os outros.

Jami Attenberg é norte-americana e colabora com a New York Times Magazine, o Wall Street Journal e o Guardian, entre outros.
Foi finalista dos prémios Los Angeles Times Book Prize for Fiction e St. Francis College Literary Prize.
Quase Adulta foi seleccionado para várias listas de melhor livro do mês, incluindo as revistas Elle e Vogue UK, o jornal Chicago Tribune, o site Book Riot e a Amazon.

terça-feira, 16 de janeiro de 2018

Atlas de Curiosidades (Clive Gifford e Tracy Worrall)

O mundo está cheio de surpresas. E já que não podemos (ou enquanto não podemos) viajar pelo mundo todo e descobrir todas as suas peculiaridades, não há nada como um bom livro para procurar esse conhecimento. Só que esses elementos bizarros e curiosos nem sempre aparecem nos grandes atlas normais. Pois bem, este é um livro dedicado às curiosidades do mundo. E uma coisa é certa: curiosidades não faltam.
Quando se pega num livro destes, é difícil não começar por reparar no aspecto visual, já que é um livro grande e cheio de cor. E isto é importante desde logo porque é um livro pensado para um público jovem, mas também porque acrescenta curiosidade a um livro que é todo ele sobre curiosidades. Além disso, apesar de peculiar, não deixa de ser um altas, pelo que são inevitáveis (naturalmente) os mapas e os nomes de locais. Ora, o que as ilustrações fazem é acrescentar aos factos um elemento visual que facilita a localização - e também torna mais fácil guardar as coisas na memória.
Mas voltando aos factos. Outro aspecto a sobressair neste livro é a diversidade de... bem, curiosidades que surgem no livro. Há fenómenos estranhos, casos da vida animal, museus e casas peculiares, tradições bizarras, enfim... um pouco de tudo, tendo como único ponto comum o facto de serem peculiares. E é esta peculiaridade que faz com que o livro seja tão interessante para os mais novos (junto dos quais poderá despertar a curiosidade de aprender mais coisas da história e geografia dos diferentes países) como para quaisquer outros leitores. É que muitas destas coisas não se aprendem nas aulas e algumas estão muito longe de aparecer nos atlas comuns. Por isso, é sempre possível aprender algo de novo com este livro - e aprender de forma leve e divertida.
Bonito, colorido e cativante, um bom ponto de partida para despertar o interesse por outras culturas - e também uma forma de descobrir que por todo o mundo há estranhezas e curiosidades. A impressão que fica é, por isso, a de um livro para todas as idades. E um dos bons. 

Título: Atlas de Curiosidades
Autores: Clive Gifford e Tracy Worrall
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Bertrand

Estamos em 1996 e Reacher ainda está no exército. De manhã dão-lhe uma medalha e à tarde mandam-no de volta para a escola. Nessa noite está estafado.
Há mais dois homens na turma – um agente do FBI e um analista da CIA. São ambos agentes de primeira e ambos se perguntam o que estão ali a fazer.
E depois descobrem: uma célula jiadista em Hamburgo recebeu a visita de um mensageiro saudita. Um agente da CIA infiltrado ouve dizer: «O americano quer cem milhões de dólares.»
Para quê? E de quem? Reacher e os amigos terão de o descobrir. Se falharem, o mundo será palco de um atentado terrorista de enormes dimensões.
Da América a Hamburgo, de Jalalabad a Kiev, a narrativa dispara como uma bala por territórios ambíguos, identidades falsas e novos e terríveis inimigos.

Lee Child nasceu em Inglaterra em 1954. Estudou Direito e trabalhou no teatro e como director de programação televisiva. Foi despedido aos 40 anos devido a um processo de reestruturação. Sempre tinha sido um leitor voraz e decidiu ver nessa reviravolta da sua vida uma oportunidade para fazer algo interessante. Foi assim que escreveu o primeiro livro da série Jack Reacher, que conheceu um êxito estrondoso.
Lee divide o seu tempo entre Manhattan e as suas casas de campo em Inglaterra e no sul de França. É casado e tem uma filha.

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Divulgação: Novidade 4 Estações

Um romance sobre a coragem. 
Um romance sobre Anita Garibaldi. 
Inseparável companheira de Giuseppe Garibaldi, guerrilheiros na América do Sul e heróis da unificação da Itália. Anita Garibaldi aprendeu que as causas perdidas são as mais certas, tornando-se numa das mais extraordinárias personagens da história, considerada a heroína de dois mundos, precursora e símbolo do feminismo, e a representação da mulher forte e independente. 
Neste livro repleto de beleza e cores realistas, tão chocante quanto maravilhoso, tão particular quanto universal, vemos Anita pelos olhos de Giuseppe Garibaldi, a única pessoa que testemunhou realmente a vida da revolucionária. E assim conhecemos a mulher que se lança sozinha sobre o exército inimigo; que por ciúmes corta os cabelos do marido e o ameaça com um par de pistolas; que abandona os próprios filhos entre desconhecidos para atravessar um país em convulsão, escondida sob a correspondência num carro de correio, até uma cidade sitiada.

Vencedor do passatempo O Livro do Pó

E chegámos ao fim de mais um passatempo. Como sempre, resta-me agradecer a todos os que participaram e anunciar quem vai receber um exemplar de O Livro do Pó - La Belle Sauvage.

E o vencedor é...

18. Alexandra Guimarães (Cascais)

Parabéns e boas leituras!

domingo, 14 de janeiro de 2018

O Novo Aluno (Tracy Chevalier)

Habituado a mudar de escola ao ritmo das deslocações do seu pai diplomata, Osei sabe que só há uma coisa pior do que ser o novo aluno: ser o novo aluno negro numa escola de brancos. E, porém, tudo parece começar estranhamente bem naquele primeiro dia na escola nova. Consegue sentir a estranheza dos outros, mas conhece Dee e rapidamente surge um sentimento forte entre os dois. O problema é que Dee pode parecer imune aos preconceitos dos outros, mas há quem queira ensinar uma lição ao novo aluno. E, quando a intriga começa a ganhar forma, a força do preconceito manifesta-se... e nada será igual no fim do dia.
Um dos primeiros aspectos a sobressair neste livro - e, ao que parece, também uma característica desta colecção - é que, apesar de ser uma recriação de uma tragédia de Shakespeare, a história é algo de único e independente. Sim, é fácil identificar os paralelismos e os elementos que ainda hoje fazem da obra de Shakespeare algo de intemporal. Mas a história contada pela autora e a forma como transpõe todos estes elementos para um ambiente diferente e para um tempo mais próximo conferem a este romance relativamente breve uma identidade própria.
Tudo acontece no espaço de um dia - um dia capaz de conter todas as mudanças do mundo. E, talvez por esta linha temporal relativamente curta, a primeira impressão é de uma certa estranheza, pois os sentimentos que nascem, crescem e morrem ao longo do caminho quase parecem demasiado fortes para percorrer um tão vasto percurso tão depressa. Mas, na verdade, o ritmo faz sentido. Osei e Dee são crianças e vivem ainda no tempo em que os grandes primeiros amores começam e acabam em poucas horas. E é isto aliás que torna tudo tão impressionante. São crianças, mas a moralidade manifesta-se, e da mesma forma o preconceito, a intriga, o ódio implacável. São crianças que representam, afinal, problemas adultos. E, tendo em conta a forma como tudo evolui, é muito difícil não ter presente esse facto.
É também daqui que vem o grande contraste que parece pautar todo o enredo: o da inocência de um grupo de personagens maioritariamente muito novas, com a da crueldade, da intriga e do racismo já interiorizado na mente de algumas dessas personagens. É fácil, por um lado, ficar-se encantado com a naturalidade da relação que nasce entre Osei e Dee. E depois é esse mesmo encanto que reforça o impacto do tão grande lado sombrio que nasce em torno dessa relação: a intriga de Ian, os preconceitos vocalizados sob a desculpa da preocupação, o ressentimento latente que até nos que são realmente adultos se manifesta sem regras. Tudo isto perturba, principalmente se tivermos em conta que muitos destes comportamentos não se desvaneceram com as décadas passadas desde o tempo em que decorre o enredo. E a forma como tudo se encaminha gradualmente para a sensação cada vez maior de que não, isto não pode acabar bem, é também parte do que grava este livro na memória, independentemente das perguntas que acabam por ficar sem resposta.
Intenso, envolvente e com um muito poderoso equilíbrio de contrastes, eis, pois, um livro para ler de uma assentada - e para depois ficar a pensar em toda a vastidão de perguntas pertinentes escondidas numa história aparentemente tão breve...

Título: O Novo Aluno
Autora: Tracy Chevalier
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 12 de janeiro de 2018

Fangirl (Rainbow Rowell)

Cath sempre achou que tinha tudo o que precisava - a irmã gémea e o fascínio partilhado entre ambas pelos livros do Simon Snow. Fascínio esse que a tornou quase que famosa no seio dos fãs, pois a sua fan fiction tem dezenas de milhares de leitores. Mas agora a vida de Cath vai mudar. Cath e Wren entraram para a universidade e Wren quer agora explorar a vida por sua conta e partilhar o quarto com outra pessoa. Por isso, Cath tem de aprender a viver com a distância e com os novos desafios, ao mesmo tempo que continua a escrever a sua quase famosa fan fiction. Só que a vida tem a mania de se meter no caminho e as amizades relutantes acabam por lhe trazer... algo mais. Mas será que Cath tem espaço suficiente no seu coração?
Um dos aspectos mais interessantes desta história é que, apesar de se centrar maioritariamente em Cath e nos seus dilemas - que, se olharmos com atenção, não são assim tão diferentes dos da maioria das pessoas - consegue expandir-se para toda uma variedade de questões e de temas sem nunca  perder de vista a importância de nenhum deles. Há o crescimento e a saída de casa, com todos os problemas que a distância pode trazer. Há a dificuldade em fazer novos amigos e "sair da casca" quando estar num sítio novo já é tão assustador. Há a complexidade das relações familiares, as infinitas possibilidades dos livros enquanto refúgio e salvação, a descoberta do primeiro amor, a... bem, não posso contar tudo, pois não? Mas o interessante é mesmo que a autora consegue conjugar todos estes aspectos - e mais uns quantos - sem que a história se torne confusa ou fragmentária. Muito pelo contrário, aliás. É incrivelmente fácil entrar no ritmo do livro.
Claro que isto vive muito do ritmo de um enredo em que há sempre alguma coisa a acontecer e um variado espectro emocional - que oscila entre os momentos deliciosamente divertidos, os picos de emoção estranhamente comoventes e todos os graus intermédios do espectro. Mas a alma da história está nas personagens e no facto aparentemente muito simples de não haver ninguém neste livro que seja sempre perfeito. Sim, cada personagem tem as suas qualidades e são essas as primeiras a despertar interesse. Mas é o facto de serem falíveis e vulneráveis que faz com que cada novo desenvolvimento deixe a sua marca... e que até o que é deixado por dizer (sobre o que acontece depois) faça todo o sentido.
E depois há o Simon Snow e todo o mundo criado em torno deste mago ficcional a fazer lembrar um quase Harry Potter com uma identidade algo distinta. Um mundo que, este sim, é desenvolvido de forma fragmentária, mas que complementa na perfeição a realidade de Cath e companhia... ao mesmo tempo que desperta a curiosidade em saber mais sobre esta tão curiosa história de amor e de magia.
A soma de tudo isto é, para mim, o melhor livro que li desta autora até agora. Uma história divertida, intrigante e comovente em todos os momentos certos, onde dois mundos se conjugam de uma forma... bem, mágica, para realçar os problemas e as descobertas que definem, afinal, o ritmo do crescimento. Cativante, intenso e cheio de surpresas... muito bom. 

Título: Fangirl
Autora: Rainbow Rowell
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Guerra e Paz

Quando adoptamos um gato ou um cão, sabemos que o iremos perder um dia. Mas, muitas vezes, não estamos preparados para a onda de emoções que nos assaltam na hora do adeus. O que fazer perante o vazio deixado pelo desaparecimento de um animal que fez parte do nosso dia-a-dia? Como se processa a eutanásia e como tomar a derradeira decisão? Como reagir a uma morte inesperada e violenta? Como fazer com que os outros reconheçam a profundidade do nosso sofrimento? É difícil compartilhar a tristeza, sobretudo porque não se trata da perda de um ser humano.
O Dr. Frantz Cappé, médico-veterinário, esclarece-nos sobre as necessidades dos gatos e cães na fase final da vida e as dos seus donos, respondendo a estas e a muitas outras questões e recorrendo a vários exemplos. Fala também sobre os aspectos psicológicos do acompanhamento e do luto e ajuda a ponderar o melhor momento para viver uma nova história com outro animal de estimação.

Dr. Frantz Cappé. É veterinário, formado pela Faculdade de Medicina de Créteil e pela Escola Nacional de Veterinária de Alfort, em França. Exerce medicina e cirurgia veterinárias na sua clínica no centro de Paris desde 1996, sempre acompanhado pelos seus animais de estimação.
Escreve artigos sobre os animais na imprensa e é muito activo nas redes sociais. Este é o terceiro livro que publica, depois de Maan: Chroniques d’un vétérinaire atypique e Maan: Dans ses pensées.

Divulgação: Novidade Companhia das Letras

Num mundo em que a desumanização parece irreversível, um muro divide os homens.
Jonas e a sua jovem filha Aliss são conduzidos ao longo do imenso muro por um homem chamado Servantes. A missão é levar água aos menos favorecidos, talvez electricidade. Funcionário de uma organização internacional, Jonas debate-se com o ritmo hesitante da missão. O longo muro, o clima e a distância alimentam dúvidas sobre o significado de civilização, mas Jonas vai avançando, confortado pela pequena coragem das rotinas repetidas.
Enquanto isto, a filha torna-se mulher, devagar, tumultuosamente.
Aos desamparados, no entanto, não chegou ainda a água.
Uma desconstrução dos lugares confortáveis do Ocidente, Meio homem metade baleia é uma narrativa notável que convida a uma poderosa e necessária reflexão.

José Gardeazabal nasceu em Lisboa, onde vive actualmente. Trabalhou e estudou em Luanda, Aveiro, Boston e Los Angeles. Em 2013 viu o seu conto Várias versões de uma catástrofe publicado na Granta portuguesa. Em 2015 foi distinguido com o Prémio INCM/Vasco Graça Moura com o livro de poesia história do século vinte. Em 2016 publica Dicionário de ideias Feitas em Literatura, uma colectânea de prosa curta, e em 2017 lança-se na dramaturgia com a publicação de três breves peças de teatro a que chamou Trilogia do olhar. Meio Homem, Metade Baleia é o seu primeiro romance.

Divulgação: Novidade Guerra e Paz

Esta é a vida da Cobaia. E quem é a Cobaia? É uma porquinha-da-índia, especialista em comunicação.
Hipocondríaca, também. Afunda-se na rotina, trabalhando sem paixão. Todos os seus colegas são humanos, dá-se bem com eles, mas sente-se sozinha, acompanhada pela sempre leal máquina de café.
Vê a vida a passar, mera observadora. O seu antigo namorado vai casar-se e convida-a para o casamento. Como reagir? O novo chefe é o rufia de serviço: produtividade e inovação – acima de tudo!
Stella, a tenebrosa responsável pelos Recursos Humanos, espera pelo mais pequeno deslize.
Atormentada pelo trabalho, falhada nos amores, a Cobaia desespera.
A Cobaia é uma porquinha, já o dissemos, mas é também muito humana. Com depressões e tristezas, com dificuldades e falhanços, mas também com alegria e muitas amizades, a Cobaia somos todos nós.
Poderá ela ser feliz? Poderemos nós ser felizes?
Um livro para ler e rir, melancólico e divertido, uma fotografia exacta da nossa vida, sem filtros nem Photoshop! Muitos foram os leitores e os críticos que o compararam à série The Office, bem como ao Diário de Bridget Jones. Para os fãs, é a leitura ideal.

BIOGRAFIA DA AUTORA
Paulien Cornelisse. É uma escritora, humorista e cronista holandesa. O seu primeiro romance, A Vida de Uma Porquinha-da-índia no Escritório, um sucesso de vendas, tendo já vendido mais de cem mil cópias.
Publicou, em 2009, um livro de não-ficção, Taal is zeg maar echt mijn ding (A Linguagem É Tipo a Minha Cena), que vendeu setecentos mil exemplares e recebeu o prestigiado prémio Tollensprijs, tendo sido considerado uma «excepcional proeza literária». Os seus espectáculos de humor receberam inúmeros prémios. Vive em Amesterdão e antes viveu no Japão e nos Estados Unidos. É co-fundadora da Echt Gebeurd, a versão holandesa de The Moth, grupo que se dedica a fazer espectáculos de storytelling.

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Uma Vida Alemã (Brunhilde Pomsel e Thore D. Hansen)

Tal como a maioria das pessoas do seu tempo, Brunhilde nunca deu grande importância à política. Pensava acima de tudo na sua vida, em ter um bom emprego e alguma estabilidade, num tempo em que ter um emprego estava muito longe de ter uma certeza. E foi com isto em vista que acabou por se filiar no partido e depois por trabalhar como secretária para o Ministério da Propaganda. A verdade - e principalmente os crimes do regime - viriam mais tarde à superfície, mas Brunhilde nunca se sentiu culpada. Não sabia. Não pensava nisso. Esta é a história da sua vida - e das muitas lições que dela se podem tirar.
Uma das primeiras coisas a sobressair neste livro - e também a que mais vai reforçar a sensação de ambiguidade ao longo de toda a leitura - é a forma como toda a posição de Brunhilde Pomsel parece assentar numa grande inocência. Tendo chegado a trabalhar quase que no coração do regime e tendo-lhe tantos documentos passado pelas mãos, é difícil imaginar que, movida apenas pelo interesse de controlar a sua vida e de conquistar a confiança dos seus superiores, ela nunca tivesse olhado e que, por isso, não soubesse realmente de nada. Mas, curiosamente, é também esta ambiguidade que salienta o impacto desta biografia. É que, olhando para trás, é fácil imaginar que faríamos diferente. Mas, tendo em conta os problemas que se vivem hoje e a forma como têm sido abordados, será que faríamos mesmo?
O que me leva ao que é, sem dúvida, o ponto mais relevante desta leitura. Não é tanto a biografia de Brunhilde Pomsel que importa, pois, embora seja muito pertinente, a verdade é que não acrescenta muita informação nova - porque ela própria sabia tão pouco, afinal. Mas é esta mesma posição de saber tão pouco e de querer saber tão pouco que, transposta para o presente, traça todo um conjunto de questões relevantes sobre a forma como o presente pode estar a repetir os erros do passado. O longo texto final que explora estas questões coloca tudo numa perspectiva mais clara - e é esse contraste, essa possibilidade, que acaba por tornar tão importantes as conclusões desta leitura.
Não é propriamente um livro onde se possa procurar um contexto histórico amplo ou grandes informações sobre o regime. Mais uma vez, é mais o tanto que se desconhecia que marca nesta leitura. Mas, deste grande desconhecido e da forma como tudo isto se pode transpor para a realidade, fica um impressão muito forte: a de uma leitura muito pertinente - muito importante - para evitar que os erros do passado se repitam. 

Título: Uma Vida Alemã
Autores: Brunhilde Pomsel e Thore D. Hansen
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

A Sombra da Noite (Robert Bryndza)

Tudo naquele caso é estranho e Erika sabe-o. Mas algo lhe diz que aquele homem encontrado amarrado à cama com um saco de plástico enfiado na cabeça não é apenas mais uma vítima de um crime de ódio. As pistas são poucas, o assassino parece ser extremamente cuidadoso e os recursos da polícia são mais limitados do que seria desejável. Mas Erika não está disposta a ignorar os seus instintos. E, quando a segunda vítima é encontrada da mesma forma e todas as atenções mediáticas se voltam para o caso, Erika começa a perceber a verdadeira complexidade da situação. O assassino é uma verdadeira sombra e as pistas que deixa são ambíguas, na melhor das hipóteses. Mas a sua lista de vítimas ainda não acabou... e, ao meter-se-lhe no caminho, Erika pode muito bem estar a arriscar a própria vida. 
Mais uma vez centrado num caso que começa e termina neste volume, mas com ramificações pessoais e profissionais que se estendem para o passado e muito provavelmente para o futuro, este é um livro que, à semelhança do primeiro volume da série, prende desde as primeiras páginas e não deixa de surpreender até ao fim. E, se A Rapariga no Gelo tinha mais do que forças suficientes para definir esta série como imperdível para os fãs de um bom policial, então A Sombra da Noite eleva tudo a um novo nível.
Claro que as qualidades são essencialmente as mesmas do livro anterior, sendo uma das principais a forma como o caso se vai interligando com os restantes elementos do enredo: as experiências passadas das personagens, a política e burocracia associadas às forças policiais, as próprias ligações pessoais entre as diferentes personagens. Tudo isto se conjuga num equilíbrio intenso e eficaz, pois, se a existência de um assassino à solta e a necessidade de o travar bastam para dar forma a uma história intensa e cativante, o facto de também os investigadores terem em si muito de fascinante torna toda a narrativa mais interessante. Além disso, este equilíbrio entre o pessoal e o profissional torna as personagens muito mais humanas - e isto aplica-se tanto a Erika, com o peso do seu passado, como a outras personagens que começam a afirmar-se, como Isaac. E até mesmo a tal Sombra tem as suas complexidades...
Depois há a escrita, claro, que, com os seus capítulos relativamente curtos e um equilíbrio praticamente perfeito entre os momentos de tensão, de mistério, de emoção e até de humor, torna quase irresistível a necessidade de saber o que acontece a seguir. E, quando o que acontece é tão intenso, tão forte e, às vezes, tão inesperado... bem, torna-se difícil parar a leitura.
Mas volto ainda outra vez às personagens, para realçar uma faceta que, embora aparentemente secundária, acaba por ser o aspecto que mais contribui para elevar este segundo volume a um nível em tudo superior. Já conhecemos Erika, Peterson, Moss, Isaac. Mas a passagem do tempo e as experiências vividas parecem estar a criar uma ligação mais duradoura, que não só torna mais intensas as situações mais difíceis, como realça as vulnerabilidades destas e doutras personagens. Ora, vulnerabilidade significa empatia, o que aumenta em muito o impacto emocional de alguns discretos - mas muito marcantes - episódios do enredo. 
Com um núcleo de personagens fortes e um enredo cheio de surpresas, eis, pois, um livro que não só não desilude, como gera também expectativas elevadíssimas para o próximo livro - que, deixem-me que vos diga, mal posso esperar para ler. Intenso, viciante e sempre surpreendente, um livro a não perder. Genial.

Título: A Sombra da Noite
Autor: Robert Bryndza
Origem: Recebido para crítica

Passatempo O Livro do Pó

O blogue As Leituras do Corvo, em parceria com a Editorial Presença, tem para oferecer um exemplar do livro O Livro do Pó - La Belle Sauvage, de Philip Pullman. Para participar basta responder às seguintes questões:

1. Como se chama o protagonista deste livro?
2. Este livro pertence ao mesmo universo da trilogia Mundos Paralelos. Como se chamam os livros desta trilogia?
3. Em que país nasceu Philip Pullman?


Regras do Passatempo:
- O passatempo decorrerá até às 23:59 do dia 14 de Janeiro. Respostas posteriores não serão consideradas.
- Para participar deverão enviar as respostas para carianmoonlight@gmail.com, juntamente com os dados pessoais (nome e morada);
- O vencedor será sorteado aleatoriamente entre as participações válidas;
- Os vencedores serão contactados por e-mail e o resultado será anunciado no blogue;
- O blogue não se responsabiliza pelo possível extravio do livro nos correios;
- Só se aceitarão participações de residentes em Portugal e apenas uma por participante e residência.

Para mais informações consulte o site da Editorial Presença aqui.

domingo, 7 de janeiro de 2018

Nove anos


Sim, já são nove anos... e o tempo foge...

E não sei bem se tenho as palavras certas para dizer o que me vai na cabeça. Porque fazê-lo talvez signifique fazer balanços, recordar, talvez, obstáculos e barreiras, e hoje quero só lembrar-me do bom.

E o bom é tanto! São todas as histórias onde me perdi, onde me encontrei, onde deixei bocadinhos de um coração mais ou menos partido, onde fiz magia e descobri que, na verdade, ela existe. São as escolhas e as personagens que fizeram sentir compreendida e saber que até os heróis têm dúvidas... até os heróis têm vulnerabilidades. E são também as pessoas, as que este mundo dos livros me deu a conhecer: as que partilham da mesma paixão e, por isso, entendem também as minhas particularidades.

São nove anos, sim. E vocês continuam por aí a ler-me. Por isso, a verdade é que só há uma coisa que importa dizer... e é tão simples afinal...

Obrigada por continuarem a visitar-me. Serão sempre bem-vindos.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

Ferals - A Mãe das Moscas (Jacob Grey)

Crau conseguiu salvar Blackstone do Tecedor, mas o mal nunca desaparece verdadeiramente. E, quando pensa ter finalmente algum tempo para se adaptar e desenvolver as suas capacidades, o seu caminho cruza-se com um novo inimigo - e um legado que a mãe lhe deixou e que tem de proteger a todo o custo. Há uma nova feral maléfica em Blackstone e os seus planos para a cidade são tão ou mais terríveis que os do Tecedor. Para a combater, Crau precisará de toda a ajuda que conseguir e também de renunciar a alguns dos seus segredos. Mas, quando o perigo se adensa e uma verdade dura vem à tona, Crau sabe que, no fim, dependerá de si estar à altura da sua linhagem e salvar os seus amigos de um destino terrível. 
Mantendo o mesmo registo directo e de acção constante, mas acrescentando-lhe um novo peso com mais descobertas do passado e um conjunto de relações mais próximas entre as personagens, este livro que, embora dando continuidade a O Rapaz que Falava com os Corvos, põe Crau e os seus amigos numa aventura essencialmente nova, cativa, em primeiro lugar, pelo delicado equilíbrio entre a simplicidade da história, a intensidade de acção e a inesperada força das emoções que desperta. Continua, é claro, a ser uma história pensada para um público jovem, mas este elevar do impacto de todos os elementos torna a história consideravelmente mais marcante, deixando uma impressão bastante mais duradoura - e uma vontade quase irresistível de ler o final da trilogia.
Também há uma evolução considerável em termos de complexidade, não propriamente do enredo, que continua a seguir a já esperada linha da acção quase constante, em que o contexto vai surgindo à medida que é necessário, mas pelo contexto em si e pelo desenvolvimento das personagens. O contexto é agora mais amplo, pois novos elementos como a situação da Mãe das Moscas e o segredo da pedra permitem uma percepção mais ampla da situação, levantando também algumas questões pertinentes sobre a alegada superioridade moral de alguns ferals. E as personagens acabam também por se tornar mais complexas, seja pelas escolhas que têm de fazer, seja pelo reconhecimento dos erros que traz consigo novas decisões.
Ah, e claro. Continua a não haver gente perfeita neste livro - muito menos o próprio Crau. Agora mais consciente dos seus poderes, não deixa, ainda assim, de ser uma figura com fraquezas, com dúvidas, com medos. E isso torna tudo muito mais empolgante, pois é possível sentir essas mesmas dúvidas e medos ao longo de toda a aventura, o que reforça ainda mais o impacto dos momentos mais emotivos.
Simples quanto baste, mas inesperadamente intenso, eis, pois, um segundo volume que eleva a um novo nível as qualidades do livro anterior. Cativante, sempre agradável, e com a mistura certa de acção, emoção, magia e um toque de humor, um livro que superou amplamente todas as expectativas. Muito bom.

Título: Ferals - A Mãe das Moscas
Autor: Jacob Grey
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 4 de janeiro de 2018

Um Dia (Morris Gleitzman)

No dia em que encontra uma cenoura inteira na sua sopa, Felix Salinger julga ter recebido finalmente o sinal que tanto esperava: os pais vêm aí e vão finalmente tirá-lo do orfanato. Mas, apesar da sua imaginação tão fértil, a realidade é muito mais complexa do que Felix alguma vez pensou. E, quando vê um grupo de soldados a queimar livros no orfanato, Felix sabe que tem de fugir e de esconder os livros que os pais deixaram na livraria. Mal imagina ele que os livros estão longe de ser o último problema - e que, na sua inocência, mal consegue conceber a verdadeira dimensão das sombras que se avolumam sobre o mundo...
Relativamente breve e visto essencialmente pelos olhos do protagonista, este é um livro em que o primeiro aspecto a sobressair não podia ser outro que não a inocência de Felix. E é uma inocência quase que ilimitada, que, desde logo, desperta sentimentos fortes. Primeiro, porque é difícil não admirar a imaginação do protagonista e a forma como, a partir do muito que não sabe, consegue sempre construir a melhor explicação possível - mesmo num cenário que não é muito agradável. Depois, porque esta tão grande inocência no contexto em que tudo decorrer afirma desde logo uma grande e dolorosa certeza: Felix tem muitas desilusões à sua frente.
Não é, nem pretende ser, uma história exaustiva sobre a vida das crianças judias durante o domínio nazi. E, tendo em conta que há vários outros livros na sequência deste, nem sequer é a história completa de Felix. Mas é interessante reparar que, apesar da relativa brevidade e da forma como a história é construída, centrando-se no percurso das personagens e revelando a informação à medida que vai sendo necessária, nada retira à envolvência da leitura. E até o que é deixado por dizer acaba por deixar sobretudo uma grande vontade de ler os próximos livros.
E quanto à inocência... bem, a inocência inicial é o que torna toda a história tão marcante, pois é difícil não se ficar comovido quando se vê uma criança a tentar contar histórias positivas para apagar da mente - da sua, ou da dos que com ele se cruzam - as verdades dolorosas de um mundo cada vez mais sombrio.
No fim, fica a vontade de ler mais, aquele rasgo de emoção que nos faz pensar que partilhámos um bocadinho de vida com as personagens que estivemos a acompanhar e a certeza de que a história de Felix pode ser imaginária - mas há muita verdade contida no seu interior. Uma boa história, uma boa leitura... e uma série de livros para continuar a descobrir.

Título: Um Dia
Autor: Morris Gleitzman
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Divulgação: Novidade Presença

Volume 1 - La Belle Sauvage
Philip Pullman
Colecção: Via Láctea n.º 140
Tema: Ficção e Literatura
Título Original: La Belle Sauvage (The Book of Dust Volume 1)
Tradução: Maria do Rosário Monteiro
ISBN: 978-972-23-6153-8 
Páginas: 392

Philip Pullman regressa ao universo de MUNDOS PARALELOS. 

Malcolm Polstead tem onze anos. Os pais gerem A Truta, uma estalagem muito frequentada nas margens do rio Tamisa, perto de Oxford. Malcolm é muito atento a tudo o que o rodeia, mas sem chamar a atenção dos outros . Talvez por isso, fosse inevitável vir a tornar-se num espião. É na estalagem que ele, juntamente com o seu génio Asta, descobre uma intrigante mensagem secreta sobre uma substância perigosa chamada Pó. Quando o espião, a quem a mensagem era dirigida, lhe pede que preste redobrada atenção ao que por ali se passa, o rapaz começa a ver suspeitos em todo o lado: o explorador Lorde Asriel; os agentes do Magisterium; Coram, o cigano; a bela mulher cujo génio é um macaco malicioso... Todos querem descobrir o paradeiro de Lyra, uma menina, ainda bebé, que parece atrair toda a gente como se fosse um íman. Malcolm está disposto a enfrentar todos os perigos para a encontrar...

Philip Pullman nasceu em Norwich, Inglaterra, em 1947. Ainda criança, viveu no seu país, no Zimbabué e na Austrália. Quando tinha onze anos, a família regressou definitivamente a Inglaterra. Frequentou a Faculdade de Exeter, onde descobriu o seu interesse pela literatura do género fantástico. Teve diversas profissões antes de se tornar professor em Oxford. Dedicou-se então à criação literária, começando por escrever textos de teatro e contos. A partir de 1985 passou a produzir romances, mas foi em 1995 que alcançou o sucesso à escala internacional com a trilogia MUNDOS PARALELOS, constituída pelos volumes Os Reinos do Norte, A Torre dos Anjos e O Telescópio de Âmbar, todos publicados pela Editorial Presença. Esta trilogia, traduzida em mais de 40 línguas e com vendas superiores a 18 milhões de exemplares, foi seleccionada como uma das 100 melhores obras de todos os tempos pela revista Newsweek, tendo uma adaptação cinematográfica de êxito mundial com o título A Bússola Dourada. 
Philip Pullman, um dos escritores mais aclamados da actualidade, foi distinguido com vários prémios literários de grande prestígio, incluindo o Carnegie Medal; o Guardian Children's Book Award; o Whitbread Prize, concedido pela primeira vez a um autor de obras infantojuvenis, e o Memorial Astrid Lindgren Prize, pelo conjunto da sua obra.

Para mais informações consulte o site da Editorial Presença aqui.

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

As Falsas Memórias de Manoel Luz (Marlene Ferraz)

Quando criança, viu-se inesperadamente protegido por um homem de ilustre fama enquanto livreiro - e o seu coração dividiu-se entre o pai simples e a ânsia de ser alguém mais importante. Cresceu entre dois mundos e de coração dividido, sem saber que segredos levavam a essa tão estranha situação. Já adulto, e mais em paz com as duas facetas da sua existência, Manoel vê-se num ponto de viragem. O editor morreu. O futuro da livraria está em aberto. E também o pai há muito que partiu. A Manoel, restam apenas as memórias e o súbito fascínio por umas quantas pessoas perdidas e um amor que, do passado, lhe traz um amor diferente. Mas o que julga saber e a verdade são duas coisas diferentes. E o que é a verdade, afinal?
Longe de ser uma leitura compulsiva, apesar dos capítulos bastante curtos, este é um livro que leva o seu tempo a assimilar, principalmente pela estranheza inicial. Isto deve-se em grande medida à escrita, que, bastante elaborada e com um estilo onde as palavras inesperadas se sucedem, dá forma a uma voz própria e onde são muitas as peculiaridades que é preciso absorver. E esta sensação de estranheza nunca se desvanece por completo, mas, uma vez entendidas as suas particularidades, tudo se torna bastante mais natural e, à medida que Manoel cresce e se revela, também a fluidez da narrativa aumenta, culminando num final onde todas as respostas dadas têm algo de tão próximo que a distância inicial acaba por se desvanecer. 
Abrem-se então as portas do mundo de Manoel Luz. E há tanto na sua história a ponderar. Desde a criança dividida entre o pai simples e o editor que o seduz com importâncias futuras ao adulto desencantado que começa a descobrir o que sempre esteve lá, há no caminho da vida de Manoel toda uma sucessão de descobertas e de revelações que, não sendo propriamente momentos de grande impacto na história, marcam, contudo, várias verdades fundamentais. E, da criança cheia de sonhos ao adulto desencantado, vai um crescimento muito único, mas onde é fácil descobrir pontos em comum - até porque todas as vidas os têm, e a de Manoel é bastante completa.
Mas há ainda um outro ponto marcante - talvez até o mais marcante em todo o livro. É que, crescendo em tempos de convulsão e de mudança, Manoel vive a mudança de regime, de percepções e de (algumas) mentalidades. E, do seu caminho, é possível retirar muitos pensamentos pertinentes - sobre influências, sobre razão e emotividade, sobre os diferentes papéis dos homens na máquina do mundo, sobre a vida e a liberdade, em suma. Claro que nem tudo é simples. Nada é simples, aliás, e ficam, muitas vezes, sentimentos ambíguos sobre escolhas e comportamentos. Ainda assim, também isso contribui para tornar a jornada mais realista - pois, num mundo tão complicado, dificilmente se encontra alguém absolutamente bom. 
Tudo somado,fica a impressão de uma leitura feita de estranheza e de mistério, em que a verdade se esconde nas pequenas coisas e tudo parece ser relativo consoante os olhos de quem observa. Cativante e surpreendente, na forma como no conteúdo, um livro que pode exigir algum tempo... mas que merece todos os minutos.

Título: As Falsas Memórias de Manoel Luz
Autora: Marlene Ferraz
Origem: Recebido para crítica