sexta-feira, 30 de novembro de 2012

O Funeral da Nossa Mãe (Célia Correia Loureiro)

Carolina é uma mulher com muitas sombras no passado. É por isso que, antes de pôr fim à vida, decide deixar às três filhas uma carta com as suas últimas vontades. Desejos que são, na verdade, invulgares. Após a sua morte, Carolina deseja que as filhas, vindas à terra para o seu funeral, fiquem por lá até ao fim das festividades - e que participem. Mas, para Inês, Luísa e Cecília, tão diferentes em temperamento como em modo de vida, esse regresso às raízes será mais que uma concessão às vontades da mãe. Será também uma viagem aos mistérios do passado, ao da mãe e também ao delas, numa viagem nem sempre agradável, mas reveladora.
Centrado, em grande medida, nas relações e afectos familiares, mas também no amor e nas muitas barreiras e escolhas que definem o seu caminho, este é um livro que tem nas emoções um dos seus grandes pontos fortes. Tanto nas personagens como na sua história, as tensões e revelações marcam pelo impacto emocional que exercem, nas personagens e no leitor. O resultado é uma história rica em momentos intensos e situações marcantes, quer no grande mistério em torno do passado de Carolina, quer nas histórias e afectos pessoais das suas filhas.
O outro ponto forte é a capacidade de prolongar o mistério, surpreendendo a cada nova revelação. Ao ser desenvolvida de forma gradual, por entre os momentos respeitantes ao funeral e as memórias de cada uma das filhas, a história de Carolina permite uma certa medida de especulação, que, por todas as possibilidades levantadas, confere maior impacto quando a verdade é revelada. Além disso, esse mistério maior complementa-se com ligações mais discretas, mas igualmente relevantes, expandindo a história em complexidade e em força.
Quase todas as personagens mais relevantes apresentam alguns traços de carácter bastante vincados, resultantes essencialmente do passado, mas também com relações à natureza intrínseca de cada uma. Há, ainda assim, possibilidades de mudança com o desencadear das revelações, e uma complexidade de carácter que, ao revelar o melhor e o pior em diferentes circunstâncias, permite mostrar a falibilidade das personagens e, ao mesmo tempo, as suas características mais empáticas.
Há, ao longo de todo o livro, uma componente descritiva considerável, principalmente a nível de ambientes e de ideologias, o que torna o ritmo de leitura um pouco mais pausado. Ainda assim, a envolvência nunca se perde, já que a escrita cativante, a aura de mistério em torno de certos acontecimentos e os momentos de maior impacto contribuem para manter a curiosidade em saber mais. Disto resulta uma leitura que, não sendo compulsiva, nunca deixa de ser cativante, e que surpreende pela força das emoções que evoca.
Mistério e emoção nas medidas certas são, pois, o que mais marca nesta história de afectos e segredos familiares, com vários momentos intensos a servir de base a um retrato complexo e equilibrado do amor nas suas mais diferentes formas. Envolvente e surpreendente... Muito bom.

Novidades Babel


"Em paralelo com a edição das Obras Completas de Jorge de Sena, surge agora uma colecção dedicada à sua vasta e diversa Correspondência, cuja publicação é fulcral para o entendimento da sua obra, e da obra dos seus correspondentes, bem como para o conhecimento da vida cultural portuguesa da segunda metade do século XX. E não podia ser inaugurada da melhor forma, com a inteligência e o afecto de dois poetas: António Ramos Rosa e Jorge de Sena." - in Nota Editorial (Jorge Fazenda Lourenço).

Jorge de Sena nasceu em Lisboa, a 2 de Novembro de 1919 e faleceu em Santa Barbara, Califórnia, a 4 de Junho de 1978. Poeta, ficcionista, dramaturgo, ensaísta, crítico literário, teatral e de cinema, historiador da cultura, tradutor e cidadão do mundo, é uma das figuras centrais da nossa cultura e da literatura do século XX. A obra de Jorge de Sena é monumental em volume, em variedade e, frequentemente, de qualidade excepcional. António Ramos Rosa recebeu numerosos prémios nacionais e estrangeiros, entre os quais o Prémio Pessoa, em 1988. É geralmente tido como um dos grandes poetas portugueses contemporâneos. Um dos mais fecundos poetas portugueses da contemporaneidade, a sua produção reflecte uma evolução do subjectivismo, em relação à objectividade.

«Eu vivi em muitos lugares, e de um deles tenho a ideia estranha de que lá vivi por necessidade da minha iniciação no fantástico. Era uma terra perdida, ao norte de Bagunte, nome já por si cancioneiro e razoável de eficácia romântica. A casa em ruínas, com uma nogueira centenária no pátio interior, favorecia os improvisos da imaginação.» - escreveu Agustina em 1966. E, na verdade, quer a casa em ruínas, quer os lugares circundantes da «Cividade», foram descritos em diversos textos: no conto inédito «Colar de Flores Bravias» (1947), nos romances «Homens e Mulheres» (1966), e «Antes do Degelo» (2004), na história infantil «O Soldado Romano» (2003) e, como unidade temática, nesta «Cividade» (1951).

Nasceu em Vila Meã, Amarante, a 15 de Outubro de 1922. Filha de um empresário de cinemas e casinos, cedo se deixou viciar pelo romance, iluminada roleta dos comportamentos humanos. Foi com o profético título «A Sibila» que publicou em 1954 que veio a ser reconhecida ao público em geral ao receber o Prémio Delfim Guimarães e o Prémio Eça de Queiroz. Vários dos seus romances foram adaptados ao cinema por Manoel de Oliveira. Foi, durante a sua vida, homenageada em múltiplos países e universidades, condecorada por Portugal e pela França e traduzida em várias línguas. Já foi distinguida por todos os prémios nacionais de literatura e vários internacionais. Recebeu o Prémio Camões em 2004.

A imagem evocada, o lirismo como substrato, um livro de poemas de um jovem autor já reconhecido pelos pares como o confirmam os prémios que venceu até ao momento.

Luís Felício (Tavira, 1982) reside e estuda em Paris. Foi seleccionado no Concurso Jovens Criadores '08, '09 e '10, e integrou as colectâneas Jovens Escritores. Recebeu vários prémios nacionais de poesia, entre os quais o Prémio Edmundo Bettencourt Cidade do Funchal e o Prémio Literário Cidade de Almada. Publicou as obras «Assim também um corpo» (Livro do dia, 2012) e «O Som e a Casa (Artefacto, 2010). Publicou poemas em várias revistas literárias. Co-edita a revista «crase»

Esta obra é uma reflexão sobre a forma como a história da arte tem vindo a estudar a prática artística feminina, sobretudo na Europa, do século XVI ao século XX. Nesse sentido, é também uma história da história da arte, uma história de como a arte produzida por mulheres foi, durante tanto tempo, ignorada e desvalorizada, ou seja, uma arte sem história. E como, nas últimas décadas, na sequência das abordagens femininas, passou a ser, também, uma arte com história.

Filipa Lowndes Vicente (Lisboa, 1972), historiadora, é investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Doutorou-se na Universidade de Londres em 2000 com uma tese que deu origem ao livro «Viagens e Exposições: D. Pedro V na Europa do Século XIX» (prémio Victor de Sá 2004). Do seu trabalho mais recente sobre conhecimento e cultura em contexto colonial na Índia do século XIX, resultaram vários artigos e o livro «Outros Orientalismos: a Índia entre Florença e Bombaim (1860-1900)», publicado em 2009.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

The Voice (Anne Bishop)

Na aldeia de Nalah, fugir à tristeza parece ser fácil: basta visitar a rapariga muda a quem chamam A Voz e oferecer-lhe um bolo. A Voz sorri-lhes, come o bolo oferecido e todos saem da sua sala de visitas a sentir-se melhor. Mas há um mistério - e algo de magia - na razão para que A Voz tenha esse poder, ainda que ninguém o questione. Ninguém, excepto Nalah, que, no dia em que vê as cicatrizes que desfiguram a orfã, começa a perguntar-se sobre o que lhe terá acontecido para se tornar quem é. Basta um conflito com alguns rapazes, um vislumbre da pela marcada, e todas as percepções do mundo mudam. Nalah começa a questionar a forma de vida na sua aldeia e os comportamentos cruéis dos seus conterrâneos. E, depois de uma viagem reveladora, começa também a engendrar um plano.
Uma das muitas características que tornam fascinantes as histórias de Anne Bishop é a sua capacidade de conjugar comportamentos e circunstâncias contraditórias para criar momentos de forte impacto emocional. Diferentes formas de vida e posições perante os outros criam contrastes e choques, num impressionante equilíbrio entre os inocentes e os cruéis, os corajosos e os indiferentes. Nenhum carácter é exactamente a preto e branco, mas os contrastes são vincados, em parte devido à implementação de uma forma de pensar "adequada" que se revela pelo que é - uma imposição - depois de se conhecer a alternativa. Todo o percurso de Nalah é um exemplo disso mesmo, do crescimento desde a aceitação das regras da aldeia à necessidade de agir, tanto quanto possível, para mudar o que conseguir ou para salvar os que puder. E é esse seu percurso, pautado pela emoção e por uma percepção cada vez mais lúcida das circunstâncias, que confere à sua história a imensa intensidade que, em cada momento, se revela.
As personagens não são apenas complexas na sua diversidade de atitudes e formas de pensar. São também profundamente humanas. Também isto se reflecte, principalmente, na protagonista e na forma como opõe um espírito combativo aos perigos circundantes e até às suas dúvidas e mágoas interiores, mas também nalgumas das figuras que a acompanham na sua jornada. O secretismo de Tahnee, que esconde o seu próprio plano, as marcas deixadas em Kobrah pelo tormento imposto pelo marido e a impotência da própria Voz reflectem também a capacidade de sentir intensamente as tristezas e as provações - e é essa capacidade que as torna tão empáticas e tão marcantes.
Ainda sobre as personagens, importa referir a forma como representam o choque de mentalidades, visível não apenas pelas diferenças entre a aldeia e o exterior, mas também pela reacção das figuras importantes da aldeia a qualquer comportamento divergente. Levantam-se assim, ainda que de forma relativamente discreta, várias questões interessantes relativamente à necessidade de um pensamento próprio e de questionar, por vezes, as ideias impostas.
De referir, por último, que, ainda que esta história esteja relacionada com o mundo de Ephemera, abordado em outros livros da autora, não é necessário grande conhecimento prévio do mundo e da história para compreender os acontecimentos. Apresenta, aliás, um lado algo diferente desse mundo, abrindo portas para novas e interessantes possibilidades.
Cativante desde a primeira frase, com uma escrita sempre fluída e harmoniosa e uma história feita de momentos intensos e personagens empáticas, The Voice fica na memória por tantas e tão fortes razões que a impressão global dificilmente poderia ser melhor. Breve, mas impressionante em todos os aspectos, uma história belíssima.

Regresso de Sherlock Holmes I (Sir Arthur Conan Doyle)

À medida que as suas capacidades dedutivas se foram tornando famosas, o detective de Baker Street foi sendo procurado por mais gente e de maior importância, havendo alturas em que se viria a encontrar sobrecarregado de casos a resolver. É numa época assim, atribulada, que se situam os três contos deste livro. Talvez por isso sejam também dos seus casos mais invulgares.
A Ciclista Solitária narra o caso de uma mulher que se sente perseguida ao longo de um trajecto que deve fazer todas as semanas, e da intriga que a levou àquela posição. Intrigante e envolvente, este conto cativa também pelos pequenos e inesperados momentos de descontracção de Sherlock, breves detalhes que o tornam mais humano. Quanto ao caso em si, tem de mais interessante o facto de começar por parecer essencialmente bizarro, evoluindo depois para uma situação bem mais complicada e perigosa, que culmina num final intenso e surpreendente.
A Escola do Priorado conta como o herdeiro de um duque desaparece de uma escola de prestígio. Com um início caricato, trata-se também de uma história intrigante, ainda que alguns momentos mais descritivos imponham ao enredo um ritmo mais pausado. Cativante e bem construído, trata-se de mais um caso de difícil resolução, que se encerra também de forma surpreendente.
Por último, Pedro Negro narra a investigação da morte de um indivíduo de reputação execrável. Também bastante descritivo e de ritmo lento, trata-se, ainda assim, de um caso interessante, quer pela aparente complexidade da sua resolução, quer pela conclusão criativa e pela forma como o assassinado se distancia do normal perfil de vítima.
Peculiares e complexos, com várias situações inesperadas e resoluções surpreendentes, estes três contos apresentam alguns dos mais interessantes casos da história de Sherlock Holmes. Pelo inesperado das situações narradas, mas também pela envolvência da escrita e pelo que acrescentam à caracterização dos seus protagonistas, a impressão que fica deste pequeno livro é, portanto, a melhor. Recomendo.

Novidade Clube do Autor


Francisca tem quarenta e dois anos, três filhos e um casamento com o seu primeiro amor. Mas a sua vida aparentemente feliz encontra sombras do passado e um presente sem as luzes que sonhara para si.
A vida desta mulher cruza-se com a saga de duas famílias unidas pelo passado e divididas por um presente armadilhado por desejos de vingança e revelações esmagadoras. Entretanto, a chegada de uma carta inesperada denuncia um segredo e muda o destino de Francisca. Mas será que ainda acreditamos em finais felizes?

"Nunca como hoje foi tão urgente retomarmos essa fantástica capacidade de voltar a sonhar. Um romance é isso mesmo. Páginas que nos levam a levantar voo, que nos transportam para um mundo que podia ser. Também nós merecemos essa frase mágica “Era uma vez.” Também nós temos direito a acreditar em finais felizes.
E este romance é isso mesmo. Um óasis do que podia ser, do que podia acontecer, algo para nos aconchegar a alma e nos fortalecer estes tempos de compasso de espera. O tempo que medeia entre o hoje e aquilo a que temos direito."

Luísa Castel-Branco nasceu em Lisboa em 1954. A sua vida esteve desde sempre ligada à comunicação, primeiro na imprensa onde colaborou com o Semanário e mais tarde com a Máxima, e depois na televisão onde apresentou vários programas de sucesso como «Dinheiro à Vista» (TVI) e «O Elo Mais Fraco» (RTP1). Na SIC, apresentou «Vícios e Virtudes» e participou ainda em «Eles por Elas».

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Parábola do Cágado Velho (Pepetela)

Depois de tantos conflitos, o kimbo parece ter finalmente alcançado a paz. Mas não por muito tempo. Não tarda a que chegue gente de fora, para falar com os jovens de uma cidade cheia de promessas e de uma luta que é necessária para conquistar a verdadeira paz. Cedo os jovens da terra se deixam encantar pelas palavras e não tardam a partir para se juntar a um dos lados do conflito. E, pouco depois, começam a aparecer os soldados. Primeiro vêm pedir comida, depois exigem, depois matam e destroem ao mínimo sinal de oposição. E é assim que as gentes do kimbo, que nem sabem ao certo quem é o inimigo ou quem devem apoiar, se vêem ante a perda de tudo o que possuem, uma e outra vez. Assim Vivem também Ulume e a Muari, com um filho em cada lado do conflito e apenas a decisão de tentar viver o melhor possível como guia.
Tendo as impressões e recordações de Ulume como foco central, é natural que o primeiro impacto deste livro seja o de uma certa estranheza, já que os primeiros capítulos partem de um ponto em que o protagonista contempla o que aconteceu e, em certa medida, as mudanças que o conduziram até ali. Isto gera alguma confusão, já que estas divagações ocorrem quando a história e as personagens são, ainda, pouco familiares, dificultando um pouco a compreensão de algumas referências.
Ultrapassada esta fase mais dispersa, e uma vez assimilado o ritmo da linha narrativa, a história torna-se muito cativante. A vivência de Ulume com a sua família, as perdas vividas e a tentativa de responder a um amor criado por supostos presságios, bem como a sua muito peculiar percepção da guerra, servem de base a uma história com tanto de inesperado como de emotivo, dando forma a momentos de grande impacto emocional.
Para esta força emotiva contribui também o equilíbrio entre a história pessoal e a perspectiva global. É que o percurso de Ulume e da sua família, rico e cativante por si só, representa também o de muitos como eles, gente arrastada para os meandros da guerra, forçada a renunciar a quase tudo sem compreender sequer em que consiste essa guerra. Dessa ignorância resulta o grande impacto das circunstâncias de gente perdida e lugares destruídos sem outra razão que não os interesses de outros, de inocentes sacrificados no altar do conflito. Ulume e os seus representam na perfeição esse sacrifício, ao mesmo tempo que as suas escolhas individuais os tornam mais que simples imagens, mas figuras humanas completas. Aí reside o seu carisma e o fascínio da história: as personagens, no que são e no que representam, na conjugação mais adequada.
Trata-se, pois, de uma história que, apesar de um início um pouco disperso, cedo revela os seus muitos pontos fortes. Envolvente, emocionalmente intenso e com uma história individual forte a servir de base para uma reflexão sobre as consequências e as vítimas da guerra, vale bem a pena ler este livro.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Cidade Proibida (Eduardo Pitta)

Martim faz parte de uma família privilegiada. Formou-se nas melhores condições e tem um bom emprego na empresa do padrinho. O ambiente em que vive é o da elite, com todo o snobismo e desinteresse a ele associado. Mas, apesar de uma vida em conformidade com as aparências, nem tudo é perfeito. A casa e a vida são partilhadas com Rupert, e o seu companheiro não se sente confortável com as regras do mundo em que tem de se envolver. A relação entre ambos complica-se e, à medida que as pequenas grandes memórias do passado se cruzam com as tensões do presente, a relação afigura-se cada vez mais como condenada ao fracasso. Tal como muitos dos contactos da vida de ambos.
Ainda que as figuras centrais desta história sejam Martim e Rupert, há muitas mais histórias e memórias pessoais a serem apresentadas. Este é um dos aspectos que primeiro surpreende, pela quantidade de histórias pessoais que se cruzam num livro que é, afinal, relativamente breve. Todos têm uma ligação mais ou menos próxima aos protagonistas, mas têm também uma vida antes e/ou depois dessa ligação. O resultado é um entrecruzar de passados, expostos de forma relativamente sucinta, mas permitindo uma visão bastante clara de cada personagem.
A estas muitas histórias cruzadas junta-se também um breve olhar sobre os grandes momentos do passado global, também eles abordados de forma sucinta e discreta, mas contribuindo para uma contextualização mais completa do ambiente em que decorrem as vidas das personagens. Há, portanto, toda uma base de caracterização a tornar fácil a percepção dos ambientes e das personagens que os habitam, bem como dos preconceitos e das mudanças de mentalidade. Fica, aliás, desses tantos passados expostos, a ideia de que mais poderia ter sido desenvolvido sobre as personagens que os protagonizam.
Apesar desta multiplicidade de histórias e de figuras a caracterizar, a componente descritiva não é particularmente extensa. Tudo é apresentado de forma breve e directa, quer a nível de descrição, quer no desenvolvimento dos acontecimentos. Não há, assim, grandes momentos parados, o que mantém a envolvência da leitura.
De referir, por último, o que parece ser o tema central de todas as histórias que se cruzam neste livro: o preconceito, não apenas relativamente à orientação sexual, mas também à fortuna e à posição social. É, aliás, este último que acaba por ditar a evolução da relação entre os protagonistas e acaba por ter a mesma relevância que as questões relativas à homossexualidade.
Trata-se, portanto, de um livro que, apesar de relativamente breve, aborda uma série de questões relevantes, num entrecruzar de histórias e de personagens que cativam tanto pela sua individualidade como pela ideia global que representam. Podiam, talvez, ter sido mais aprofundadas algumas situações ao longo do enredo. Ainda assim, tudo o que é essencial está lá, neste livro aparentemente simples, mas surpreendente em muitos aspectos. Gostei.

Novidade Casa das Letras


Em 1762, o czar Pedro III é alvo de uma conspiração, acabando por morrer. A sua mulher, Catarina, sucede-lhe como imperatriz tornando-se, aos trinta e três anos, «Sua Majestade, Catarina II, imperatriz única e soberana de todas as Rússias».
 O seu reinado revitalizou a Rússia, transformando-a numa das maiores potências europeias. Os seus sucessos dentro da complexa política externa são sobejamente conhecidos assim como as represálias, por vezes violentas, aos movimentos revolucionários. Conferiu maior poder à nobreza e aos senhores da terra, constituindo o seu reinado o ponto alto da aristocracia russa. Poucas mulheres geraram tanta controvérsia em redor de si como Catarina, a Grande. Inteligente, culta, autoritária, sagaz, apaixonada, grande estratega e envolta em todos os tipos de conspirações da corte, a imperatriz que governou a Rússia com punho de ferro é, sem dúvida, um dos principais intervenientes na agitação política do século XVIII, que mudou a História do Mundo.
Esta emocionante narrativa, que não deixa de fora o rigor histórico, revela as vivências e a intriga palaciana e pessoal da grande imperatriz, a sua peculiar e intensa vida sexual, os seus medos, as suas deficiências e os seus fracassos.

 Silvia Miguens nasceu em Buenos Aires, Argentina. Conferencista em várias universidades da América do Sul, tornou-se especialista num tema que a apaixona: a ligação entre a História e a ficção e em particular o papel da mulher na História.
 A sua primeira narrativa, PollerapantalómI, foi finalista do prémio Emecé. Seguiu-se Lupe, vencedora do prémio Ricardo Rojas. Mais recentemente publicou Anita Gorostiaga, uma mujer entre dos fuegos (2004) e Ana y el Virrey (2006), alvo das melhores críticas literárias e um grande sucesso de vendas.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A Magia das Estrelas (Tom Bullough)

Konstantin é um rapaz cheio de sonhos, com muitas ideias na cabeça e uma imaginação inesgotável. Sonha com as estrelas e com o que há para lá da terra e, assim, encontra um refúgio para os problemas da vida no seu tempo e no seu lugar. Mas as dificuldades começam quando uma longa luta contra a escarlatina o deixa surdo. Então, os sonhos e o fascínio pelo céu tornam-se também a porta para o seu crescimento e para uma aprendizagem que, cheia de tribulações e dificuldades, o leva também a pensar e a imaginar mais - e a olhar para o espaço como destino e local de descoberta.
O mais interessante neste livro é que, apesar das suas ideias sobre as viagens espaciais e do seu consequente papel na História, a aventura de Konstantin é apresentada do ponto de vista pessoal e individual. As suas ideias e experiências não são descuradas, havendo um bom desenvolvimento tanto na exposição das ideias como na sua possível aplicação, mas não são o centro da história. O essencial diz respeito a Konstantin, criança e depois homem, e à sua história pessoal, percurso de aprendizagem e crescimento individual, com todas as emoções e desilusões associadas.
Toda a narrativa é centrada na história de Konstantin. Isto implica que, a cada mudança de cenário ou de meio social, as pessoas com quem ele interage - família, amigos, alunos... - vão surgindo e desaparecendo, com o passar do tempo. É natural, por isso, que fiquem algumas perguntas sem resposta, principalmente no que respeita a personagens que, com o tempo, deixaram de surgir. Mas há também, para estas mudanças, um efeito interessante, já que as perdas de contacto e as histórias incompletas fazem parte da vida de cada um e a de Konstantin não é, nesse aspecto, diferente. Disto resulta uma maior proximidade ao protagonista, já que tudo - as experiências vividas, as pessoas conhecidas e perdidas, as descobertas e as desilusões - diz respeito, de uma forma ou outra, a Konstantin, sendo a sua história o centro do universo deste livro.
Apesar de alguns momentos mais descritivos, principalmente na exposição das ideias e experiências de Konstantin, quase toda a caracterização é feita de forma gradual, muitas vezes a partir das percepções do protagonista. Também isto contribui para a envolvência do livro e, principalmente, para a criação de um sentimento de empatia, já que os momentos de emoção e as muitas situações delicadas vividas por Konstantin conferem ao seu percurso uma maior força.
Trata-se, portanto, de um livro que cruza conhecimento e emoção, numa história em que o percurso do protagonista marca não só pelas conquistas, mas também pelas tentativas e fracassos que lhe moldam a personalidade. O resultado é uma leitura envolvente, mesmo nos momentos mais pausados, e com grandes momentos de emoção. Um bom livro, em suma.

O Hobbit - Nova edição


"Esta é a história da aventura de um Baggins, que deu consigo a fazer e a dizer coisas completamente impensáveis…"

Bilbo Baggins é um hobbit que desfruta de uma vida confortável e sem qualquer ambição. Ele raramente se aventura em viagens, não indo mais longe do que até à dispensa de sua casa, no Fundo do Saco. Mas este conforto será perturbado por Gandalf, o feiticeiro, e por um grupo de treze anões, que num belo dia chegam para o levar numa viagem «de ida e volta». Eles têm um plano para pilhar o espantoso tesouro de Smaug, o Magnífico, um dragão enorme e extremamente perigoso.
Encontros inesperados com elfos, gnomos e aranhas gigantes, um dragão que fala, e ainda a presença involuntária na Batalha dos Cinco Exércitos, são apenas algumas das experiências por que Bilbo passará.

O Hobbit é o prelúdio de O Senhor dos Anéis e já vendeu milhões de cópias desde a sua publicação, em 1937. É claramente um dos livros mais amados e influentes do século XX.

«Uma obra-prima incomparável», -- The Times

domingo, 25 de novembro de 2012

O Corsário dos Sete Mares (Deana Barroqueiro)

Rica em aventuras e infortúnios, a viagem de Fernão Mendes Pinto foi muitas vezes classificada de fantasiosa, por ser essa a forma mais fácil explicar um percurso tão vasto e tão cheio de peripécias. Esta é a história da sua jornada, contada por outra voz, acrescentando ao percurso pessoal das aventuras de Fernão uma visão mais completa do período em que terá decorrido. Mercador e emissário, cativo e combatente, Fernão terá vivido as mais diferentes circunstâncias e nos mais diferentes lugares do mundo. Terá também sido espectador - e, por vezes, participante - de grandes acontecimentos do período das descobertas. O que viu e o que viveu - e as tribulações em que se encontrou - são o centro desta longa narrativa.
Basta ler as primeiras páginas para compreender que dificilmente este livro será de leitura compulsiva. As razões são várias. Os muitos termos invulgares e o vasto número de lugares e personalidades apresentam, desde logo, uma considerável série de pormenores a assimilar, o que, aliado a uma forte componente descritiva, confere à leitura um ritmo pausado. Há, além disso, muitas histórias que se cruzam, algumas dizendo directamente respeito a Fernão, outras em que o protagonista é, essencialmente, um espectador, bem como alguns avanços e recuos temporais. O resultado é uma leitura que exige atenção constante, para não perder de vista nenhum dos muitos detalhes relevantes ou das muitas mudanças de ambiente ao longo da jornada de Fernão.
Dito isto, há também muito de interessante para descobrir neste livro e se parte da envolvência se perde com as longas descrições e os muitos cruzamentos de lugares e personagens, esta perda é compensada em conhecimento apresentado. Ainda que o protagonista seja Fernão Mendes Pinto, a história é muito maior que a do seu percurso pessoal e a caracterização detalhada dos lugares onde se encontra - com todos os pormenores culturais e os conflitos a decorrer - transmite ao leitor uma visão completa e muito interessante de algumas partes da rica história dos Descobrimentos.
Dividido em sete partes, correspondentes aos tais sete mares, este livro apresenta também um muito detalhado retrato das diferenças culturais - e de alguns costumes bizarros - entre os diferentes lugares visitados pelo protagonista. As diferenças são muitas, e mais evidentes nos livros mais longos, que, coincidindo com aqueles em que a história respeita mais directamente a Fernão, são também os mais cativantes, quer por envolverem de forma mais próxima as personagens, quer ainda pela caracterização mais completa que se complementa por alguns momentos particularmente fortes.
Longe de ser uma leitura leve ou compulsiva, O Corsário dos Sete Mares tem na caracterização cuidada e completa da época dos Descobrimentos - e na forma como as viagens de Fernão lhe servem de base - o seu grande ponto forte. Trata-se, pois, e apesar do ritmo pausado e dos momentos mais parados, de um livro com muito para ensinar. Muito interessante.

Contos Guerra

Histórias de tempos de guerra, mas mais de conflitos pessoais que propriamente entre exércitos, definem os dois contos deste pequeno livro. De autores igualmente conhecidos, mas muito diferentes tanto em estilo de escrita como na abordagem ao tema, também as duas histórias se diferenciam pela forma como os seus protagonistas e narradores vivem e observam os acontecimentos. A guerra é o cenário, mas não define o enredo essencial, já que esse diz respeito à história individual das personagens. É essa história individual o mais importante.
O primeiro conto é também o melhor dos dois. O Tiro, de Aleksandr Pushkin, trata de um homem de perícia invulgar e da sua recusa em participar num duelo. De ritmo pausado, com bastante descrição, trata-se, ainda assim, de uma leitura envolvente, intrigante pelo mistério criado em torno dos motivos e do passado do protagonista. Marca também pelos momentos de grande intensidade e pelo tom enigmático que contribuem para o grande impacto do final.
Bem diferente é A Corte a Dinah Shadd, de Rudyard Kipling, onde planos e manobras de batalha dão ao conto um ritmo lento, em que a componente descritiva parece, por vezes, excessiva. Denso e confuso, demora demasiado a alcançar o essencial da história, já que a linha essencial do enredo se revela já numa fase bastante avançada, deixando por explicar algumas questões relevantes. Tem os seus momentos interessantes, é certo, mas fica a ideia de um conto pouco cativante, ainda que bem escrito.
Terminada a leitura, ficam sentimentos ambíguos, pela grande diferença que separa os dois contos, não apenas nos estilos de escrita, mas principalmente na envolvência do enredo. Fica, ainda assim, e apesar de um segundo conto aquém das expectativas, a ideia de uma leitura que valeu a pena, principalmente devido ao primeiro conto.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

La Alargada Sombra del Amor (Mathias Malzieu)

Mathias acaba de perder a mãe e não sabe como lidar com a dor. Mas, enquanto espera pela família, surge uma ajuda inesperada, na forma de um estranho gigante que, com todo o seu conhecimento sobre o mundo dos mortos, presta auxílio aos corações enlutados tratando-os com fragmentos da sua sombra. Começa assim a luta de Mathias contra o pesar, enquanto, na companhia da sua sombra emprestada e de Jack, o seu verdadeiro dono, aprende a lidar com as memórias mais preciosas e a resistir à tentação de atravessar a porta das sombras para o outro mundo, para que possa ver a mãe mais uma vez.
O equilíbrio perfeito entre ternura e estranheza. É essa a grande razão que torna tão marcante esta pequena história. Estranheza devido aos vários elementos surreais que ganham forma através da tristeza do protagonista e ternura no afecto inocente e ilimitado na base dessa mesma tristeza. Tudo desenvolvido nas medidas certas, com as situações peculiares - como a presença de Jack, a maleabilidade da sombra ou a peculiar caracterização do mundo dos mortos - a complementar uma história que é, no fundo, bastante pessoal e, ao mesmo tempo, muito fácil de entender. 
Com todos os elementos improváveis que a história tem, o essencial é, apesar de tudo, muito simples: é de perda que fala esta história, da partida de alguém que inspira afecto e cuja ausência é necessário assimilar. E, porque é, afinal, o luto a figura representada por todas as sombras e medo, também a saudade é um elemento essencial nesta história. Saudade que, como tudo o resto neste livro, se faz representar por actos de uma certa estranheza, mas que, tendo em conta o contexto, são também muito fáceis de entender. Na verdade, são esses momentos estranhos - a noite no cemitério, o impulso para voar, a forma como a sombra se ajusta àquele que a usa - os mais comoventes, quer porque representam a perda de forma muito mais intensa que quaisquer simples palavras, quer porque reflectem na perfeição a posição do protagonista perante a sua dor.
Mas nem tudo é tristeza nesta história, muito pelo contrário. E é aqui que o papel de Jack mais se destaca, com todas as suas peculiaridades a despertar leves momentos de humor, a mostrar que, mesmo no luto, a vida continua e que há mais, no mundo lá fora, razões para sorrir. Também isto contribui para uma melhor representação da assimilação da perda enquanto processo gradual. Toda a dor e toda a mágoa estão presentes e são inevitáveis, mas há mais que isso no luto: há a vida e as memórias. No fundo, a vida continua sempre, e é essa a grande mensagem deste livro.
Simples na escrita e simples no enredo, esta é, contudo, uma história sobre coisas complexas. E é, talvez, a forma inocente e enternecedora - e, sim, também um pouco peculiar - como as complexidades da perda e da morte se reflectem nesta história tão simples o que a torna tão cativante e comovente. É, seguramente, isso que faz com que fique na memória.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Cinder (Marissa Meyer)

Enquanto cyborg, Cinder está habituada a ter de satisfazer todas as vontades da madrasta, já que foi a essa mulher que foi entregue a sua tutoria e, como tal, a ela cabem todas as decisões. Mas a sua vida começa a mudar no momento em que o príncipe Kai visita a sua oficina para lhe pedir que repare um andróide. Cinder está longe de o imaginar, mas nesse gesto reside o primeiro passo para uma grande descoberta. É que Cinder não é apenas cyborg e, quando a madrasta a entrega como voluntária para os testes do antídoto contra a peste, isso tornar-se-á evidente. Há algo de especial nos seus genes. E é mais que uma pista para a cura da letumosis. Pode ser um princípio de mudança numa situação política complicada em que a guerra entre a Terra e Luna parece estar iminente. 
Sendo uma recriação do conto da Cinderela, há coisas que não podiam faltar nesta história. A primeira é, desde logo, uma protagonista oprimida pela madrasta. As outras são um príncipe e um baile. São essencialmente estes os elementos comuns ao conto original. Tudo o resto é bastante diferente e, nas suas particularidades, muito interessante.
A acção decorre algures no futuro, no cenário de um mundo unificado em grandes comunidades, na sequência de um conflito a grande escala. Não surpreende, portanto, a variedade de elementos tecnológicos a surgir ao longo do enredo. Mais surpreendentes são as capacidades de aparência quase mágica que diferenciam os lunares e a forma como estes dons influenciam o regime vigente. A forma como estes definem o papel da rainha lunar é, aliás, bastante interessante, na medida em que põe em perspectiva as diferenças dos diferentes regimes, criando uma certa tensão entre os poderes em conflito. Tensão esta que confere intensidade aos grandes momentos da história, ao mesmo tempo que a torna um pouco mais vasta, já que as decisões a tomar se revestem de um impacto maior que o exercido sobre os protagonistas.
Há, portanto, uma história global bastante cativante como base para os acontecimentos deste livro, e uma história que não se resume às suas figuras centrais. Mas é de Cinder e Kai - ainda que não apenas deles - que vive uma boa parte desta história e é aqui que surge o lado mais pessoal e emotivo do enredo. Apesar dos muitos pontos de interesse do sistema geral, é o papel desempenhado pelos protagonistas que, com todas as experiências intensas e momentos marcantes por eles vividos, confere ao enredo o seu ritmo viciante. Cinder, alvo de um certo preconceito social e do desprezo da madrasta, desperta empatia pela personalidade forte - mas humana nos seus momentos de vulnerabilidade - que opõe às dificuldades que tem de enfrentar. Kai cativa pela mesma conjugação de força e vulnerabilidade aplicada a um cenário de tensão e intriga onde o preço de uma decisão pessoal pode ser demasiado elevado. Entre ambos, há romance e fascínio, mas de forma gradual, bem enquadrada no restante da história e no contexto de todas as barreiras que os separam.
De tudo isto resulta uma história cativante, com personagens carismáticas e vários momentos fortes, num sistema com muito potencial e muitas possibilidades ainda por explorar. Fica, naturalmente, a curiosidade em saber o que virá nos próximos volumes. Até lá, fica a melhor das impressões deste primeiro livro muito, muito bom.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Celtika (Robert Holdstock)

Dava pelo nome de Antíoco quando acompanhou Jasão na busca do Velo de Ouro e assistiu à grande tragédia da vida do herói. Séculos depois, retoma o diminutivo que sempre foi o mais querido dos seus muitos nomes e é como Merlim que se dirige ao Lago que Grita, para dele arrancar o espírito do amigo a quem deseja anunciar que os filhos - aqueles que chorou durante setecentos anos - estão afinal vivos. Começa assim uma nova demanda para Jasão e para os seus argonautas. E, mais uma vez, Merlim acompanha-os. Mas nem só os filhos de Jasão sobreviveram à passagem do tempo que os manteve vivos, tão vivos como o próprio Merlim. A mesma mãe que fingiu as mortes dos seus filhos observa e fará de tudo para impedir que eles sejam encontrados.
Muito antes de Artur, e muito antes do suposto auge do poder do seu feiticeiro, O Merlim apresentado neste livro afasta-se em muito da ideia de um conselheiro sábio. Para começar, porque, apesar dos séculos, surge na plenitude de uma juventude conservada pelo seu poder. Além disso, Merlim está longe de ser um poço de virtudes: a mesma sensatez que o leva a racionar o seu uso do poder guia-o, por vezes, a actos egoístas e o excesso de confiança coloca-o, em vários momentos, numa situação delicada ante os seus companheiros. As suas falhas são, aliás, a base num dos acontecimentos mais intensos da fase final do livro, já que a sua falibilidade toma interpretações mais sombrias devido a um certo excesso de secretismo.
Todas estas características revelam um protagonista menos que perfeito. Ainda assim, as suas falhas e indecisões acabam por conferir uma faceta mais humana, tornando mais empática a sua natureza de imortal. As suas capacidades são vastas, mas os traços de personalidade são fundamentalmente humanos, o que, aliado ao tom algo introspectivo com que conta a sua história, cria para Merlim uma imagem mais próxima, mais fácil de entender.
Apesar do seu protagonista, esta história pouco tem de relativo ao mito arturiano (ainda que as ligações ao futuro sejam, de facto, referidas). Este é, de facto, um dos aspectos mais interessantes do livro já que, para além de um Merlim diferente, mais jovem e um pouco mais egoísta, também a história se cruza com a de uma lenda diferente. O cruzamento entre os elementos celtas e a lenda dos argonautas serve de base a uma história que reúne o melhor dos dois mundos, juntando deuses, povos e tempos diferentes numa aventura que, rica em magia e acção, vive também das sombras e demónios das suas personagens.
Várias perguntas ficam sem resposta, ou não fosse este livro apenas o início. Há, ainda assim, muito a ser revelado, quer sobre as personagens e o que as faz avançar, quer sobre o mundo em que se movem - e os poderes que nele se agitam. O resultado é uma história cheia de mistérios, com vários momentos intensos e muitos enigmas para resolver, quer na busca essencial de Jasão, quer nos mistérios do passado do próprio Merlim.
Envolvente, com um mundo rico e fascinante e uma história com as medidas certas de acção, mistério e emoção, Celtika abre da melhor forma a história de um Merlim antes de Artur, mais humano - e, talvez, um pouco menos sensato - mas igualmente fascinante no papel que tem a desempenhar na segunda viagem do Argo e da sua tripulação. Muito bom.

Novidades Planeta


Ferran Adriá é um dos melhores cozinheiros do mundo. 
Valentín Fuster é o director do Instituto Cardiovascular em Nova Iorque e um médico de prestígio mundial. 
Josep Corbella é um jornalista reconhecido na área da saúde. 
Uma viagem alimentar pelas mãos deste trio, cujas inegáveis qualidades profissionais resultaram num livro único que ensina a utilizar os alimentos de maneira saudável, a comer fora de casa com qualidade, e a desfrutar em pleno da comida. 
A Cozinha da Saúde reconstitui a vida de uma família ao longo  de um dia para ilustrar como se pode melhorar o pequeno-almoço, a compra,  a conservação dos alimentos em casa ou a forma de os cozinhar, ao mesmo tempo que desmonta todos os mitos que já ouvimos falar.  
Este livro não se limita a falar de nutrição, também fornece conselhos práticos, receitas para o dia-a-dia, ideias e soluções para a cozinha, ensina  a controlar o peso, a tensão arterial e o colesterol e as crianças a cuidar  do seu corpo e a evitar vícios.  
O leitor de A Cozinha da Saúde descobrirá como pessoas de todas as idades, com gostos e necessidades diferentes, podem partilhar a mesa  e comer de forma prazenteira e equilibrada e levar uma vida sã. 
No ano da sua publicação em Espanha, 2010, recebeu o Prémio Nacional de Gastronomia da melhor publicação.
Um livro obrigatório para os que pretendem melhorar a sua qualidade de vida sob a orientação da confiança que inspiram os seus autores. 

Ferran Adrià é um dos cozinheiros mais reconhecidos do mundo. Começou a trabalhar no El Bulli em 1983 e foi nomeado chef de cozinha no ano seguinte. Desde então, este restaurante distinguiu-se pela sua vocação  e inovação culinária, fruto do qual nasceram novos conceitos, técnicas  e elaborações que estão hoje implantados no projecto da Fundación Alicia, que constitui um compromisso com a inovação e o mundo científico. Reconhecido como o Mejor Chef da década no ano 2010, o seu restaurante El Bulli foi eleito durante quatro anos consecutivos como o melhor restaurante do mundo. 
 Valentín Fuster é director-geral do Instituto Cardiovascular do Hospital Mount Sinai de Nova Iorque e do Centro Nacional de Investigaciones Cardiovasculares (CNIC) em Espanha. Licenciado e doutorado em Medicina  e Cirurgia, foi nomeado Doutor Honoris Causa por 27 universidades e é o único cardiologista que recebeu os galardões máximos das quatro principais organizações internacionais de cardiologia. As suas investigações sobre  a origem do enfarte do miocárdio valeram-lhe, em 1996, o Prémio Príncipe  de Asturias de Investigación. Um dos seus objectivos é integrar a investigação com a promoção da saúde através da educação da população. Para isso assumiu a presidência da Fundación Internacional SHE (Science, Health and Education), que tem como objectivo a divulgação da saúde entre os adultos  e crianças e por isso é assessor científico da Rua de Sésamo. É também autor de La ciencia de la salud, Corazón y mente e Monstruos supersanos. 
O jornalista Josep Corbella é o responsável da área da ciência no diário La Vanguardia desde 1993. Desde 2000 tem sido assessor de ciência e saúde de programas de rádio. As suas áreas de especialização são a biomedicina  e a evolução humana. Recebeu o prémio do Instituto Danone de informação sobre nutrição. É autor de Sapiens. El largo camino de los homínidios hacia la inteligencia, e La ciencia de la salud, em colaboração com Valentín Fuster. 


A 4 de Dezembro de 1980 Portugal perdeu um primeiro-ministro e um ministro na queda de uma avioneta. 
Passados 32 anos mantém-se a mesma dúvida sobre o que efectivamente aconteceu neste atentado e quem são os principais encobridores da investigação. 
Camarate – Sá Carneiro e as Armas para o Irão resulta de uma longa investigação feita pelo jornalista Frederico Duarte Carvalho onde reconstitui os factos e explica por que motivo conhecer a verdade, ainda hoje, pode colocar em perigo a estabilidade do regime em Portugal e noutros países, como os EUA e o Irão.  
Ao fim de 30 anos ainda falta saber tudo sobre Camarate. 
Este é o livro que vai revelar pontos importantes nunca antes abordados noutras obras sobre o atentado. 

Frederico Duarte Carvalho é jornalista e nasceu no Porto  a 27 de Agosto de 1972.  
É autor de vários livros de ficção e de investigação jornalística. Começou a investigar Camarate no dia 5 de Dezembro de 1980, quando soube que o pai do seu amigo de escola era o piloto do avião da RAR que deveria ter transportado Sá Carneiro de Lisboa para o Porto.  Tinha então oito anos.  
Teve de crescer e aprender até conseguir contar-nos hoje a verdade que tem perseguido através dos factos. 

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

As Coisas que Nunca Dissemos (Marc Levy)

Julia nunca teve uma relação próxima com o pai. Muitas vezes ausente e demasiado controlador quando presente, raras vezes foi alguém com quem contar e algumas das suas intervenções acabaram por ser destrutivas. Foi essa a razão que levou Julia a comunicar-lhe o seu casamento como o faria a qualquer outro conhecido. Mas Anthony Walsh parece capaz de perturbar a vida da filha, mesmo na mais complicada das circunstâncias, ao morrer poucos dias antes do casamento. A data do casamento acaba por se tornar na de um funeral... e no início de uma aventura atribulada em busca do passado que ficou para trás e de uma reconciliação tardia. É que o pai de Julia parece determinado a permanecer presente, mesmo depois da morte.
Parte do encanto deste livro está nas muitas situações caricatas e coincidências inesperadas que parecem povoar a história, sendo de destacar, naturalmente, a presença de Anthony uns quantos dias depois do seu funeral. O autor parte de um momento tão simples como a compra de um vestido de noiva - tornando também esta situação algo peculiar - para logo partir para circunstâncias bastante mais complicadas. Toda a situação em torno de Anthony tem, aliás, um toque de surreal que a torna estranhamente fascinante, na medida em que, mesmo sendo difícil imaginar uma criação como a apresentada - um super-andróide capaz de reter todos os pensamentos e memórias de um humano, activado após a morte desse humano para dar à família as palavras e as recordações que ficaram por partilhar - a forma como o autor a desenvolve é de tal forma envolvente que facilmente se esquecem essas dificuldades. Além disso, esta faceta improvável acaba por ser apenas um meio para realçar o que realmente importa na história: as memórias e as emoções.
Quer na história de Anthony e da sua intervenção na vida da filha, quer na história desta com Tomas, há, ao longo de todo o enredo, uma reflexão que se insinua. O tema central é a morte, claro, e a forma como coisas importantes são deixadas por dizer. Mas também a memória está muito presente, como base para toda uma história de afectos em que também as relações entre pais e filhos, entre amigos e entre amantes são ponderadas, bem como as escolhas - quando é possível escolher - na base de algumas dessas relações. 
Há, portanto, várias questões relevantes a surgirem neste livro e a vasta maioria dizem respeito a temas muito sérios. O que me leva a outro dos grandes pontos fortes deste livro, a forma como o autor consegue falar de temas profundos e de questões complexas sem nunca perder de vista o humor e a leveza que tornam a história tão encantadora. As atribulações da aventura de Julia e do pai, mas também, em menor grau, a sua relação com o amigo de sempre, têm tantos momentos de intensidade emocional como de humor e descontracção. O resultado é um equilíbrio quase perfeito entre seriedade e leveza, numa história que é, na sua essência, muito simples, mas que surpreende pela intensidade dos pensamentos e emoções que evoca.
É, pois, no essencial, uma história de perdas e de recordações, a contada em As Coisas que Nunca Dissemos, caricata, por vezes, divertida, em vários momentos, e com tanto de estranho como de comovente. Uma leitura descontraída, portanto, mas também com vários momentos marcantes e algumas questões para reflectir. Recomendo.

domingo, 18 de novembro de 2012

O Demónio Branco (Lev Tolstói)

Enquanto combatente entre os resistentes à assimilação pelo império russo, Hadji-Murat foi um homem temível e causou bastantes embaraços às forças do czar. Mas o líder dos resistentes é, para ele, um inimigo e tem controlo sobre a vida dos seus familiares, É essa a razão que leva Hadji-Murat a submeter-se ao czar, na esperança de que a possibilidade de recorrer às suas capacidades leve os russos a negociar a libertação da sua família. Mas o tempo passa e, de deslocação em deslocação, de conversa em conversa com diplomatas e oficiais, Hadji-Murat cria amizades ou aversões aos seus interlocutores, mas a negociação, essa, parece ser eternamente adiada. Talvez não haja interesse suficiente... Talvez seja preciso tomar nas mãos a decisão e lutar pela liberdade dos seus... ou morrer a tentar.
É curioso notar que, sendo esta uma obra relativamente breve,principalmente se comparada com as mais conhecidas do autor, a imagem do ambiente e do conflito que serve de base à história nada perde de precisão relativamente a essas obras, ganhando, até, em envolvência. Estão presentes os expectáveis momentos mais descritivos, que contribuem para que um ritmo bastante pausado, mas não são exaustivos ao ponto de perder de vista as personagens e é essa a grande força deste livro. 
Os protagonistas estão presentes e são o foco da história. São mais que figuras para a caracterização de um contexto histórico. Mas, ainda que Hadji-Murta seja a figura central e a razão de muitos dos acontecimentos, a história não trata apenas do seu plano e dos seus movimentos. É também a da condição da sua família como resultado das inimizades com Shamil. A dos homens que o acompanham na submissão e, depois, na acção. A dos soldados e oficiais que com ele se cruzam e cujo conhecimento deixa marcas, boas ou más. Cada personagem é uma peça num cenário maior, mas é, também, cativante por si própria. Tanto o temível Hadji-Murat como o soldado que com ele se cruzou por breves momentos têm os seus momentos marcantes e a caracterização emocional que os torna humanos e cativantes para quem segue a sua história.
Mas há também um conflito, para lá das personagens, e a história das personagens - e de Hadji-Murat, em particular - serve também para caracterizar esse conflito. As mudanças de lealdades, as intrigas e inimizades sem relação com a questão global, os atrasos e recuos da diplomacia... Todos estes aspectos são desenvolvidos de forma sucinta, mas precisa, criando um retrato bastante completo do sistema em que decorre a história, sem que excessos de descrição surjam para a tornar monótona. 
De tudo isto resulta uma história que é tanto a das personagens como a da guerra em que vivem, numa narrativa cativante, com algo de descrição, mas sem excessos, e com vários momentos marcantes a conferir intensidade ao ritmo relativamente pausado dos acontecimentos. Envolvente e equilibrado na relação entre as histórias individuais e o contexto global, um bom livro.

Statue of Ku (Tricia Stewart Shiu)


Moa é uma antiga entidade que se tornou humana para salvar a ilha das suas amigas. Agora, ela e Hillary encontram-se a caminho do Egipto para recuperar o seu legado familiar, uma estátua do deus Ku. Mas Moa é, agora, humana, e os seus poderes desapareceram, pelo que a situação pode tornar-se complicada. Felizmente que ela pode contar com a ajuda de uma estranha família da realeza. A estátua, contudo, é mais que uma simples escultura e, para revelar a sua verdadeira natureza, é o próprio Ku que tem de contar a história de como se encontrou sozinho e indefeso, mas na necessidade de lutar pela recuperação dos seus poderes e identidade.
Segundo volume de uma série, este livro pode evocar, a princípio, uma impressão de estranheza, se lido antes do primeiro. Há várias referências ao que aconteceu antes e parte da relação entre Moa e os companheiros parece ter sido também explicada anteriormente. Fica, pois, a impressão de que algo falta e de que esse algo poderá ter sido explicado no volume anterior.
Há, ainda assim, bastantes elementos interessantes neste livro. Não é uma leitura compulsiva, principalmente devido aos muitos elementos místicos, alguns dos quais levam algum tempo a compreender, e também devido ao comportamento algo errático de algumas personagens. Há, ainda assim, um percurso de crescimento, que não diz respeito apenas à protagonista. E, a partir do momento em que as personagens se tornam familiares, a sua história torna-se mais e mais intrigante e os momentos leves e caricatos do início dão lugar às medidas certas de acção e emoção.
Duas histórias surgem, interligadas, neste livro: a de Moa e a de Ku. E, talvez por serem tão diferentes, ou devido à divergência dos ambientes em que decorrem, ambas têm os seus bons momentos, mas a de Ku é bastante mais impressionante. A personalidade dele é mais forte e a jornada mais dura, principalmente pelos seus encontros com o engano e a solidão a um nível muito mais vasto que os de Moa. Ku é também a personagem mais empática e, por isso, fica a ideia de que mais poderia ter sido dito a seu respeito. Parte da força da sua história é, ainda assim, a ligação ao percurso de Moa, o que cria uma boa ligação entre as duas linhas da história.
Um pouco confuso, no início, é possível que este livro seja mais fácil de seguir tendo lido antes o primeiro volume. Mas, mesmo sem esse conhecimento prévio de algumas coisas, o mundo que, a princípio, parece estranho e confuso, acaba por se tornar cativante e o mesmo acontece com a história e as personagens. O resultado é uma leitura que, não sendo viciante, é, ainda assim, agradável. Gostei.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Êxtase (Lauren Kate)

Faltam nove dias para que a Queda dos anjos volte a acontecer. E, se nada for feito para o impedir, Lúcifer fará com que os últimos sete milénios sejam anulados e, com eles, todo o percurso de Luce e Daniel para quebrar a sua maldição. O momento é decisivo: o equilíbrio entre Céu e Inferno depende essencialmente da decisão de um anjo poderoso e há forças poderosas determinadas a barrar o caminho dos jovens apaixonados. E é nessas circunstâncias que, com a ajuda de anjos e demónios, que Luce e Daniel têm de descobrir onde ocorrerá a queda e de abrir caminho para a única forma de deter os planos de Lúcifer e quebrar a maldição, revelando, ao mesmo tempo, o segredo que todos fizeram questão de esconder de Luce: a sua própria identidade e o papel que lhe coube quando tudo começou.
Sendo este o volume final da história de Luce e Daniel, é de esperar que apresente bastantes respostas e revelações. Muitas delas são, ainda assim, deixadas para a fase final, mantendo parte do mistério até às derradeiras revelações. Isto é feito, por vezes, à custa de alguma empatia para com as personagens, já que a recusa terminante, principalmente da parte de Daniel, em dar algumas respostas, esperando que as coisas se façam sem perguntas, passa a ideia de uma personalidade mais dominadora do que é na realidade. Aqui reside uma das grandes forças desta conclusão, já que a forma como tudo termina justifica uma boa parte do secretismo, ainda que nem todas as expectativas de assentimento. Além disso, e tendo em conta que a premissa de toda a série era a história de amor entre anjo e mortal, a conclusão serve também para dar aos acontecimentos e possibilidades uma nova perspectiva.
Ao colocar as personagens numa corrida contra o tempo, e perante inimigos poderosos, a autora cria também um bom ritmo de acção, levando a que o romance não se torna demasiado dominante relativamente às outras componentes do enredo. Ainda que a história de amor constitua uma parte considerável do enredo, não é a sua força essencial, estando esta nas interessantes revelações sobre o sistema, a relevância dos acontecimentos e as próprias personagens. Há também alguma evolução no que toca à personalidade e às relações dos protagonistas, sendo esta particularmente evidente nos momentos em que Luce começa a ponderar as consequências da maldição na sua vida para lá de Daniel. Também isto contribui para tornar a história mais cativante, apesar de alguns momentos mais forçados, principalmente na fase inicial.
Ficam algumas pontas soltas, principalmente no que diz respeito a algumas personagens secundárias.  Há pequenos mistérios, como o passado de Cam ou as ligações entre alguns dos amigos de Luce, que nunca chegam a ser completamente exploradas. Fica, por isso, a sensação de que mais poderia ser dito sobre estes aspectos da história, o que retiraria, talvez, algum do protagonismo a Luce e Daniel, mas daria uma visão mais completa do mundo e das personagens. Ainda assim, é em torno do casal protagonista que esta história se desenvolve e, nesse aspecto, nada de essencial fica por dizer.
Cativante, de leitura agradável, e com alguns momentos bastante bons, trata-se, pois, de uma história que, apesar de alguns momentos mais forçados e perguntas sem resposta, surpreende pelas revelações da fase final e como estas respondem às grandes questões em torno da relação entre os protagonistas. Um bom final, em suma, e uma boa leitura.

Novidade Quetzal


Entre a comédia mais tresloucada e a reflexão filosófica mais pertinente sobre uma sociedade e os seus vícios, sobre as relações familiares e o papel do entretenimento nas nossas vidas, A Piada Infinita é um daqueles raros romances que inauguram um novo género no momento em que são publicados. 
Situada num futuro próximo, a acção de  A Piada Infinita decorre entre a academia de ténis Enfield e a Ennet House, uma clínica de reabilitação de alcoólicos e toxicodependentes, em que o leitor acompanha a desestruturada família Incandenza. No centro da narrativa está um filme realizado por James Orin Incandenza Jr., intitulado precisamente  A Piada Infinita, do qual se diz que deixa os espectadores num estado de apatia permanente, incapazes de se preocupar com outra coisa que não seja ver o filme novamente.
Sátira aos costumes da sociedade de consumo, devaneio pós-moderno contra os excessos do pós-modernismo, lírico e erudito, lúdico e realista, A Piada Infinita, nas suas contradições e fôlego imenso, é um livro que escapa a qualquer definição e, mais do que uma obra sobre o nosso futuro colectivo, parece uma obra vinda de um universo diferente do nosso, justificando o que a romancista Zadie Smith escreveu sobre Wallace: “Um visionário, um artesão, um cómico e tão sério quanto se pode ser sem escrever um texto religioso. É tão moderno que parece habitar um contínuo tempo-espaço diferente do nosso. Maldito seja.”

David Foster Wallace nasceu em 1962, Ithaca, Nova Iorque. Estudou Inglês e Filosofia e, durante a adolescência, foi praticante federado de ténis, uma actividade que viria a ser essencial na sua obra de ficção e não  ficção. Publicou o primeiro romance, The Broom of The System, em 1987, um livro influenciado por um dos seus ídolos literários, Thomas Pynchon, e que recebeu críticas bastante positivas da imprensa na altura. O segundo romance só apareceu nove anos depois, na forma das mais de mil páginas do colossal, delirante e inovador Infinite Jest (A Piada Infinita, na tradução portuguesa). A revista Time considerou-o um dos 100 melhores romances de língua inglesa publicados desde 1923. No período entre a publicação dos dois romances, Wallace deu aulas de literatura no Emerson College, em Boston, escreveu contos e artigos para a imprensa, entre os quais o muito influente “E Unibus Pluram: Television and U.S. Fiction”, uma reflexão sobre as tendências da nova ficção americana. As colectâneas de ensaios e artigos jornalísticos A Supposedly Fun Thing I’ll Never do Again (1997) e Consider the Lobster (2005) confirmaram Wallace como um dos escritores mais originais da sua geração, capaz de transformar um texto sobre o tenista Roger Federer numa obra de arte. O sucesso e o reconhecimento da crítica e do público não aliviaram, porém, os problemas de depressão que Wallace enfrentou ao longo de toda a vida. Em 2008, com apenas 46 anos, David Foster Wallace suicidou-se. Com base no trabalho que deixou incompleto, o seu editor norte-americano decidiu publicar, em 2011, o romance póstumo  The Pale King, o testamento literário de um génio da literatura universal.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

A Obra-Prima Desaparecida (Jonathan Harr)

Durante décadas, muitos académicos especializados na obra de Caravaggio buscaram, em vão, a pista de um dos seus quadros mais conhecidos, desaparecido depois de um leilão. Mas foram precisas algumas descobertas fortuitas para o recuperar. Esta é a história da descoberta de A Deposição de Cristo, baseada em factos reais e construída numa narrativa que acompanha os principais protagonistas da investigação. É, também, uma interessante incursão no mundo da arte e do estudo da sua história.
Apesar de ser narrado quase como uma obra de ficção, acompanhando o percurso das figuras mais relevantes e revelando ainda um toque das suas vidas pessoais e da impressão que têm uns dos outros, este é um livro que se centra nos factos. E, por se centrar nos factos e apresentar toda uma série de pormenores sobre eles, nunca será uma leitura compulsiva, já que a componente descritiva é claramente dominante. Há, ainda assim, muito de interessante para descobrir neste livro.
Um dos grandes pontos fortes deste livro é o evidente cuidado em acompanhar igualmente os diferentes protagonistas da descoberta, referindo tanto os passos no sentido do sucesso como os pequenos fracassos, as frustrações de pistas impossíveis de seguir e até os atritos entre os vários intervenientes. Isto permite ficar com uma visão bastante clara dos protagonistas, não só no que diz respeito às suas conquistas, mas também à forma de ser que os define. Além disso, abre também uma base para a caracterização do mundo académico e das facilidades e dificuldades encontradas nos diferentes lugares onde os protagonistas pretendem aprofundar as suas pesquisas.
Um outro aspecto de referir é o cuidado em, apesar de ser a investigação do paradeiro do quadro o centro de todos os acontecimentos, referir as linhas essenciais da vida do seu criador. A história de Caravaggio é um elemento discreto ao longo da narrativa, mas uma presença relevante, quer para justificar alguns dos passos dos investigadores, quer, e principalmente, para dar uma imagem da mente por detrás da obra e do percurso por ela percorrido.
Devido, mais uma vez, ao foco essencialmente nos factos, fica também, por vezes, uma sensação de distância relativamente aos protagonistas. Nem sempre, já que os ocasionais momentos de tensão e algumas das revelações mais importantes vêm revelar um pouco das pessoas que dão forma à descoberta. São, ainda assim, situações esporádicas, e a distância contribui também para o ritmo pausado da narrativa. Sem, contudo, retirar interesse ao conteúdo.
Bastante descritivo e um pouco distante, A Obra-Prima Desaparecida centra-se mais nos factos que nos seus protagonistas, dando à descoberta - e aos passos dados nesse sentido - considerável destaque relativamente àqueles que a descobriram. O resultado é, inevitavelmente, uma leitura de ritmo pausado. Mas muito interessante, ainda assim, pelo retrato completo que apresenta dos meios e experiências envolvidas no estudo e na história da arte. Gostei.

Contos Comédia Social

Das peculiaridades e situações caricatas da vida em sociedade tratam os quatro contos deste pequeno livro. Diferentes, quer na forma de escrita quer na abordagem às circunstâncias que narram, têm em comum uma visão apurada de certas particularidades das interacções sociais e de alguns preconceitos vigentes, bem como um interessante toque de humor. Mas vamos por partes.
O primeiro conto é Na Mó de Cima, de James Thurber, e trata de um homem que, irritado com os ditos peculiares de uma colega de trabalho (entre outros crimes), decide "apagá-la". Caricato e intrigante, apresenta uma escrita envolvente e um enredo tão curioso como as suas personagens, culminando numa vingança surpreendente. 
Segue-se O Nível de Vida, de Dorothy Parker, história de duas amigas e de um jogo de possibilidades. Bastante descritivo e, consequentemente, de ritmo lento, apresenta, ainda assim, uma ideia interessante, sendo particularmente curioso nas representações e tribulações da amizade. Peculiar, mas envolvente e com um final bem desenvolvido, uma boa história.
Em O Colar de Pérolas, de W. Somerset Maugham, uma mulher conta, durante um jantar, um episódio sucedido num outro jantar. Peculiar e estranhamente cativante, com o tom descontraído da narração a reforçar a estranheza das circunstâncias, surpreende principalmente pelo toque de mistério e a questão dos possíveis finais. Também muito bom.
O último conto é Uma Rapariga de Red Lion, P.A., de H.L. Mencken, e conta a história de como um cocheiro honesto conhece uma jovem decidida a arruinar-se. Também com um ritmo pausado, mas cativante pela estranheza da situação, trata-se de mais uma história caricata, mas muito bem conseguida e com uma interessante reflexão sobre a inocência e as mudanças de mentalidade.
Fica, do conjunto destes quatros contos, a melhor das impressões. Relativamente simples, mas certeiros nas observações que fazem da sociedade e, ao mesmo tempo, leves e de leitura agradável, proporcionam uma leitura descontraída e cativante, com algumas surpresas e a medida certa de humor. Recomenda-se, portanto.

Novidades Bizâncio para Novembro


Título: Os Cinemas de Lisboa
Subtítulo: Um Fenómeno Urbano do Século XX
Autor: Margarida Acciaiuoli
ISBN: 978-972-53-0518-8 
Págs.: 384
Preço: Euros 18,77 / 19,90
Cinema

Tempos houve em que as salas de cinema proliferavam em Lisboa, dos múltiplos cinemas de bairro às salas memoráveis: como o S. Luís, o Chiado-Terrasse, o Tivoli, o Éden e tantos outros. Tempos houve em que ir ao cinema era um acto elegante, que merecia indumentária apropriada, e também um acto social – ia-se para ver e ser visto. As grandes salas de cinema foram desaparecendo da cidade e, hoje, vai-se ao cinema nos centros comerciais, no intervalo de umas compras. A história deste percurso é feita de modo notável, pela autora, numa obra onde o rigor caminha a par das me­mórias afectuosas que todos temos em relação àquela especial sala de cinema.

Título: Alerta!! Pelos Burros
Autor: Paulo Caetano
ISBN: 978-972-53-0517-1 
Págs.: 192
Preço: Euros 25,94 / 27,50
Álbum

Há animais com má fama, por vezes sem qualquer razão. O burro é um deles. De tal forma que o seu nome é, há muito, usado como insulto, como sinónimo de falta de inteligência. Uma clara injustiça para um animal dócil, capaz de aprender tarefas complexas e que foi, ao longo de séculos, um ajudante imprescindível ao trabalho nos campos agrícolas do nosso país. Hoje, por incrível que possa parecer, o burro está prestes a extinguir-se em Portugal. Mas há quem lute contra esta ameaça: criando santuários para burros «reformados», usando leite de burra em cosméticos, aproveitando este nobre e obediente animal em projectos de ecoturismo e até de asi­noterapia – ajudando jovens deficientes a recuperar a sua confiança e auto-estima. Estas realidades são o cerne do novo livro de Paulo Caetano, reconhecido autor neste campo. Descubra este recanto fascinante e escondido do nosso mundo lusitano.

Título: A Quinta Musa
Autor: José Sasportes
Colecção: Musicalmente
ISBN: 978-972-53-0520-1 
Págs.: 336
Preço: Euros 13,21 / 14,00
Dança

Um percurso extraordinário pela história da dança, numa colecção de ensaios escrita com a eloquência de José Sasportes. Dos primórdios, em que a dança se não autonomizava da ópera, até Pina Bausch ou à «Desfundação do Ballet Gulbenkian», não esquecendo o florescente século XIX, as «ousadias» de Isadora Duncan ou o percurso de Balanchine, esta é uma revisitação da dança, única e imperdível.

Título: Gossip Girl VIII – Tudo nos Separa
Autor: Cecily von Ziegesar
Colecção: Gossip Girl
ISBN: 978-972-53-0519-5 
Págs.: 272
Preço: Euros 11,90 / 12,61
Romance

Uau! Acabámos o liceu…quase. Ainda falta receber o diploma e conseguir encontrar a toilette certa. Falta saber se B e S fazem as pazes, se N ultrapassa a sua depressão, se V se decide entre A e D, com quem tem namorado em simultâneo, e se B se casa ou não se casa com o seu lorde inglês.

Novidade Sextante


«Limonov não é uma personagem de ficção. Ele existe. Eu conheço-o. Foi um marginal na Ucrânia; ídolo do  underground  soviético na era Brejnev; sem-abrigo e depois criado de quarto de um milionário em Manhattan; escritor de vanguarda em Paris; soldado perdido na guerra dos Balcãs; e hoje, no imenso bordel do pós-comunismo na Rússia,velho chefe carismático de um partido de jovens em fúria. Vê-se a si próprio como um herói, mas podemos considerá-lo um estafermo: por mim, deixo o julgamento em suspenso. É uma vida perigosa, ambígua: um verdadeiro romance de aventuras. É também, creio, uma vida que conta qualquer coisa. 
Não apenas sobre ele, Limonov, não apenas sobre a Rússia, mas sobre a história de todos nós depois do fim da Segunda Guerra Mundial.» -- Emmanuel Carrère.

Nascido em Paris em 1957, Emmanuel Carrère é um prestigiado escritor, guionista e realizador de cinema. Autor de vários romances, entre eles o elogiado e galardoado D’autres vies que la mienne (2009), Prémio dos leitores de L’Express, Prémio Crésus e Prémio Marie Claire. Limonov (2011) foi finalista do Prémio Goncourt e ganhou o Prémio Renaudot.