terça-feira, 31 de julho de 2018

Mentes Poderosas (Alexandra Bracken)

Uma doença inexplicável alastrou pelos Estados Unidos e vitimou a grande maioria das crianças da nação. Mas não é esse o maior medo dos líderes do país. É que as crianças que sobreviveram parecem ter desenvolvido poderes e é isso que realmente assusta os adultos. Alimentando-se do medo global, o governo decide pôr todas as crianças em campos, classificando-as segundo as suas capacidades e dando às mais perigosas o destino... adequado. Ruby é uma delas e foi o seu poder a fazer com que fosse descoberta e também o que lhe permitiu sobreviver. Só que agora o engano que fez com que fosse classificada entre os menos perigosos está prestes a ser descoberto. E a única opção de fuga não é necessariamente agradável...
Um dos aspectos mais notáveis neste livro e também o que mais contribui para o tornar tão viciante é a forma como as circunstâncias das personagens despertam quase de imediato sentimentos fortes. O facto de serem crianças vulneráveis os protagonistas e as condições a que são reduzidas desperta uma estranha mistura de empatia e de revolta que basta para tornar praticamente irresistível a necessidade de saber o que acontece a seguir. Além disso, o contexto delicado, com poderes com um elevado potencial de destruição, mas com uma estrutura de defesa cujos actos são igualmente destrutivos, realça desde o início um impacto emocional que promete ser devastador.
E, embora baste o cenário global para tornar a leitura fascinante, é quando se observam os aspectos particulares que o verdadeiro poder se manifesta. Ruby, com os seus raros poderes e a difícil situação de se saber capaz de muito, mas incapaz de se controlar, é o tipo de personagem que é fácil compreender. E, quando o seu caminho se cruza com o de Liam e seus companheiros, o grupo que se forma é tão surpreendentemente coeso, apesar das diferenças entre as várias partes, que é impossível não ficar a torcer por eles.
Mas o caminho é longo e, dadas as circunstâncias, não é propriamente de esperar que haja dificuldades. Há esperanças, pequenos sucessos, perdas, fracassos, ilusões quebradas e... bem, a inevitável fuga constante. E, ao longo de todo este caminho, há inúmeras surpresas, situações perigosas, momentos profundamente emotivos e deliciosos laivos de humor. Há tudo, enfim. Tudo o que dá vida a uma história memorável e é precisamente essa a palavra que melhor define este início de série.
Intenso, viciante e cheio de possibilidades, trata-se, portanto, de um livro onde tudo cativa e tudo surpreende, das personagens ao seu percurso e ao difícil contexto em que se movem. E é isso mesmo que as grava na memória, deixando uma imensa curiosidade em descobrir o que o futuro lhes reserva depois deste início deveras promissor. Muito bom.

Autora: Alexandra Bracken
Origem: Recebido para crítica

Para mais informações sobre o livro Mentes Poderosas, clique aqui.

segunda-feira, 30 de julho de 2018

A Seguir (Morris Gleitzman)

Felix e Zelda conseguiram fugir do comboio que os levava para um campo de morte, mas a situação continua a ser desesperada. E a única esperança das duas crianças é encontrar alguém que os possa proteger e esconder dos nazis. Após um início atribulado, encontram Genia, que aceita escondê-los em sua casa, com novos nomes e novas histórias. Mas os nazis estão em toda a parte e o perigo de serem descobertos é uma constante. Por isso, Felix sabe que tem de fazer planos. E, se for preciso ir embora para que Zelda fique mais segura, então é isso que fará.
Com duas crianças como protagonistas e o mais negro dos cenários como base, este é um livro que tem no seu equilíbrio entre inocência e crueldade a sua maior qualidade. Talvez por serem tão jovens, Felix e Zelda ainda conseguem ver o mundo com a inocência de quem procura a bondade e, mesmo quando assistem ao pior da natureza humana, mantêm esperanças e sonhos, ainda que difíceis de alcançar. E é isso que torna tudo tão marcante: quando a crueldade reina em toda a parte, haver crianças capazes de sonhar e pessoas capazes de se arriscar por elas é algo de especialmente impressionante, e o autor retrata este contraste na perfeição.
Também interessante é a forma como o autor simplifica um tema complexo sem lhe retirar nenhuma da sua brutalidade. Sendo um livro juvenil, faz sentido que a história não se alongue demasiado em linhas secundárias, embora fique uma certa curiosidade acerca de algumas personagens menos centrais. Mas o essencial está lá, no que Felix e Zelda têm de presenciar, nos medos, nos perigos, no comportamento dos que os rodeiam. E, se o contexto mais vasto fica para segundo plano, isso não tem assim tanta importância, porque é possível ver os horrores do todo por esta pequena parte - e ver o impacto sobre os mais inocentes de todos.
Também na escrita se reflecte este contraste entre inocência e crueldade, pois, pese embora os momentos mais perturbadores, a escrita flui com uma simplicidade quase leve. E é também por isso que o final tem o impacto que tem: porque há tanta esperança e tanta inocência pelo caminho que ver a forma como tudo termina - e tentar imaginar o que poderá vir a seguir - é algo de particularmente avassalador.
Simples quanto baste, mas com um poderoso contraste entre a inocência da juventude e a crueldade de um dos momentos mais negros da História, trata-se, pois, de uma história notável. Cativante, surpreendente e emotiva, uma leitura marcante e uma série para continuar a acompanhar.

Título: A Seguir
Autor: Morris Gleitzman
Origem: Recebido para crítica

domingo, 29 de julho de 2018

Inocência e Desejo (J. Kenner)

Wyatt Royce quer ser reconhecido por mérito próprio e não pela família a que pertence. E a exposição fotográfica que está a preparar pode ser o descolar de uma carreira brilhante. Isto se conseguir encontrar a mulher perfeita para o que tem em mente. O tempo começa a esgotar-se, mas, quando a candidata ideal lhe entra pelo estúdio adentro, Wyatt não sabe o que pensar. Kelsey é perfeita, mas também a rapariga que, doze anos antes, lhe partiu o coração. Estará ele disposto a confiar novamente, sabendo que, em tempos, ela lhe voltou as costas, e que medos antigos podem voltar a emergir?
Centrado na sensualidade, no amor e na superação de obstáculos, este é um livro que é bastante mais que um simples romance erótico. Sim, tem erotismo e sensualidade, mas tem-nos nas medidas certas, com os momentos mais escaldantes a surgirem precisamente quando mais acrescentam ao enredo e num delicado equilíbrio com todas as outras facetas da história. E é interessante ver como estas várias facetas - a atracção e o amor entre os protagonistas, mas também os fantasmas de um passado mal resolvido e a forma como as experiências passadas moldaram a postura dos protagonistas - encaixam num todo envolvente e harmonioso, de tal modo que é impossível parar de ler.
Para esta envolvência contribuem também as próprias personagens e o mundo em que se movem. À partida, Kelsey e Wyatt não podiam ser mais diferentes, ela com a sua timidez inculcada por medos passados, ele com a sua determinação feroz. Mas ambos escondem as mesmas inseguranças, os mesmos fantasmas. E, à medida que o passado vai sendo revelado e a relação presente evolui também, surge entre ambos uma harmonia fascinante, não só pelo que os une um ao outro, mas também pela superação que essa aproximação implica - na relação entre ambos e nas relações com os outros.
E, claro, há sensualidade, há paixão e há amor. Mas é curioso notar que, mais do que as cenas mais intensas, são os momentos de afecto simples os que mais marcam ao longo do caminho. Sendo certo, porém, que todos os elementos contribuem - desde os mais quentes aos mais enternecedores - para tornar a história tão cativante e surpreendente.
Com as medidas certas de emoção, sensualidade e até mesmo um delicioso toque de humor, trata-se, pois, de uma leitura intensa, viciante e cheia de boas surpresas. Uma história feita de erotismo e de amor - e de descobertas de uma vida para lá dos medos. Muito bom.

Autora: J. Kenner
Origem: Recebido para crítica

sábado, 28 de julho de 2018

Os Dias do Amor

Em todos os tempos e para inúmeras vozes, o amor foi tema e fonte de inspiração. Poesia em si mesmo, inspirou - e continua a inspirar - incontáveis poetas e infindáveis poemas. Poemas como os que compõem esta extensa antologia, que, abrangendo diferentes nomes, épocas e nacionalidades, apresenta um poema de amor para cada dia do ano. Para amar sempre, todos os dias.
Seria, talvez, de pensar que, numa antologia com mais de quatrocentas páginas, mas em que todos os poemas têm um tema comum, a leitura pudesse vir a tornar-se repetitiva. Não é o caso. Quer se decida ler o livro de ponta a ponta ou procurar - ou regressar - a um poema específico, é tal a diversidade de vozes e de perspectivas que nunca cansa ler tanto sobre o amor. Até porque cada olhar vê um amor diferente, traçado em cenários e emoções distintas. E isso faz de cada texto uma nova revelação.
Claro que, como em tudo, há preferências distintas, e também aqui a diversidade é uma força. Das  diferentes origens, épocas e vozes pessoais, resulta não só uma multiplicidade de perspectivas e sentimentos, mas também uma diversidade estrutural. Rima ou ausência dela, uma métrica meticulosamente calculada ou a liberdade de um ritmo totalmente livre, a estrutura clássica do soneto ou uma forma completamente indefinida. Para tudo isto há espaço e tudo faz sentido, pois, tal como o amor que serve de tema a esta antologia, também a poesia é vasta e cheia de possibilidades.
Não sendo embora o mais importante, importa ainda destacar a organização do livro, até por ser o tipo de livro a que dará certamente vontade de regressar mais tarde. Ao dispor os poemas por ordem cronológica, facilita-se uma procura futura por um poema específico. E mais, cria-se também uma certa imagem da evolução dos conceitos de amor - e das estruturas poéticas - ao longo do tempo, o que, além de reforçar a coesão do todo, acrescenta ainda uma nova camada de significado a esta antologia.
Para ler da primeira à última página, consecutivamente. E depois regressar aos lugares mais marcantes. É esta a impressão que fica desta longa, mas fascinante, antologia, onde o amor reina em todas as suas formas - e a poesia é vasta, ilimitada. 

Título: Os Dias do Amor
Autora: Inês Ramos (organização)
Origem: Aquisição pessoal

sexta-feira, 27 de julho de 2018

Eléctrico 28 (Davide Cali e Magali Le Huche)

O Amadeo conduz eléctricos em Lisboa e adora dar uma ajudinha aos apaixonados tímidos. Mas, no seu último dia de trabalho, depara-se com um caso particularmente bicudo e nenhuma das suas manobras habituais parece ajudar. Mas também a natureza conspira a favor do amor e não só está lá para fazer com que o último dia do Amadeo termine em glória, como talvez o futuro tenha planos para o próprio Amadeo, ele próprio um apaixonado tímido.
Com uma história simples e enternecedora e um delicioso equilíbrio entre o texto simples e as ilustrações coloridas, este é um livro que, apesar de pensado para os mais pequenos, tem tudo para despertar a mesma magia em leitores das mais diferentes idades. Porquê? Ora, porque a história tem em si algo de universal, o amor, algo que fala o coração,a ternura, e uma inocência singela que facilmente faz nascer sorrisos.
É um livro breve, mas que parece conter em si tudo o que é preciso. Uma história bonita, uma mensagem marcante e um percurso que, apesar de muito simples, contém em si toda a magia do mundo. Magia essa que vive tanto do amor e da timidez no cerne de toda a história como da boa disposição que parece rodear esses sentimentos. Magia, enfim, de uma visão inocente, mas muito certeira, da importância do amor... e de uma certa coragem para o assumir.
E depois, claro, há o ambiente e a estranha facilidade com que, através das imagens, é possível sentir a vitalidade do cenário num livro em que o texto é bastante sucinto. Tudo se conjuga no equilíbrio certo, dando às coisas - e aos sentimentos - a máxima vitalidade. Magia, enfim, sempre magia, na história em si, e também na forma como é contada.
O resultado é um livro lindo, com uma história simples e inocente, mas principalmente enternecedora. E uma pequena maravilha para fazer recordar o amor a leitores de todas as idades. Muito simples, muito breve... e, acima de tudo, muito bonito. Muito bom, em suma. 

Título: Eléctrico 28
Autores: Davide Cali e Magali Le Huche
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Quetzal

Nelson Dyar, um jovem americano, chega à Zona Internacional de Tânger, depois da Segunda Guerra Mundial, para começar uma nova vida. Transposto para um meio totalmente estranho, vagueia entre as duas culturas – a árabe e a ocidental –, sem compreender nenhuma delas. Retirado do ambiente ordenado em que existira até então, Dyar não consegue interpretar as reacções daqueles com quem se cruza: Hadija, a pequena prostituta, a terrível Eunice Goode, Thami, o contrabandista árabe que faz a ponte entre os salões do palácio dos Beidaoui e os bares da casbá, Daisy de Valverde, Wilcox, com os seus negócios escuros, Madame Jouvenon e a espionagem, os berberes e o povo das montanhas, a população dos bairros indígenas e os cambistas judeus. A chuva cai incessante, transformando em rios as ruelas da casbá e marcando as alterações do estado de espírito de Dyar. Até ao abismo inevitável.

Paul Bowles nasceu no bairro de Queens, em Nova Iorque. Aprendeu a ler aos quatro anos e manteve diários escritos e desenhados desde essa idade. Com nove anos, começou a estudar teoria da música, canto e técnicas de piano. A partir de 1928, frequentou a Universidade da Virgínia, e em 1929 iniciou-se nas viagens, passando uma temporada na Europa. Voltou a Paris em 1931, onde conviveu com Gertrude Stein, Jean Cocteau e Ezra Pound. Continuou por Berlim, onde se tornou amigo de Christopher Isherwood, e visitou Kurt Schwitters em Hanôver. Foi também nesse ano que viajou pela primeira vez até Tânger, onde viveu grande parte da vida e acabou os seus dias. Em 1937, Bowles conheceu a escritora Jane Auer, com quem partiu em viagem ao México e com quem se casou no ano seguinte. Mantiveram um casamento aberto, por vezes turbulento, com viagens ora a uni-los, ora a separá-los, até à morte de Jane Bowles, em 1973.
Nos anos 50, vivendo grandes períodos no Norte de África, Bowles conheceu o marroquino Ahmed Yacoubi, que se tornou seu companheiro íntimo nas décadas que se seguiram e em muitas viagens. Esses anos foram também marcados pela visita e permanência das principais figuras da Geração Beat em sua casa, em Tânger.

quinta-feira, 26 de julho de 2018

Obras do Diabinho da Mão Furada (António José da Silva)

Depois de vinte anos nas guerras da Flandres, o soldado Peralta dirige-se finalmente a Lisboa. Mas a procura de um abrigo numa noite de tempestade conquista-lhe um companheiro inesperado. Trata-se do Diabinho da Mão Furada e a sua missão é espalhar tentações e discórdias. Durante a viagem, tentará levar Peralta à tentação, ao mesmo tempo que lhe revela os meandros das hierarquias infernais. Peralta, porém, mantém-se firme no seu objectivo: chegar a Lisboa e livrar-se, de uma vez por todas, do seu indesejado companheiro.
Um dos aspectos mais cativantes deste pequeno livro é o facto de reflectir com toda a precisão as mentalidades e crenças da sua época, ao mesmo tempo que evoca questões intemporais. Às bruxas e demónios, com as suas nefastas influências, acrescenta a visão de um inferno habitado por criaturas cujos vícios, por serem tão amplos, mantêm toda a sua actualidade - ainda que, talvez, com manifestações diferentes. E este é provavelmente o aspecto mais notável desta história: a visão de um inferno feito de pecados comuns, com traços muito vincados, mas facilmente transponível para uma visão terrena.
É também, à sua maneira, uma aventura, pois os caminhos do soldado Peralta são feitos de várias e invulgares peripécias. Também isto contribui para tornar a história tão interessante, pois, às suas visões dantescas - bem, mais ou menos - do inferno, juntam-se as travessuras e transgressões do Diabinho, os seus actos de provocação e os lampejos de inexplicável generosidade. O resultado é uma história que, contendo uma visão mais global, cativa tanto por esse significado mais profundo como pelo simples caminho percorrido pelos seus protagonistas.
É, claro, um fruto do seu tempo e assim o demonstram aspectos como o comportamento das bruxas ou a própria concepção de um mundo dividido entre a fé e os diabos. Fica, ainda assim, uma interessante percepção: se imaginarmos os pecados como simples defeitos de carácter, a pertinência da sua manifestação continua a ser exactamente a mesma. E, assim, a mensagem é válida, independentemente do tempo e da fé.
Trata-se, pois, de uma leitura breve, mas muito cativante e cheia de detalhes notáveis. Uma história de diabos e de tentações, mas cuja moralidade, embora vista à luz da época, mantém ainda muito de actual. 

Autor: António José da Silva
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 25 de julho de 2018

O Tempo do Desprezo (Andrzej Sapkowski)

Enquanto bruxo, Geralt está habituado a defrontar todo o tipo de monstros e a lidar com todo o tipo de obstáculos. Mas o que tem pela frente é muito mais temível do que um simples monstro. Vivem-se tempos de mudança, com profecias a assombrar as mentes de muitos e conspirações tecidas entre reinos e congressos. A Geralt, importa proteger a jovem Ciri de um mundo que lhe parece ter reservados grandes planos - e receios. Mas, num tabuleiro de xadrez em que todas as peças estão em movimento, não basta um homem só para fazer frente ao mundo inteiro. Mesmo com a ajuda de uma poderosa (e temperamental) feiticeira.
Quarto volume de uma série relativamente longa e cheia de complexidades e intrigas, este é um livro de muitas mudanças - e também de muitas possibilidades em aberto. Pelo caminho, constroem-se conspirações, fazem-se planos que depois falham mais ou menos estrondosamente, descobrem-se poderes e possibilidades e enfrentam-se perdas e reencontros e novas perdas. E, no fim, continua tudo em aberto quanto ao futuro de Ciri e do mundo. É uma passagem, portanto, parte de um caminho que não se sabe ainda onde terminará. Mas essa é uma das qualidades deste livro: embora pouco fique resolvido de forma definitiva, tudo mudou. E é isso que torna o caminho tão cativante.
Também interessante é que, embora a série se chame The Witcher, a história está longe de se resumir a apenas Geralt. Sim, é possivelmente ele a figura mais marcante, com as suas perdas e fantasmas e escolhas mais ou menos acertadas. Mas há todo um mundo de intrigas à sua volta, com reinos e organizações em intriga constante e grandes guerras a tomar forma a cada novo desenvolvimento. O mundo é vasto e o mesmo se aplica à história. E, se esta dispersão cria, por vezes, uma sensação de maior distância, esta rapidamente se desvanece nos discretos, mas bastante certeiros, momentos de revelação pessoal.
Quanto a respostas... bem, para isso será necessário continuar a seguir a série. Mas, neste ponto do caminho, sabe-se já muito mais sobre as personagens do que antes de começar. E isso, associado ao muito que mundo e personagens têm de peculiar e fascinante, faz com que o percurso se torne cada vez mais intenso e surpreendente.
É uma fase de uma jornada maior. Mas uma fase cheia de surpresas, de momentos marcantes e de intrigas tão intrincadas quanto reveladoras. Cativante pelo percurso, surpreendente pelas mudanças operadas e, acima de tudo, memorável pelas personagens que o povoam, um belo acréscimo a uma série ainda com muito potencial para revelar. 

Autor: Andrzej Sapkowski
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Bertrand

Uma história pungente sobre os laços inquebráveis entre pai e filha, a tentação de fazer de Deus e as suas perigosas repercussões.
Trixie Stone tem catorze anos e está apaixonada pela primeira vez. É a menina dos olhos do pai, uma aluna excelente, bonita e popular, até o seu mundo virar de pernas para o ar com um ato de violência. De súbito, tudo o que Trixie julgava saber sobre a sua família e sobre si própria parece ser mentira. Será possível que o namorado, que um dia fez Trixie tão feliz, seja o mesmo que tenha posto fim à sua infância? Ela diz que sim, o que faz com que o pai, um artista de banda desenhada de brandos modos com um passado turbulento, se disponha ao ir ao inferno e voltar para proteger a filha.
Uma história fortíssima que explora os laços inquebráveis entre pai e filha e levanta a questão: será possível reinventarmo-nos no decurso da nossa vida ou seremos obrigados a carregar os nossos erros para sempre?

Jodi Picoult nasceu e cresceu em Long Island. Estudou Inglês e Escrita Criativa na Universidade de Princeton e publicou dois contos na revista Seventeen enquanto ainda era estudante. O seu espírito realista e a necessidade de pagar a renda levaram Jodi Picoult a ter uma série de empregos diferentes depois de se formar: trabalhou numa corretora e numa editora, foi copywriter numa agência de publicidade e professora de Inglês. Aos 38 anos, é autora de onze bestsellers e em 2003 foi galardoada com o New England Bookseller Award for Fiction.

terça-feira, 24 de julho de 2018

As Vinhas de La Templanza (María Dueñas)

Após anos de luta e de trabalho árduo, Mauro Larrea construiu a sua fortuna com o seu sangue e suor. Por isso, quando descobre que uma decisão errada acaba de o deixar na ruína, não desmorona, procurando antes uma solução que lhe possa abrir caminho para continuar a lutar. Mesmo que seja uma medida desesperada. Voltando costas a tudo e a todos os que conhece, Mauro contrai ainda uma última dívida e deixa o México à procura de uma forma de fazer fortuna rapidamente. Mas o caminho que o levou a Cuba levá-lo-á ainda mais longe - à convivência com uma mulher igualmente determinada e em circunstâncias igualmente desesperadas.
Provavelmente um dos aspectos mais cativantes deste livro é o facto de, num ambiente que é tudo menos a preto e branco e onde não há uma única personagem capaz de despertar uma grande empatia, a história começar desde muito cedo a exercer um estranho fascínio. Mauro Larrea não é o tipo de personagem que desperta empatia - com as suas posições muito vincadas e implacável determinação - mas as circunstâncias desesperadas despertam desde muito cedo a curiosidade em descobrir de que forma sairá do sarilho em que se deixou meter. E, à medida que o enredo avança, com novas conquistas e novos imbróglios, a história vai-se tornando cada vez mais intrigante, ao ponto de ser difícil, por vezes, interromper a leitura.
Não, Mauro não é propriamente a mais empática das personagens. Na verdade, poucas o são, sendo muitas vezes os defeitos mais enraizados que fazem progredir a história. Mas é curiosa a forma como, apesar do maior distanciamento provocado por certas posturas e comportamentos das personagens, esta ambiguidade moral contribui também para realçar o impacto dos grandes momentos. Pode, por vezes, parecer que há uma certa falta de escrúpulos - até ao momento em que são realmente necessários. Além disso, bem e mal não são propriamente conceitos lineares e as escolhas feitas pelas personagens realçam bem esta realidade.
E nem só das personagens vive a história. Há um contexto, uma mentalidade da época que é muitíssimo bem caracterizada neste livro. É fácil imaginar as personagens a mover-se num mundo em que todos os fitam com olhos de quem julga, imaginar o contexto delicado de um império em desagregação e a ascensão e queda meteórica dos que ousam atrever demasiado. E os mundos de origem de Mauro e Soledad, também eles fascinantes e muito bem caracterizados ao longo do livro.
Não é um daqueles livros em que nos apaixonamos pelas personagens. Mas pela história sim. E, com o seu crescendo gradual de intensidade e as revelações que trazem mistérios que trazem novas revelações, esta é uma história cheia de surpresas - e de momentos memoráveis. Uma história que vale a pena descobrir. 

Autora: María Dueñas
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 23 de julho de 2018

Jessica Jones: Alias - Volume 4 (Brian Michael Bendis e Michael Gaydos)

Jessica Jones decidiu deixar de ser super-heroína para trabalhar como detective privada e, embora os casos recentes lhe tenham valido uma certa reputação, o porquê de uma decisão tão drástica nunca foi explicitamente explicado. Mas não há fantasma que fique enterrado para sempre e, quando um grupo de pessoas lhe pede que investigue os crimes de Killgrave, Jessica sabe que tem de enfrentar o passado de uma vez por todas. Pelo caminho, talvez descubra que não está tão só como julgava - que talvez nunca o tenha estado. E, entre medos e revelações, talvez descubra que está finalmente pronta para uma nova fase da sua vida.
Sendo este o último volume da série - ainda que nem de longe o último da história de Jessica Jones - é apenas de esperar que estejam aqui todas as revelações deixadas por fazer nos volumes anteriores. Mas este é o único factor previsível. Que há revelações é evidente. Mas quais e qual o impacto que têm? Bem, isso é toda uma sequência de surpresas. Desde os primeiros momentos de um passado distante ao confronto final com o inimigo do passado, todo o caminho de Jessica ao longo deste livro é feito de imprevisíveis. E o resultado não podia ser senão uma leitura viciante. 
Se dos volumes anteriores sobressaía o contraste entre o ambiente de história de detectives e o vasto e colorido mundo de super-heróis, aqui estes dois elementos convergem num novo equilíbrio. Das origens ao término, os super-heróis - e, na grande maioria, super-heróis famosos - têm agora uma presença dominante, pois o passado de Jessica enquanto uma deles vem finalmente à tona. E, neste aspecto, há ainda uma faceta especial a destacar: além de a história ganhar um ritmo diferente, com muito mais acção e momentos dramáticos, também a nível visual esta mudança tem repercussões. Aliás, os momentos de Safira, da Jessica Jones presente e das suas várias fases no passado têm traços bastante distintos, o que, além de tornar mais claras as linhas que separam os diferentes tempos, realça o contraste entre as diferentes facetas da própria protagonista.
E depois, claro, há a história em si e a forma como a Jessica detective e a Jessica super-heroína se manifestam finalmente no seu todo. Revelada a verdade, a protagonista surge a uma luz diferente: mais complexa, mais marcada pelo passado, mas também mais capaz de lidar com as consequências. E isto é particularmente interessante não só pelo regresso dos antigos fantasmas, mas finalmente pelas muitas possibilidades interessantes que se abrem para o futuro de Jessica Jones.
Com um enredo tão fascinante e diálogos tão surpreendentes como as personagens e o mundo em que se movem, dificilmente se poderia pedir mais a um fim de série. Intenso e cheio de surpresas, corresponde e supera todas as expectativas, deixando ainda uma irresistível vontade de saber mais sobre o futuro da fascinante e misteriosa Jessica Jones. A não perder.

Autores: Brian Michael Bendis e Michael Gaydos
Origem: Recebido para crítica

Vencedor do passatempo Que Sombra te Acompanha

Terminado mais um passatempo, é altura de anunciar quem vai receber um exemplar do livro Que Sombra te Acompanha.

E o vencedor é...

5. Ana Vieira (Santiago do Cacém)

Parabéns e boas leituras!

domingo, 22 de julho de 2018

Insustentável Saudade (Jorge Afonso)

Filho de emigrantes portugueses, José nunca se sentiu totalmente enquadrado em Bordéus. E, apesar dos laços de afecto que o unem à sua namorada, a vida do adolescente é tudo menos tranquila e harmoniosa. Em casa, a mais pequena transgressão é recebida com violência. Na escola, José não vê motivos para se esforçar e, do preconceito de alguns professores, faz causa de toda a sua desgraça. A sua única esperança é o planeado regresso da família a Portugal no espaço de um ano. E, até lá, sobreviver aos maus momentos e desfrutar dos bons, procurando alcançar a tranquilidade possível. Mas, entretanto, o mundo move-se... e o tempo não pára para ninguém...
Retrato das dificuldades da emigração e de uma mentalidade bastante distinta da actual (ainda que com pontos ainda bem presentes), este é um livro que desperta sentimentos contraditórios. Por um lado, as circunstâncias difíceis do protagonista e os paralelismos com tantas outras vidas do mesmo tempo, despertam uma imediata empatia, ao mesmo tempo que levantam várias questões relevantes. Por outro, há pontos e temas que, por falta de uma conclusão vincada ou pela simples aceitação, parecem, talvez, demasiado normalizados. Mas vamos por partes.
A história gira essencialmente em torno da figura de José, adolescente dividido entre dois mundos e a lidar com pequenas e grandes dificuldades no seu caminho. E, sendo ele o cerne de toda a história, é apenas natural que o registo se torne bastante pessoal, no que aos seus sentimentos e dilemas diz respeito. Assim, a escrita cativa principalmente por expor claramente as emoções do protagonista, ainda que por vezes se disperse em descrições de locais e contextos que, embora tornando o texto mais pausado, permitem também uma visão mais clara do cenário global.
É deste cenário global que emergem as questões relevantes: a vida dos emigrantes em França nos anos 80, com as dificuldades, o preconceito e a eterna saudade da terra natal. Mas o mais curioso é a posição de José, nascido em França, mas sentindo-se sempre português, que põe no regresso todas as esperanças de superação das barreiras, barreiras essas em parte erguidas por ele mesmo e em parte pelo mundo que o rodeia. E é aqui que começam os sentimentos contraditórios, pois, se é verdade que José é, em alguns aspectos, vítima, noutros são as suas escolhas a colocá-lo na posição em que se encontra.
A dúvida essencial vem, todavia, de outro aspecto. A vida familiar de José implica castigos pesados, humilhação e violência injustificada. Este é um elemento presente ao longo de toda a história, sendo aliás a base de alguns dos momentos mais angustiantes. E é precisamente por isso que o final deixa tantos sentimentos ambíguos, pois, se faz um certo sentido um final aberto, fim de um ciclo e início de uma nova fase, o facto de deixar em aberto todas estas questões - a violência familiar, o futuro possível, a relação disfuncional de uma família onde a desvalorização do outro é algo de normal e onde parece haver tudo menos amor - parece quase normalizá-las, deixando sem resposta a razão que mais empatia despertou durante todo o percurso.
E assim, ficam portanto sentimentos contraditórios, de uma leitura essencialmente cativante e com vários momentos marcantes, onde por vezes fica demasiado por resolver. Valeu a pena a viagem, ainda assim, a este retrato de um passado não muito distante e de uma saudade ainda e sempre intemporal. 

Autor: Jorge Afonso
Origem: Recebido para crítica

sábado, 21 de julho de 2018

Sonho, Fé e Coragem (José Canita)

Vivemos num mundo em constante correria. As obrigações profissionais, os problemas pessoais e o ritmo acelerado do mundo fazem com que, muitas vezes, falte o tempo para pensarmos no nosso próprio bem-estar. E é esse bem-estar a missão do autor deste livro, resultado de um projecto envolvendo palestras em diferentes pontos do país e uma experiência que é, acima de tudo, algo de pessoal e intransmissível.
Uma das primeiras impressões a emergir desta leitura é a de que, provavelmente, terá um maior impacto para quem tiver lido o livro anterior ou então assistido a alguma dessas palestras. Porquê? Porque os temas são bastante vastos e, apesar disso, cada uma das 75 "inspirações" deste livro não ocupa mais de três páginas. Fica, por isso, a impressão de se ter apenas um vislumbre de algo que possivelmente terá sido mais desenvolvido noutros meios. E, abrangendo questões tão vastas e complexas como os principais problemas de saúde, as relações interpessoais e o próprio bem-estar interior, é inevitável a sensação de que qualquer um destes textos poderia ter sido bastante mais aprofundado.
Olhando para a perspectiva global, é fácil reconhecer uma mensagem positiva: de força para enfrentar os obstáculos, de coragem para lutar pelos sonhos e de cuidado pessoal, para uma melhor qualidade de vida. E bastaria esta mensagem enquanto chamada de atenção para tornar válida esta leitura. Ainda assim, há aspectos que deixam sentimentos ambíguos: desde logo, a já referida brevidade faz com que tudo pareça demasiado "fácil", já que, muitas vezes, o texto se cinge a algumas informações essenciais sobre o tema e um breve reforço positivo. Além disso, vários textos vivem da experiência pessoal do autor na realização do seu percurso, o que acaba por criar uma certa distância face a outras experiências e decisões. É difícil ignorar, nalguns casos, uma certa impressão de julgamento, ainda que a mensagem global seja mais ampla e mais aberta do que esses casos particulares.
Há, ainda assim, algo de muito bom a retirar desta leitura: o exemplo de determinação que moveu o autor a realizar o seu percurso. Além, é claro, da curiosidade em ver mais desenvolvimentos sobre os temas aqui abordados. Pois haverá certamente muito mais a dizer e muitas mais experiências a partilhar - em livro ou nas já referidas palestras.
Fica, pois, a impressão de uma leitura que peca um pouco pela brevidade excessiva com que aborda as várias questões. Mas também de um livro com uma mensagem positiva, alguns exemplos notáveis e um percurso pessoal que, ainda que apenas vislumbrado, denota já algo de admirável. Haveria mais a dizer? Sem dúvida alguma. Mas o que diz tem muito de interessante.

Autor: José Canita
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Deixar Ir (David R. Hawkins)

Às vezes, a vida parece estar dominada por sentimentos negativos: ira, medo, culpa... E superar o peso desses sentimentos parece algo inatingível - ou, pelo menos, só ao alcance de uns poucos iluminados. Mas, segundo este livro, não será bem assim. O primeiro passo para lidar com a negatividade é deixar ir os sentimentos negativos. E os resultados podem ser espantosos, na estabilidade mental... e talvez até para além dela.
Fundindo espiritualidade e auto-ajuda, este é um livro capaz de despertar impressões bastante distintas. Por um lado, abrange muitas possibilidades, não seguindo um método de normas e passos estritos, mas antes uma possível evolução a um ritmo pessoal. Por outro, como todos os métodos, parece abranger possibilidades fáceis de vislumbrar e outras que implicam provavelmente uma certa medida de crença. Ainda assim, o primeiro aspecto a destacar-se é que, apesar de abranger um método vasto e complexo, é possível retirar pontos positivos quer se sigam todas as orientações, quer se escolha apenas aquilo que mais parece encaixar com as crenças e experiências de cada uma. Até porque a escolha é um dos elementos essenciais deste livro.
Outro aspecto que surpreende é o contraste entre a simplicidade da base - deixar simplesmente ir os sentimentos negativos - e a abrangência e complexidade da obra construída à sua volta. Há uma análise aprofundada de todos os elementos, o que torna a leitura mais pausada e exige mais tempo de assimilação, mas permite também ver um todo mais vasto. Além disso, ao abordar diferentes áreas e possibilidades, sai reforçada a possibilidade de retirar partes do todo, beneficiando do que faz sentido durante a leitura independentemente dos sentimentos ambíguos que outros elementos possam despertar.
E esses sentimentos prendem-se essencialmente com o limite das possibilidades: se é fácil entender que uma forma de estar menos negativa resultará num maior bem-estar mental e emocional, a transposição para elementos da saúde física acaba por deixar algumas questões. O conceito de autocura, ou de cura pela fé, implica necessariamente uma dose de crença, o que deixa algumas dúvidas acerca dos reais riscos e possibilidades desse tipo de abordagem. Trata-se, ainda assim, de apenas uma das facetas de um todo bastante mais vasto. E, mesmo de um ponto de vista algo céptico, são mais as coisas positivas a retirar da leitura.
Fica, por isso, essencialmente a impressão de uma leitura interessante e com uma visão bastante abrangente das possíveis consequências de olhar a vida de uma forma menos negativa. Uma obra vasta, mas de leitura agradável, que talvez não apresente todas as respostas, mas de onde é possível, ainda assim, tirar muitos pontos positivos. E uma nova perspectiva, claro. 

Título: Deixar Ir
Autor: David R. Hawkins
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 18 de julho de 2018

O Fugitivo (Mason Cross)

Carter Blake é um homem peculiar. O passado que deixou para trás dotou-o de um talento especial para encontrar pessoas que não querem ser encontradas. Mas, embora o caso que tenha em mãos não seja particularmente complexo, há algo no seu caminho que está prestes a mudar drasticamente. Em tempos, deixou a Winterlong, a organização a que em tempos pertenceu, com uma espécie de pacto de não agressão. Mas a estrutura organizacional alterou-se e o passado está de volta para atar, enfim, todas as pontas soltas. E eis que, habituado a seguir e localizar, é agora Blake quem está em fuga e à procura de uma solução para o problema que não acabe com o seu cadáver largado algures.
Sendo um dos grandes pontos fortes desta série a construção do seu protagonista, não é propriamente uma surpresa que seja este livro, com toda a sua exposição do passado de Carter Blake, o que revela a personagem no seu máximo potencial. Já nos volumes anteriores era uma figura intrigante, com o seu passado tortuoso, a sua postura enigmática e a impressão, apesar de tudo, de um coração no sítio certo. Mas é aqui que tudo é finalmente explicado: a vida de Blake antes da sua estranha profissão, o que levou à partida e de que forma conseguiu garantir alguns anos de relativa paz. Além, é claro, de toda uma sucessão de relações e inimizades passadas que ganham agora toda uma nova dimensão.
E, sendo certo que bastava Carter Blake para tornar a leitura memorável, há ainda muito mais a acrescentar às impressões desta leitura. O enredo, dividido entre o estranho caso de Bryant e a inevitável perseguição a Blake, está todo ele repleto de momentos de tensão e de perigo. Há sempre algo a acontecer, o que torna a leitura viciante, mas há também laivos de emoção e de humor que tornam o todo mais abrangente, além de criarem uma maior proximidade entre leitor e personagens. E a forma como o autor desenvolve a narrativa, num equilíbrio perfeito entre todas as suas facetas, faz com que todos os momentos, grandes e pequenos, tenham o máximo impacto possível.
Mas há ainda um outro aspecto que, presente já nos volumes anteriores, ganha também aqui nova relevância. Enquanto organização secreta e com ampla liberdade de acção, a Winterlong cruza barreiras injustificáveis. E a forma como esse aspecto é abordado, com as consequências que teve na vida de Blake, mas não só, desperta a sempre pertinente questão do que é ou não aceitável em nome de uma suposta segurança.
De tudo isto resulta uma leitura viciante, cheia de surpresas e com um protagonista que nunca deixa de cativar. Intenso, poderoso e com um equilíbrio deveras eficaz entre acção, humor e questões de consciência, um livro que eleva ainda mais as expectativas para o que poderá ser o futuro do enigmático Carter Blake. Muito bom. 

Título: O Fugitivo
Autor: Mason Cross
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 17 de julho de 2018

Jessica Jones: Alias - Volume 3 (Brian Michael Bendis e Michael Gaydos)

Longe vão os tempos em que Jessica Jones era uma super-heroína... mas isso não significa que tenham deixado de lhe acontecer coisas estranhas. E, quando encontra uma desconhecida em casa, com um fato de Homem-Aranha e num estado bastante deplorável, Jessica não pode deixar de procurar respostas. Para as primeiras, bastam alguns contactos. Trata-se de Mattie Franklin, uma adolescente que assumiu o papel de Mulher-Aranha. Mas o que lhe aconteceu - e porquê - já é uma questão mais complexa. E, sem que tenha sido propriamente contratada para resolver o caso, Jessica dá por si a seguir as pistas - e a envolver-se em situações delicadas - para devolver Mattie à sua antiga vida.
Um dos aspectos mais intrigantes desta série é o facto de, mesmo ao terceiro volume, continuar a haver espaço para muitas - e impressionantes - surpresas. Chegados a este ponto, é fácil sentir que se conhece (pelo menos tão bem quanto possível) a protagonista e aquilo que a move, mas as circunstâncias e a forma como Jessica lida com elas nunca deixam de surpreender. Além disso, bastariam os elos comuns a todos os livros desta série - equilíbrio de géneros, enredo intenso, arte e texto simplesmente viciantes e personagens fortíssimas num universo vasto - para fazer deste terceiro volume uma leitura imperdível.
Mas há mais. Há sempre mais a cada novo livro. E, tal como aconteceu com o anterior, também aqui o enredo central é perfeitamente independente dos anteriores, mas há ligações que ganham outro impacto com o conhecimento prévio do que aconteceu antes. Presenças discretas, mas relevantes, como as de J. Jonah Jameson e, claro, do enigmático Matt Murdock, adquirem outro significado se soubermos a que "coisas do passado" se está Jessica a referir. E, tal como toda a base é independente, também o final é bastante conclusivo... mas há pequenas coisas. Pequenas coisas que deixam uma enorme curiosidade em descobrir o que se segue. 
Ainda uma última nota para o contraste entre a vastidão do universo em que estes livros se enquadram - ao ponto de, por vezes, ser difícil decidir por onde começar a explorar o imenso universo Marvel - e a facilidade com que se entra neste ambiente e na vida destas personagens. Sim, há figuras sobejamente conhecidas - seja de outros livros ou da televisão - que surgem apenas de forma algo secundária. Mas todo o essencial está contido nesta série. E, claro, fica a vontade de descobrir mais - sobre Jessica e sobre os outros - mas nada de fundamental fica por dizer. Para o resto, haverá outros livros. Outras histórias. E esta tem tudo aquilo de que precisa. 
Visualmente fascinante e com um enredo cheio de surpresas e de momentos notáveis, fica, mais uma vez, a impressão de uma leitura intensa e viciante, com personagens tão misteriosas quanto a imensidão do universo a que pertencem. Mais que à altura das expectativas, um livro a não perder numa série toda ela memorável. Recomendo. 

Autores: Brian Michael Bendis e Michael Gaydos
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 16 de julho de 2018

1001 Coisas que Nunca te Disse (Catarina Rodrigues)

Era um amor que devia durar para sempre... até ao dia em que acabou. E Sara pode ter sido enganada, mas o amor ficou, ainda assim, para lá da revolta e do ultraje. Por isso, movida pelo desgosto, começa a escrever cartas. Cartas a David, que nunca as lerá. E, nessas cartas, revisita a sua história, não só do amor que partilharam, mas também da infância e da vida que a moldou tal como é e da vida que veio depois de David. Porque em tudo pode haver uma aprendizagem e, teimosa e determinada, Sara não está disposta a deixar-se derrubar. Muito menos pelos seus próprios sentimentos.
Parte romance e parte introspecção, este é um livro feito de uma mistura de normalidade e de surpresas. Normalidade, porque grande parte da história é feita das coisas normais da vida: paixões, vida profissional, saídas com amigos, pequenas e grandes perdas, desgostos e superações. Surpresas, porque há todo um passado difícil na sombra da protagonista e um conjunto de revelações que, pelo impacto com que surgem, não deixam de ter um efeito de choque.
Não é uma história linear. Escrita maioritariamente na forma de cartas da protagonista, oscila entre diferentes pontos das suas memórias, percorrendo ainda longas reflexões e perspectivas. É, por isso, uma história pessoal e, às vezes, contraditória, pois a forma como Sara vê o mundo é imperfeita - como o são todas. Tem uma visão única e só sua - mas cai, por vezes, nas inevitáveis generalizações. Percorre um caminho de superação, mas acaba por cair nas inevitáveis repetições. E o resultado são sentimentos contraditórios, pois nem sempre é fácil entender as suas escolhas e a sua visão do mundo. Mas também uma certa impressão de realismo - pois, na história como na vida, opiniões e perspectivas são algo em constante mutação.
Fica também muito em aberto, não só sobre a vida de Sara depois desta longa relação interna com o seu próprio desgosto de amor, mas também sobre certas partes do passado, principalmente a vida familiar. E, claro, é inevitável a curiosidade insatisfeita, pois há muito nessa parte da história a gerar tensão e possibilidade. Mas também faz um certo sentido que assim seja, não só porque a Sara que escreve as cartas está a lidar com dificuldades mais recentes, mas principalmente porque a intenção da própria protagonista é afirmar-se como mais do que o seu passado.
Tudo somado, fica a impressão de uma leitura cativante e surpreendente, apesar das suas voltas e contradições. Com uma escrita envolvente e um registo pessoal, uma história única, mas que permite vários pontos de identificação, e por isso mesmo mais viva e equilibrada. Interessante e bem escrita, uma boa leitura, em suma.

Autora: Catarina Rodrigues
Origem: Recebido para crítica

domingo, 15 de julho de 2018

A Mulher de Einstein (Marie Benedict)

Mileva Maric sabe que as suas origens e a condição de mulher serão sempre um obstáculo ao seu sonho de uma vida de sucesso no mundo da ciência, mas não está disposta a deixar-se travar por qualquer barreira. É por isso que, quando chega a Zurique para frequentar o curso de física, leva também consigo a determinação necessária para enfrentar todos os problemas e humilhações. Não está à espera é de se apaixonar pelo seu pouco convencional, mas estranhamente encantador, colega. Albert Einstein não é como os outros homens e promete-lhe, além do seu afecto, uma vida de companheirismo e de colaboração científica. E, apesar da resistência inicial, Mileva acaba por deixar-se encantar. Só que o sonho começa a tornar-se cada vez mais difícil e Albert está muito longe de ser o cavalheiro por quem Mileva se apaixonou...
Basta a premissa deste livro para despertar uma certa curiosidade para a história: afinal, é sabido que há muitas mulheres cujo papel nos avanços científicos do seu tempo foi passado para segundo plano ou deixado no anonimato. E, ao acompanhar a história de uma dessas figuras, a autora constrói, logo à partida, um enredo cativante e cheio de potencial. Criam-se expectativas e, embora nem tudo seja fácil de assimilar, essas expectativas são totalmente atingidas, no que é uma leitura envolvente, surpreendente e repleta de momentos emotivos.
Era apenas de esperar uma visão diferente da que normalmente vem à cabeça ao pensar em Einstein. Mas não é apenas diferente: é perturbadora. O Albert Einstein deste livro está longe de ser apenas o académico brilhante, embora tenha ainda também a natural medida de brilhantismo. O que fica deste retrato é um homem que começa por ser encantador, mas que se transforma em alguém cruel, indiferente e centrado apenas nos seus próprios feitos. O que cria, é certo, uma certa distância, pois a história passa do companheirismo científico para um percurso familiar condenado ao fracasso. Mas também uma história emocionalmente intensa, pois torna-se assustadoramente fácil sentir com Mileva - e por Mileva.
E, sendo verdade que nem sempre é fácil gostar das personagens, ou entender as decisões que tomam, esta visão tudo menos simples e alegre de uma relação que se transforma em pesadelo ganha outro impacto por ser protagonizada por um dos grandes da ciência. Além, é claro, da forma sempre intensa e surpreendente que a autora tem de dar aos momentos mais emotivos o máximo impacto possível. Mais que uma história de ciência, é também uma história de descoberta pessoal e de desencanto, de amor e desilusão, de perda e de reconstrução. E no fim é isso que fica na memória - a intensidade das emoções e as sombras que se escondem sob uma aparente harmonia.
Cativante, com momentos belíssimos e um enredo capaz de construir para uma das grandes descobertas científicas toda uma nova possível perspectiva, trata-se, pois, de uma leitura surpreendente, com personagens que, nem sempre fáceis de compreender, se entranham, apesar de tudo, da memória. Uma boa história, portanto, e uma que vale a pena ler.

Autora: Marie Benedict
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Rimas (Francesco Petrarca)

Há nomes que dispensam apresentações. E, com a sua poesia e a sua eterna e misteriosa Laura, Petrarca será, sem dúvida alguma, um deles. Primeiro, pela influência da sua obra em muitos outros poetas. Mas principalmente pela obra em si e pela forma como Laura, o mundo, os homens e a inspiração ganham vida em cada um destes poemas.
Não há propriamente nada de muito revelador para dizer quando se fala de um nome de tão grande fama como o de Francesco Petrarca. E, talvez por isso, dispensam-se as análises e as interpretações. Não é um autor que se estude na escola - ainda que o nome surja enquanto influência de alguns dos que, de facto, se aprendem - e, assim sendo, uma das primeiras coisas a destacar neste livro é, naturalmente, a introdução completa e esclarecedora, que permite conhecer melhor o contexto histórico e a vida e obra do poeta. Mas, mais do que isso, impressiona a forma como, com conhecimento prévio ou sem ele, é possível mergulhar simplesmente na poesia e apreciar o génio, a fluidez, a harmonia: a beleza, em suma.
Cada poema vale por si mesmo, até porque não há nenhum que não deixe a sua marca. Há, ainda assim, duas perspectivas mais globais a ter em conta. Primeiro, a sensação de unidade que emerge de um conjunto onde, esquiva e enigmática como é, a misteriosa Laura é o elo dominante. E depois o reconhecimento de influências futuras, pois há versos que possivelmente soarão familiares, ao recordar certas obras da poesia portuguesa.
É, naturalmente, um livro que exige o seu tempo, não só pelos muitos elementos a descobrir e assimilar, mas principalmente porque cada poema merece ser lido com a máxima atenção. Mas é, acima de tudo, uma obra admirável, que, lida ao ritmo da rima e da inspiração, cativa tanto numa leitura sequencial como num - inevitável - regresso posterior aos poemas mais marcantes. É um todo vasto e admirável - mas cada parte é também um todo. 
Há obras que, tanto pelo génio como pela influência exercida na História, se tornam simplesmente essenciais. Esta é uma delas. Um livro feito de amor e de inspiração e uma obra poética a recordar para sempre. Deveras impressionante. 

Título: Rimas
Autor: Francesco Petrarca
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidades Bizâncio

«Permitam que me apresente. Chamo-me Carlos Magdalena e sou apaixonado por plantas.
Em 2010 fui apelidado de «El Mesías de las Plantas» por Pablo Tuñón, um jornalista que escreveu sobre o meu trabalho no jornal espanhol La Nueva España. Suspeito de que o nome se inspirou em parte na minha barba e cabelo compridos pós-bíblicos, bem como no facto de eu dedicar uma grande parte do meu tempo a salvar plantas que se encontram à beira da extinção.» O Messias das Plantas - Introdução

O Messias das Plantas é a história inspiradora de um homem que dedicou a sua vida – e a arriscou – em prol da salvação de espécies ameaçadas, sempre com o desígnio de fazer do planeta Terra um sítio mais verde e feliz.

Em 2016, Jay, o filho de Yuki, torna-se pai, convicto de que tem um casamento feliz. É o ano em que confrontará a sua mãe, que o abandonou quando tinha apenas dois anos.
Escrito com inquietante beleza, Inofensivas, Como Tu, é um romance pleno de suspense acerca das complexidades da identidade, da arte, das amizades da adolescência e dos laços de família que, em última instância, nos coloca perante a questão: Como abandona uma mãe o seu filho? 
Uma narrativa brilhante de amor, solidão e reconciliação.

«Um romance elegante e comovente, cuja intensidade cresce à medida que a narrativa evolui, explorando as questões da pertença, alienação e desejo.» Daily Mail

quinta-feira, 12 de julho de 2018

Pranto de Maria Parda e Auto da Barca do Inferno (Gil Vicente)

Dispensa apresentações o Auto da Barca do Inferno, com o seu anjo, o seu diabo e os passageiros com os seus pecados (mais ou menos) secretos. Maria Parda, essa, talvez seja um pouco menos conhecida, com os seus lamentos pelo preço do vinho. Mas há algo que todos aprendemos na escola: o papel fundamental de Gil Vicente no teatro português. E é por isso que, seja esta leitura um regresso ou simples primeiro contacto, a relevância é ainda e sempre a mesma. Até porque há aspectos que não podiam ser mais actuais.
Antes de falar da obra propriamente dita - e escusado será dizer que há nelas motivos mais que suficientes para fazer com que a leitura valha a pena - importa falar um pouco desta edição. Além de ser um livro bonito, como é, aliás, característica desta colecção de clássicos, é também um livro bastante completo, pois ao texto propriamente dito acrescenta uma introdução bastante útil para compreender o percurso do autor e o contexto do seu tempo e todas as notas e explicações necessárias para apreciar o sentido da peça. É, pois, um livro em que é a obra central que domina, mas a que as explicações sucintas, mas esclarecedoras, dão uma maior abrangência.
Quanto aos textos em si, não haverá muito a dizer que vá além da análise exaustiva feita, em tempos, na escola, pelo menos no que ao Auto da Barca do Inferno diz respeito. Mas, primeiro, é sempre um prazer reencontrar estas tão caricatas e certeiras personagens. Além disso, as características da sociedade que representam podem ter ganhado formas um pouco distintas, mas continuam, na maioria, a estar bem presentes. E quanto a Maria Parda... bem, também a sua relação com o vício continua a ter muito de actual, ainda que a forma possa ter também mudado.
Ainda um último aspecto que é especialmente agradável redescobrir é a estrutura do texto. A rima, com toda a sua naturalidade, as expressões bizarras, a forma como a própria linguagem parece adaptar-se à forma de expressão das personagens... há em tudo isto uma fascinante mestria, que não perdeu nenhuma força com a passagem dos séculos. Aliás, há pequenas coisas que ganham outro sentido nesta nova leitura mais tardia, o que faz deste livro uma obra a que vale sempre a pena regressar.
Dispensa apresentações - e também não é que precise de elogios, sendo, como é, uma parte essencial da história da literatura portuguesa. Mas não deixa de ser especialmente marcante este regresso a uma tão conhecida história - e a percepção de que muito do que foi escrito então poderia muito bem dizer-se também agora. Vale a pena ler? Claro. E reler também. Várias vezes.

Autor: Gil Vicente
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Bertrand

Bill Hodges, que agora gere uma agência com a colega Holly Gibney, fica intrigado com a letra Z escrita a marcador na cena de um crime para que são chamados. À medida que se vão acumulando casos idênticos, Hodges fica espantado ao perceber que as pistas apontam para Brady Hartsfield, o célebre «assassino do Mercedes» que eles ajudaram a condenar.
Devia ser impossível: Brady está confinado a um quarto de hospital num estado aparentemente vegetativo. Mas Brady Hartsfield tem novos poderes letais. E planeia uma vingança, não só contra Hodges e os seus amigos, mas contra a cidade inteira.

Stephen King é um dos mais populares autores contemporâneos. Escreveu mais de quarenta livros, incluindo A Cúpula e 22/11/63.
Recebeu diversos prémios literários ao longo da sua carreira, incluindo o Bram Stoker Award, o World Fantasy Award, o Nebula Award e o prestigiado National Book Award. Conta hoje com mais de trezentos milhões de exemplares vendidos em cerca de trinta e cinco países.
Números e um currículo impressionantes a fazerem jus ao seu estatuto de escritor mais bem pago do mundo.

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Mulheres da Noite (Sara Blædel)

Quando uma mulher é encontrada degolada numa zona de reputação duvidosa, não é difícil chegar à conclusão de que, muito provavelmente, a vítima seria prostituta. Mas há algo de estranho em todo o cenário e Louise Rick cedo percebe que se trata de muito mais do que um cliente que se tornou demasiado agressivo. Afinal, há todo um submundo a operar naquela zona e a violência não é ali algo de novo. Entretanto, no que parece ser um incidente sem qualquer relação com o caso, um bebé é abandonado na igreja e encontrado pelo filho de Camilla, a melhor amiga de Louise. E também esse mistério precisa de respostas - que, tal como no outro caso, serão muito mais complexas do que, à primeira vista, seria de esperar.
Um dos primeiros aspectos que importa referir sobre este livro é que é cronologicamente anterior  a As Raparigas Esquecidas. Aqui, vemos Louise Rick num departamento diferente, com colegas diferentes e uma vida ainda bastante distinta da que nos é apresentada nos outros livros da autora. E isso é interessante não só porque permite conhecer um pouco melhor o que conduziu a protagonista ao que já conhecemos dela, mas também porque é aqui que se encontra a história de como nasceu a relação entre Louise e Jonas. 
Bastaria isto para fazer com que a leitura valesse a pena, até porque também para Camilla se verifica a mesma situação - há uma Camilla diferente da que nos é apresentada nos outros livros. Mas também esta história tem muito de fascinante, independentemente da relação com acontecimentos futuros. A começar, desde logo, pelo desenvolvimento dos dois casos, que, além de vários momentos de tensão, de uma aura de mistério irresistível e de várias descobertas impressionantes, aborda um cenário global tão perturbador quanto relevante. O mundo da prostituição, do tráfico humano, o aproveitamento dos mais vulneráveis por dinheiro - tudo isto está bem presente nesta história e, ao afectar as personagens, deixa também uma marca mais intensa no leitor.
E há um equilíbrio estranhamente delicado na forma como a autora entretece todas as facetas da sua narrativa, num enredo que é ao mesmo tempo complexo e viciante. O caso é complicado. Os meandros em que os criminosos se movem são-no ainda mais, principalmente tendo em conta o tipo de influências que conseguem conquistar. E as consequências são sempre terríveis quando se põe em causa um sistema estabelecido. A forma como a autora relaciona todos estes elementos, construindo um caso sólido e em que se obtêm todas as respostas essenciais, mas em que para nada há uma solução simples torna tudo mais marcante e realista. As mortes, as revelações, os fracassos - e o final que, longe da conclusão limpa e perfeita, é ainda mais marcante pelo facto de corresponder à complexidade real das coisas. 
Intenso, cativante e cheio de revelações, bastam as primeiras páginas para prender a curiosidade em relação a este livro. E uma vez lá dentro, é impossível sair antes do fim. Vale a pena, então, conhecer esta parte do passado de Louise Rick? Sem dúvida alguma. 

Autora: Sara Blædel
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidades Marcador

Quando Ruby acorda no seu décimo aniversário, algo nela mudou. Algo suficientemente alarmante para os pais a trancarem na garagem e chamarem de imediato a polícia. Um fenómeno inexplicável arrancou-a à vida que sempre conheceu e mandou-a para Thurmond, o assustador campo de reabilitação do governo destinado aos sobreviventes. Ruby não sucumbiu à doença misteriosa que aniquilou a maioria das crianças nos Estados Unidos, mas ela e os outros prisioneiros tornaram-se algo muito pior, porque desenvolveram habilidades mentais poderosas que não conseguem controlar.

Alexandra Bracken nasceu e cresceu no Arizona, Estados Unidos. Depois de terminar o ensino secundário, frequentou a Universidade William & Mary, na Virgínia, onde se formou em Inglês e História. Escreveu o seu primeiro romance no último ano de faculdade e depois mudou-se para Nova Iorque, onde trabalhou numa editora de livros infantis. Após seis anos, arriscou e decidiu passar a escrever a tempo inteiro.
Actualmente, vive no Arizona, com o seu cão, Tennyson, numa casa cheia de livros.

Antes de encontrarem os seus felizes para sempre, Amberly, Maxon, Aspen e Marlee tinham outras histórias para contar...
Esta coletânea traz os contos «A Rainha», «O Príncipe», «O Guarda» e «A Favorita», ilustrados e com introduções inéditas de Kiera Cass. Conheça o príncipe Maxon antes de ele se apaixonar por America, e a rainha Amberly antes de ser escolhida por Clarkson. Veja a Seleção através dos olhos de um guarda que perdeu o seu primeiro amor e de uma Selecionada que se apaixonou pelo rapaz errado. Encontrará, ainda, cenas inéditas da série narradas pelos pontos de vista de Celeste e Lucy, um texto a contar o que aconteceu às outras Selecionadas depois do fim da competição.
Um livro essencial para os fãs de A Seleção, que poderão mergulhar mais nesse universo tão apaixonante.

Kiera Cass é a autora da série «A Seleção», um bestseller No 1 da lista do New York Times.
Formou-se na Universidade de Radford e vive actualmente em Blacksburg, na Virginia, com a sua família. Kiera passou os primeiros dezanove anos da sua vida junto do mar, que nunca tentou devorá-la.

Para mais informações, consulte o site da Marcador Editora aqui.

terça-feira, 10 de julho de 2018

Jessica Jones: Alias - Volume 2 (Brian Michael Bendis e Michael Gaydos)

O seu passado de super-heroína deu a Jessica Jones uma reputação especial no que toca a investigar casos que envolvam mutantes e gente com super-poderes. Mas aquele caso é diferente. Numa aldeia do interior que parece ter parado no tempo, pelo menos em termos de mentalidade, uma rapariga desapareceu. E, embora estejam a ser feitos esforços no sentido de a encontrar, as coisas parecem emaranhar-se num nó de ressentimentos pessoais e racismo mal disfarçado. Mas Jessica tem um talento natural para fazer as perguntas em que ninguém pensou e há algo na jovem desaparecida que lhe desperta especial curiosidade. Talvez resolver o caso não seja afinal o mais difícil, mas antes lidar com os envolvidos e com o que poderá vir depois.
À semelhança do que acontece com o primeiro volume, um dos aspectos mais cativantes neste livro é a fusão equilibrada entre o mundo da investigação privada e o dos super-heróis. Há, aliás, uma presença bastante pertinente, ainda que sempre discreta, destes ao longo da história que, sem perder de vista a linha central do enredo, insinua várias ligações interessantes. E, sendo uma simples investigação de pessoa desaparecida num mundo onde há muito fora do "normal", este cruzamento de aspectos abre caminho também a várias questões pertinentes: nomeadamente o preconceito face à diferença e a mentalidade fechada que prevalece, por vezes, nos meios mais pequenos.
Outro aspecto que importa destacar é que, seguindo um caso principal - e um segundo mais breve, mas igualmente intrigante - com princípio e fim, este livro pode ler-se independentemente do anterior. Há, ainda assim, pequenas referências e reencontros, além de uma certa evolução da própria protagonista, que fazem com que valha especialmente a pena seguir a história de Jessica desde o início. Até porque reviravoltas, surpresas e revelações são coisa que nunca falta na vida de Jessica Jones.
Também aqui este equilíbrio entre mundos se reflecte também no aspecto visual, não só pelo ambiente típico de uma história de detectives e pelo vincado contraste com a cor do mundo dos super-heróis (ou, bem, de alguns), mas principalmente pelos contrastes que emergem da própria história. O enredo central, os esboços de Jessica e, depois, a história da identidade secreta do Homem-Aranha têm, cada um, um traçado específico que, além de criar uma distinção entre as diferentes facetas do livro, reforça o equilíbrio entre estas mesmas facetas.
E há Jessica, claro, e importa sempre falar de Jessica, uma personagem de moral aparentemente ambígua, mas que, nos momentos realmente importantes, revela ter a consciência no sítio certo. E, além disso, dotada de um sentido de humor tão bizarro como fascinante e de um potencial de crescimento que nunca deixa de surpreender.
Eis, pois, um segundo volume que corresponde inteiramente às expectativas, elevando-as ainda mais para o que virá a seguir. Intenso, enigmático e surpreendente, tanto nos temas como nos acontecimentos, um livro para devorar de uma assentada. E para recordar, depois.

Autores: Brian Michael Bendis e Michael Gaydos
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Chama-me pelo Teu Nome (André Aciman)

Todos os anos no Verão, os pais de Elio recebem um hóspede na sua casa em Itália. As poucas semanas que ele ali passa pretendem ser intelectualmente enriquecedoras e, acima de tudo, uma experiência a recordar. Mas aquele ano será diferente e basta um primeiro olhar a Oliver para Elio ter a certeza disso. Mais velho, mais belo e com uma postura simultaneamente descontraída e distante, Oliver desperta em Elio os primeiros laivos de um desejo sem nome. E à medida que os dias passam e o sentimento se aprofunda, há algo de inevitável a crescer entre os dois - tão inevitável na intensidade do fogo como na despedida que terá de lhe suceder.
História de crescimento, de desejo e de descoberta, uma das primeiras coisas a surpreender neste livro é a mistura de estranheza e naturalidade com que tudo parece decorrer. Estranheza porque o próprio protagonista não sabe, muitas vezes, o que quer e o que deve fazer ou sentir. Naturalidade, porque também isso faz parte do seu processo de crescimento e, por isso, todas as revelações, pequenas e grandes, a ocorrer no seu interior fazem um certo sentido. 
Também bastante surpreendente é como, a esta naturalidade, surge associada uma certa ambiguidade sem regras. As leis do comportamento social e o julgamento dos outros passam para segundo plano face à força do desejo e ao sentimento progressivamente mais profundo que vai crescendo entre os protagonistas. Mas é também mais do que isso. Dividido entre o que quer e o que julga dever querer, Elio tem muitas vezes sentimentos contraditórios face ao que está acontecer consigo. Talvez por isso faça especial sentido a forma como tudo termina, com as respostas necessárias, mas também com muitas possibilidades em aberto. Pois fica uma certa sensação de insatisfação ante o que poderia ser - e nunca chega a ser contado - mas também a impressão de um fim estranhamente adequado: que deixa as personagens no fim de algo, que pode ser também o princípio de algo diferente.
E tudo isto emerge não só do comportamento das personagens, mas também dos próprios pensamentos e sentimentos de Elio. A ambiguidade das suas emoções, a intensidade dos momentos de mudança, o encanto e a sensualidade graduais que vão emergindo das suas relações, tudo isso ganha outro impacto pelo registo único que o autor confere à narrativa. Nem sempre é fácil compreender Elio, mas é muito fácil visualizar os seus dilemas. E isso é também uma espécie de magia estranha.
Feita tanto de revelações como de possibilidades, trata-se, pois, de uma história onde o pensado e o proferido são tão importantes como os actos em si. Um livro de fascinantes ambiguidades, mas que contém, no que conta e no que deixa por dizer, a sempre fascinante intemporalidade do amor. Basta isso para que a leitura valha a pena. E já é muito. 

Autor: André Aciman
Origem: Recebido para crítica

domingo, 8 de julho de 2018

O Poder da Música (Osseily Hanna)

A música tem o poder de romper todas as barreiras - mesmo em zonas de conflito, de pobreza ou de divisão. E é esta certeza a base do percurso do autor, que, visitando diferentes regiões do mundo, apresenta aqui vários grupos e pessoas que, através da música, encontraram uma forma de contribuir para um mundo melhor e para uma melhor convivência. Histórias de força e de beleza encontradas nos cenários mais difíceis - e que, por isso, é tão importante conhecer.
Sendo tão vasto o mundo e tão complexos os conflitos e divisões que nele existem, é apenas natural que uma das primeiras impressões a surgir desta leitura seja a de que qualquer das suas histórias bastaria para dar um livro. As complexidades do contexto, as dificuldades, os estigmas e preconceitos e a ameaça da violência são algo de tão presente na vida destas pessoas que, para compreender a fundo aquilo que fazem, seria provavelmente necessário dizer ainda muito mais. Ainda assim, o fundamental está lá e, destes capítulos relativamente breves, mas muitíssimo bem construídos e capazes de transmitir uma visão global bastante clara, fica-se com uma muito boa ideia da coragem e da magia que estas pessoas estão a operar no seu recanto do mundo.
Além disso, se cada percurso é um todo em si mesmo, há uma imagem global que emerge desta leitura do conjunto: a forma como a música pode influenciar para melhor todo o tipo de contextos e condições. As dificuldades existem, e não desaparecem por magia, mas a forma como a música molda a vida destas pessoas em algo de melhor é realmente um poder mágico, e o autor transmite este poder na perfeição.
Fica, claro, a vontade de saber mais sobre estas pessoas e os seus projectos, bem como o próprio ambiente em que se movem. Mas há uma precisão na forma como o autor conta as coisas que, associado a um registo pessoal, assente nas suas próprias experiências do local, que torna tudo muito nítido, realçando o que cada história tem de mais único e também o que tem de mais universal.
Tudo somado, fica a imagem de uma leitura cativante e, principalmente, de um livro capaz de realçar a união num mundo repleto de divisões. Uma união construída a partir da música, e que enfatiza, acima de tudo, o que as pessoas têm em comum, e não o que as separa. Interessante e pertinente, uma boa leitura, em suma. 

Autor: Osseily Hanna
Origem: Recebido para crítica