segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

O Castelo dos Animais, Vol. 3: A Noite dos Justos (Xavier Dorison e Félix Delep)

A vitória foi amarga, e as conquistas alcançadas pagaram-se em sangue e dúvidas. Agora, Miss B pergunta-se se valeu a pena e os outros animais não sabem bem o que fazer. Afinal, Sílvio mantém o poder e quase tudo permanece igual. Mas a luta não se esgotou e, se Miss B conseguir superar os seus próprios medos e mobilizar os seus amigos, talvez o caminho para a liberdade se possa finalmente abrir.
Ao terceiro volume desta surpreendente e emotiva história, torna-se ainda mais vincado o que já de início era evidente: que esta história de animais é muito mais do que isso. São, aliás, muito claros os paralelismos com as realidades do mundo, as lutas, os regimes autocráticos e as revoluções que o defrontam. E construir este contraste com estes animais como protagonistas é contrabalançar com uma enternecedora dose de inocência um leque de questões de grande relevância.
Outro aspeto a salientar é o crescendo de intensidade que marca o ritmo desta série. À medida que as lutas se tornam mais complexas, também os riscos se tornam maiores e as consequências mais pesadas. E, assim, não faltam momentos tensos, picos de emoção e rasgos de pura empatia, pontilhados por uma saudável dose de inocência e de humor a recordar o porquê de se continuar a lutar.
E, claro, importa realçar de novo a beleza do aspeto visual, sobretudo nos cenários, e a poderosa expressividade que planta todo um leque de emoções nas feições destas personagens. Os diálogos são poderosos, é verdade, mas muito é dito também numa simples expressão.
Nova luta, nova aventura, nova etapa na revolução, o que fica desta nova história é, acima de tudo, a sensação de um novo passo rumo ao culminar da liberdade. É essa sensação de proximidade com o caminho destas personagens que torna tudo tão intenso. Tão memorável. Tão belo.

domingo, 1 de janeiro de 2023

O Primeiro Erro (Sandie Jones)

Alice sofreu uma grande perda, mas, apesar de as marcas terem ficado, parece ter reconstruído a sua vida. Tem um marido que a apoia, duas filhas a quem ama acima de tudo e uma carreira de sucesso. Ainda assim, no momento em que o seu negócio parece estar à beira de uma grande evolução, estranhos acontecimentos começam também a surgir. O marido, que sempre lhe pareceu fiel, começa a ter comportamentos suspeitos, e tudo indica que possa andar a ter um caso. E é na sua grande amiga, Beth, que Alice procura conforto. Só que também Beth tem os seus segredos obscuros.
Parte da grande força deste livro está na fina linha que separa a harmonia perfeita do colapso absoluto, com base numa sucessão de segredos e suspeitas. E isto implica necessariamente uma boa medida de reviravoltas. O que acontece, portanto, é que a história arranca a um ritmo relativamente pausado, de harmonia familiar sacudida por pequenos mistérios, e vai gradualmente ganhando intensidade, culminando num final intenso e cheio de surpresas.
Nem tudo é imprevisível, importa dizer, e os suspeitos são relativamente fáceis de identificar, mas também isto tem um efeito curioso.  É que, mesmo quando as identidades se tornam evidentes, há sempre surpresas à espreita, seja nos motivos, nas relações ou no inevitável confronto.
Finalmente, importa destacar um estilo de escrita relativamente direto, mas bastante eficaz no que toca a transmitir emoções e, sobretudo, o estado mental das personagens. O desconcerto, quando surge, é quase tangível, e o mesmo se aplica ao impacto psicológico dos golpes, o que resulta numa leitura mais envolvente e mais próxima.
Relativamente pausado, de início, mas com um crescimento sólido e uma envolvência constante, trata-se, em suma, de um livro que prende aos poucos para depois surpreender até ao fim. Vale, pois, a pena conhecer esta história. 

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Balanço de 2022

2022. O ano da correria da boa. Cheio de desafios, de atividade e de coisas em geral com que me ocupar. O que significa que a leitura foi mais reduzida que o habitual: 115 livros ao todo.
Ainda assim, não faltaram leituras marcantes, como não podia deixar de ser. E não podia deixar de se cumprir a tradição de partilhar os favoritos do ano. Assim, sem mais demoras, eis a lista:




Conhecem-nos? Leram? Gostaram? Contem-me tudo!

E, entretanto, sem propósitos específicos, mas com a vontade de sempre, fica a certeza: mais correria, menos correria, continuaremos a ver-nos por cá. Até para o ano!

terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Saga - Volume Dez (Brian K. Vaughan e Fiona Staples)

Passaram anos desde que um acontecimento drástico mudou a vida de Hazel e da mãe, e foram muitas as decisões difíceis que tiveram de tomar para sobreviver. Agora, o caminho tornou-se ainda mais ambíguo, a luta pela sobrevivência exige precaução e desconfiança e os contactos feitos pelo caminho escondem também os seus próprios segredos. E Hazel vai crescendo, a vida vai continuando.. e a cada nova esperança sucede uma nova perda.
Após a conclusão devastadora do último volume, a que se seguiu um longo hiato, é impossível não começar por referir o poderosíssimo impacto emocional deste regresso. Esperanças que ficaram veem-se reduzidas a pó, o impacto das perdas é quase palpável e, mais uma vez, o caminho vai evoluindo entre oscilações de esperança e devastação - com particular destaque para o final, naturalmente, mas com uma presença vincada ao longo de todo o percurso.
O facto de também na história terem passado anos, tem também outro desenvolvimento interessante: traz consigo novas personagens, o crescimento de algumas já conhecidas e um trajeto mais concentrado do que noutros volumes. Há, pois, mais entradas em cena do que reencontros, com a história mais centrada em Hazel, mas sem perder de vista o contexto global. E há ainda uma presença secreta, maioritariamente invisível, mas subjacente a grande parte dos acontecimentos: Marko.
Mantêm-se, de resto, todas as qualidades dos livros anteriores: a expressividade dos rostos, a exuberância e a diversidade das personagens, a abundância de cor e de cenários singulares e um delicioso equilíbrio entre drama e ação, emoção transbordante e humor certeiro, inocência e desolação. Tudo convergindo para uma aventura viciante cujo potencial parece ainda bem longe de se esgotar.
Regresso demorado, mas fortíssimo, com a mesma vida abundante, a mesma intensidade irresistível e a mesma emoção devastadora, este décimo volume é Saga em toda a sua glória,  correspondendo integralmente às expetativas e prometendo ainda mais para o que virá.  Belíssimo, poderoso, memorável, é prodigioso, em suma. Como sempre.

sábado, 24 de dezembro de 2022

Feliz Natal


Não faltem neste dia a luz e a magia,
O amor, a esperança e o conforto das memórias,
Com as palavras que sempre são o nosso refúgio 
E a promessa de novas histórias ao virar da próxima página. 

Feliz Natal. 

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Bug - Livro 3 (Enki Bilal)

Cada vez mais assolado por mistérios, conflitos e ideologias em colisão, o mundo vai-se tornando cada vez mais caótico. E, no meio de tudo, mantém-se o elusivo Kameron Obb, cujo parasita interior lhe confere poderes singulares, pesadelos e febres e a cobiça de todos os grupos em conflito. É preciso encontrar respostas... e a liberdade possível. Mas cada passo de Obb traz novos problemas. E novas perguntas a precisar de resposta.
Parte do que mais fascina neste terceiro livro é também o que mais desconcerta: a forma como cada novo passo traz novas complexidades - ideológicas, políticas e principalmente biológicas. E importa desde já dizer que não é ainda aqui que se encontram todas as respostas. Muito pelo contrário: o mistério adensa-se, a teia torna-se mais intrincada e são infinitas as possibilidades que ficam em aberto para o que se seguirá.
Dito isto, continua a ser fascinante visitar este mundo em degradação, conhecer as suas forças discordantes e acompanhar o percurso de um protagonista tão poderoso quanto vulnerável, com quem todos querem fazer grandes coisas... mas a partir de uma posição de subjugação. Além disso, das inúmeras forças em conflito emergem múltiplas facetas da atualidade, sendo certo que algumas deixam sentimentos contraditórios na abordagem, mas nunca deixam de ter os seus pontos de interesse.
Finalmente, a nível visual, sobressaem dois pontos: a precisão do caos, que ganha especial vida nos cenários, mas também nas visões mais interiores do protagonista; e os jogos de sombras, que salientam não só a aura de mistério, mas também a promessa de decadência que parece envolver este futuro.
Enigmático, complexo e cheio de intensidade e mistério, trata-se, em suma, de um livro tão desconcertante quanto cativante. E deixa tudo em aberto, é certo, mas não deixa de ser mais uma bela etapa nesta fascinante aventura. Que vale bem a pena continuar a seguir. 

sábado, 10 de dezembro de 2022

Mar da Tranquilidade (Emily St. John Mandel)

Um jovem exilado da alta sociedade no início do século XX, que parte para se encontrar ou apenas existir. Um músico que fez sucesso graças, em parte, aos vídeos da irmã morta. Uma autora que escreveu sobre uma pandemia mortal pouco antes de ser também ceifada por uma pandemia. E um investigador que percorre o tempo em busca de explicações para uma anomalia que pode alterar perspetivas sobre a natureza da vida. Todos estes fios se entrelaçam e convergem para lembrar a mutável natureza da vida e as infinitas formas da desolação.
Embora seja, no essencial, uma história independente, uma das coisas que importa salientar sobre este livro é que terá certamente um impacto muito maior tendo lido anteriormente Estação Onze e O Hotel de Vidro, não só pelas personagens em comum, mas sobretudo pela viva sensação de que tudo pertence a uma mesma teia de histórias e de mundos.
Este impacto sai ainda mais realçado pelo facto de ser um livro relativamente breve, em que há tanto de marcante no que é dito como no apenas sugerido ou vislumbrado. É, aliás, interessante a forma como, com um aprofundar bastante menor dos elos pessoais, a autora consegue criar com igual mestria a sensação de melancolia e desolação que tão tangível é nos livros anteriores.
Há ainda outro contraste poderoso. Sendo embora um livro com muito a acontecer, e com uma voz relativamente concisa, o tom tem o seu lado introspetivo, um pouco como se cada pequena coisa apelasse a uma contemplação de algo maior: a vida, o tempo, a natureza humana, o futuro. E há ecos que se repercutem não tanto por acontecimentos específicos, mas mais por uma frase, uma imagem, uma impressão.
Mas há mistério. E respostas. E, a haver algo de expectável neste livro, é que o final jamais poderia ser limpo e linear. Não é, de facto. Deixa perguntas sem resposta. Mas, atendendo ao percurso, é mais do que natural que assim seja: é perfeitamente adequado.
Relativamente conciso, na escrita e nos desenvolvimentos, mas com um poderoso equilíbrio entre as suas múltiplas facetas e a visão que delas emerge, trata-se, em suma, de um livro marcante e memorável,  tanto no que diz como no que inspira. E é dessa matéria que são feitas as grandes leituras.