Charlotte Ellison vive segundo as normas da sociedade a que pertence, participando dos eventos sociais e levando a vida familiar expectável do ambiente de família de classe média em que se enquadra. Mas a tranquilidade do seu lar é abalada pela notícia de que talvez haja um assassino em série por perto. Várias jovens foram estranguladas em Cater Street e as pistas seguidas pela polícia parecem indicar que o culpado está longe de pertencer às classes criminosas. Qualquer um pode ser o responsável e, mais franca e curiosa do que seria de esperar de alguém da sua condição, Charlotte toma um particular interesse pelo caso. Até porque o inspector responsável parece também ter algum interesse em Charlotte.
Apesar de ter um crime por base, há mais neste livro para além da resolução de um mistério. Na verdade, nem sempre é este a ter o protagonismo. Muito do interesse do enredo prende-se com a caracterização da sociedade, reflectida na perfeição - e nos seus múltiplos aspectos - no ambiente familiar dos Ellison. Desde a postura algo pomposa dos homens da casa à excessiva defesa da moral da mãe de Edward, passando pelos diferentes temperamentos das três irmãs, a autora explora, no seu conjunto de personagens, toda uma postura perante a sociedade. E esta contextualização, se é certo que levanta ideias pouco agradáveis no contexto actual, também o é que cria uma óptima base para o desenvolvimento da sua protagonista.
Charlotte Ellison é uma personagem forte, quer pelo carisma com que lida com as circunstâncias que a rodeiam, quer por todas as questões a que serve de porta-voz. Ao longo do enredo, Charlotte questiona a tal defesa rígida da moral, as diferentes regras para homens e mulheres, a ideia do mal e do pecado - encarnada pela peculiar figura do vigário - e até mesmo as diferenças de classe social. E o mais interessante é que não o faz só com palavras, mas, e principalmente, por acções.
Quanto ao enredo propriamente dito, o mistério entrelaça-se com este retrato das convenções sociais e também com um pouco de romance. Também aqui sobressai a caracterização das personagens, já que, ao desenvolver o carácter de outras figuras para lá da protagonista, a autora torna a história um pouco mais vasta, criando percursos igualmente interessantes para essas personagens. Além disso, e sendo este o primeiro volume de uma série, este conjunto de figuras e acontecimentos abre para os volumes que se seguirão um conjunto de possibilidades interessantes.
Quanto aos acontecimentos propriamente ditos, o ritmo é relativamente pausado, sem nunca deixar de ser envolvente. Mesmo não estando sempre em destaque, o mistério está sempre presente, criando para toda a história uma aura intrigante, que, de suspeita em suspeita, abre caminho para um bom final. Além disso, mistério e romance andam estranhamente próximas, e também a relação de Charlotte com o inspector evolui a um ritmo gradual, mas sempre cativante.
Misterioso e envolvente, O Estrangulador de Cater Street conjuga um bom retrato da sociedade vitoriana (e dos seus problemas), com uma história que equilibra as medidas certas de mistério e romance. Um muito bom início, portanto, e uma série a seguir.