quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Balanço de 2020

2020. O ano da pes... da pandemia. É inevitável pensar nele assim. O ano em que o mundo tal como o conhecíamos mudou, em que as nossas relações tiveram de se tornar um pouco mais distantes, pelo menos fisicamente e em que ganhou vida viral um grande desafio que está ainda longe de ter terminado. Mas bem... No que toca à pandemia, já muito se disse e muito se continuará a dizer. Este é um balanço de coisas boas.
E coisas boas significa livros, claro. Foi um ano por vezes caótico, também em termos de leitura, mas bastante produtivo, ainda assim. E a soma das leituras do ano ainda deu uns belos 239 livros lidos, muitos dos quais memoráveis.
Sem mais demoras - e porque é esse, afinal, o objectivo deste texto, ficam pois, dessa bela pilha de leituras, os dez mais marcantes e os meus favoritos pessoais.


1. Os Outros - C. J. Tudor
É arrepiante, é surpreendente, é emocionalmente devastador. É uma história poderosíssima, um quebra-cabeças absolutamente inesperado e tão absurdamente cheio de emoção que é praticamente impossível não sentir a angústia das personagens. E é, além disso, uma história muitíssimo cativante, com uma escrita soberba e um conceito avassalador. É basicamente um UAU em forma de livro. Inesquecível.

2. O Intruso - Stephen King
Estão a ver aquilo tudo que eu escrevi sobre o livro anterior? Curiosamente, apesar de serem histórias muito diferentes, aplica-se tudo na perfeição também a este livro. Além do mais, Stephen King é Stephen King, o que significa que dispensa apresentações. E este Intruso, com o seu início tão angustiante e a sua sucessão de poderosas reevelações, é Stephen King no seu melhor.

3. Nothing Important Happened Today - Will Carver
É provavelmente uma das coisas mais retorcidas e aterradoras que já li na vida, com uma exploração brilhante da mentalidade de culto, uma forma de narrar a história absurdamente perturbadora (até porque a forma como a mente das personagens é explorada é uma das grandes forças deste livro) e uma sucessão de surpresas brilhantes. É daqueles livros que, sendo uma estreia, nunca poderão ser a última leitura deste autor.

4. O Silêncio das Mulheres - Pat Barker
Este descreve-se numa palavra: lindo. A escrita é belíssima, o conceito de uma reconstrução da guerra de Tróia do ponto de vista das mulheres é brilhante e a exploração da vida e da personalidade da protagonista, defrontada muitas vezes com o inimaginável, é poderosíssima. Tudo neste livro é belo.

5. O Enigma do Quarto 622 - Joël Dicker
Não, nunca tinha lido nada deste autor. E não, não sabia o que andava a perder. Intenso, vertiginoso, cheio de surpresas e com o pormenor particularmente delicioso de transformar o autor em personagem, é um livro cheio de reviravoltas, daqueles que, apesar do tamanho, dão vontade de ler de uma vez só.

6. A Morte do Papa - Nuno Nepomuceno
Previsível, eu sei. Mas estranho era chegar ao fim do ano sem um livro destes na minha lista. É que o professor Afonso Catalão já é daquelas personagens que são quase família. E esta nova aventura está, como sempre, mais que à altura de todas as expectativas. Absurdamente viciante, como sempre.

7. The Witch House - Ann Rawson
Toda uma surpresa, este livro. Maravilhosamente escrito, com uma história fascinante de manipulação, fragilidade e crime e um elemento sobrenatural que só vem acrescentar intensidade a uma história já cheia de força. É memorável, sem dúvida.

8. Monstress, vol. 4: Os Escolhidos - Marjorie Liu e Sana Takeda
Continuando na senda das escolhas previsíveis, este é mais um que não podia faltar aqui. Monstress é lindo, tanto visual como emotivamente. E, à medida que a história se vai expandido e os conflitos se tornam cada vez mais complexos, torna-se também mais forte a sensação de proximidade com a protagonista.

9. The Wicked + The Divine: Escalada - Kieron Gillen, Jamie McKelvie, Matt Wilson e Clayton Cowles
E por falar em histórias que se expandem e que se vão tornando cada vez mais intensas e visualmente notáveis... Esta série é divina... e sim, esta escolha de palavras foi propositada, mas é também a que faz mais sentido. Tudo neste estranho mundo, tão cheio de singularidades como de acção, é fascinante. E a forma como este volume termina... bem, a partir daqui tudo é possível.

10. Saga: Volume Sete - Brian K. Vaughan e Fiona Staples
Toda esta série merecia destaque, porque todos os volumes são lindos. Porquê este? Porque, de toda a história... e que história... surgem aqui alguns dos momentos mais belos e emotivos de toda esta longa, maravilhosa e atribulada viagem. Mas é para ler tudo. Tudo, tudo.


E assim termina um ano em leituras... porque mesmo em tempos de pes... de pandemia... temos sempre os livros para nos permitir viajar... mesmo quando não podemos sair de casa.

Até para o ano e que seja mais tranquilo do que este... mas sempre, sempre cheio de bons livros.

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Viagens (The Lisbon Studio)

Viajar é algo que pode ser feito de muitas formas. No espaço, no tempo, no pensamento, nas memórias... e, claro, nas páginas de um livro como este, em que cada história é, à sua maneira, uma viagem por histórias e também por estilos. Há viagens que são monótonas, outras que são fascinantes e outras ainda repletas de perigo. E é de viagens que estas páginas são feitas... e é nelas que somos convidados a embarcar.
Um dos aspectos mais interessantes deste livro, e comum a todas as antologias desta série, é a capacidade de fazer convergir diversidade em torno do mesmo tema. Neste caso, todas as histórias giram em torno da temática das viagens, mas viagens é um tema muito vasto e cada história assume uma identidade diferente. Há histórias silenciosas (ou, melhor dizendo, em que só a arte fala) e outras em que é o diálogo que conta a história. Há histórias introspectivas, em que a viagem é como que um passar da vida, e outras de pura acção. Há traços complexos e cenários detalhados e outros resumidos à pura simplicidade. E cada história é um todo, mas juntas formam um todo mais vasto na sua confluência.
Claro que, sendo uma antologia de diferentes histórias e diferentes estilos (e, sim, estou a repetir-me), é apenas natural que haja algumas que deixam um impacto mais forte e outras que não impressionam tanto. Mas todas têm o essencial para proporcionar uma boa leitura e um belíssimo efeito secundário (ou principal) desta diversidade é que é bem possível que leitores diferentes se vejam cativados por histórias diferentes. O que significa que acaba por haver um pouco de tudo para todos.
Mas importa ainda voltar um pouco à diversidade para realçar outro ponto: é que, ao abranger diferentes tipos de viagens, estas histórias formam um todo mais completo. Há uma peculiar viagem no tempo, uma viagem a um mundo alternativo, uma viagem pelo quotidiano (com as saudades da distância associadas) e até uma viagem... ao outro lado da vida. Vistas no seu conjunto, estas histórias parecem abranger todos os sentidos da palavra viajar, o que é também um bom sinal da coesão desta antologia.
Eis, pois, uma leitura que é também uma viagem - como é, aliás, natural que um livro seja. E uma viagem abrangente, diversa e simples quanto baste, mas cheia (mais uma vez) de histórias e estilos para descobrir.

sábado, 26 de dezembro de 2020

Os Contos Impossíveis (Tiago Moita)

Sonhos mortais e quadros vazios. Aspirações secretas e batalhas pela sociedade. O mundo global e o mundo no cerne de cada um. Real e imaginário em colisão e conjugação. Tudo isto dá forma a estes Contos Impossíveis.
O Cruzeiro, que serve de abertura a este livro, fala de um navio chamado Civilização e da ameaça de um naufrágio provocado pelas forças do medo, do ódio e da ignorância. Breve, mas muito interessante enquanto metáfora da realidade, não dá respostas conclusivas para a história deste barco, mas proporciona muito material para reflexão.
Segue-se Volte Face, história de um cidade dividida ao meio e de como as barreiras geracionais podem ser ultrapassadas. Também relativamente breve e também uma boa metáfora da realidade, surpreende também pela emotividade subjacente a esta história de mais e menos jovens.
Uma Lágrima na Sala fala da descoberta de uma inexplicável lágrima capaz de despertar muitas mais. Surpreendente pela associação de emoções humanas a máquinas, tem, porém, o seu máximo impacto na forma como reflecte a persistência da memória e os diferentes motivos para o choro.
Segue-se Make a Wish, que fala de um filho muito esperado, mas cujo desejo invulgar gera apreensões, fantasias e alguns fenómenos estranhos. Apesar de uma vincada componente espiritual, que implica uma certa crença, esta é uma história que se destaca pela fluidez e pela naturalidade, que faz com que até os elementos mais peculiares pareçam normais.
Vem depois O Sexo dos Anjos, história de um cidade-estado em vias de ser invadida enquanto os seus políticos discutem assuntos inconsequentes. Peculiar, mas estranhamente certeiro, também este conto é uma boa metáfora da realidade, com a sua reflexão sobre a distância que separa a retórica dos discursos e a prática da acção.
A Peça fala de dois criadores com falta de ideias e de como uma gota de sangue os transporta para outra a dimensão. Onírico e cativante, destaca-se sobretudo pela intensidade quase visual das imagens, quase como o verdadeiro contemplar de uma peça.
Vem depois O Quadro Vazio, história de um choque em cadeia e de um possível encontro de todos os envolvidos. Provavelmente o melhor conto do livro, conjuga as medidas certas de mistério, emoção, intriga sobrenatural, introspecção e intensidade. E culmina num final particularmente memorável.
A Estátua Viva fala da realização de um desejo de imortalidade e de maldições que são bênçãos disfarçadas. Relativamente breve, acaba por ser um pouco vago acerca dos actos do protagonista, mas não deixa de ser uma boa reflexão sobre a imortalidade dos gestos.
Segue-se A Metade Maior, história de duas almas sozinhas em busca da sua metade perdida. Onírico e um pouco surreal, acaba por ser também um pouco vago, mas surpreendentemente fluido na sua estranheza.
E o último conto é Antes do Fim, história de um escritor em corrida contra o tempo e da alma e coração que às vezes se verem nos livros. De abertura algo ambígua, vai crescendo em intensidade para culminar num final notável, fechando assim com chave de ouro este conjunto de contos.
Cativantes, surpreendentes, misteriosas e inspiradoras. Assim são estas histórias, às vezes ambíguas, às vezes impossíveis, mas sempre muito interessantes. E feitas de improváveis e de realidades, são também - de várias formas - memoráveis. E dignas de descobrir. 

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Feliz Natal


Será talvez um pouco mais pequeno,
talvez um pouco mais estranho,
mas enquanto houver luz e magia,
enquanto houver vida e sonhos
e enquanto existirmos uns para os outros,
continuará a haver Natal.

Boas Festas a todos quantos por aqui passam
e que, mesmo nos anos de estranheza,
continue a haver luz nas nossas vidas.


Ah... e livros também.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Uma Vida à Sua Frente (Romain Gary)

Momo acha que tem dez anos, ainda que ninguém pareça saber ao certo a sua idade, e a única vida que conhece é a que a Madame Rosa, uma velha judia e prostituta reformada, lhe tem proporcionado desde os três anos. Dir-se-ia ser apenas uma relação de interesse, pois foi a cuidar dos filhos de várias prostitutas que a Madame Rosa começou a ganhar a vida após a sua reforma, mas Momo é diferente. Momo ficou sempre, mesmo quando os cheques deixaram de aparecer. E é pelos olhos de Momo que esta estranha vida ganha forma: a de uma relação profunda entre uma mulher nos seus últimos dias e um rapaz com toda uma vida pela frente.
São tantas as impressões contraditórias ao longo deste livro que nunca poderia ser fácil descrevê-lo. É uma história de crescimento, mas também é uma história de morte. É uma história de relações e de afectos, mas também do desamparo dos mais frágeis. É, no seu âmago, uma história triste, mas capaz de fazer surgir grandes sorrisos. E é, ao longo de tudo isto, relativamente ambígua, como o são as vidas das suas personagens, mas também estranhamente profunda e fascinante.
Também a construção das próprias personagens é ambígua, ao ponto de nunca serem absolutamente adoradas ou odiadas. A Madame Rosa tem as suas excentricidades, a sua posição definida, a sua aparente indiferença... e no entanto, o fim... Quanto a Momo, tem a moralidade dúbia de quem aprendeu a desenrascar-se (porque defender-se tem aqui um significado distinto). E, de entre todas as pessoas que atravessam a relação de ambos, há gestos inesperados de bondade e crueldades escondidas, comportamentos inexplicáveis e o amor em pequenos gestos. E, em cada uma destas figuras, das que se aproximam e das que se afastam, há tantos temas importantes que não deixa de ser uma surpresa que este livro nem chegue às duzentas páginas.
Para isto, contribui também a escrita e o tom simultaneamente íntimo e extravagante que confere a todo o texto. É Momo o narrador, uma criança de possivelmente dez anos, e isso reflecte-se no texto, quer pela percepção de algumas palavras e pelo sentido alternativo dado aos conceitos, quer pela forma como divaga ao ritmo de uma imaginação muito grande. E, sendo certo que este ritmo peculiar torna a leitura um pouco mais pausada, é também crucial para realçar o impacto emocional deste cruzamento - ou colisão - de duas vidas.
Tudo é, pois, de certa forma, uma surpresa, desde o coração dos protagonistas ao grande mundo escondido nas suas pequenas vidas. E, surpreendentemente ambíguo, mas também surpreendentemente intimista, é, em suma, um livro que exige o seu tempo - mas que nem nos momentos mais estranhos deixa de cativar.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

1 Minuto e 36 Segundos (Pilar Burillo Simões)

Dizer que estudar para a prova de acesso à especialidade é um desafio nunca poderá ser menos do que um eufemismo, pois a própria natureza da prova implica uma grande exigência. Mas, além dos números e do tempo, há também os percursos individuais e a vida que não pára durante esses meses de estudo. Esta é uma história de lembranças pessoais desse período. E é precisamente por ser pessoal que se torna tão interessante.
Uma das primeiras coisas que importa dizer sobre este livro é que é bastante breve e, por isso, uma leitura relativamente leve. Talvez por ser a história pessoal de um período específico, não se embrenha demasiado a fundo em questões de contexto ou nas histórias passadas que, nalguns casos, culminaram naquela situação. E, porque se lê como um romance, é difícil não ficar com uma certa curiosidade em saber mais sobre esses aspectos não explorados, mas é também verdade que não são essenciais ao objectivo do livro. Afinal, é o período de preparação o tema, e as lições de vida - ainda que não necessariamente de medicina - que o acompanharam. E quanto a esse, fica-se com uma muito boa ideia.
Se a brevidade contribui para a leveza, também a fluidez da escrita sobressai neste aspecto. O estilo é, em geral, bastante directo, mas com alguns surpreendentes rasgos de poesia. E importa também destacar dois aspectos aparentemente discretos, mas particularmente cativantes: o humor certeiro, que surge precisamente nos momentos ideais, e a evidente emoção, que, positiva ou negativa, nunca é encoberta.
Por último, temos a mensagem geral que emerge de um percurso de preparação que é, em si mesmo, a luta por um sonho, mas que traz consigo outro tipo de lições, lembrando que tudo na vida pode ser uma lição e que em tudo há obstáculos e superação. A história pode ser simples, mas a mensagem é muito pertinente. E acaba por ser isso o mais importante.
Tudo somado, fica uma impressão global claramente positiva, de uma leitura leve e bastante simples, mas também muito cativante. Uma viagem pessoal, em suma, mas com muito com que nos podemos identificar.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

A Assembleia das Mulheres (Zé Nuno Fraga)

Atenas está à beira do abismo... outra vez. E, por mais que os homens discutam, conspirem e se desentendam, não parece haver solução à vista. Eis, pois, que as mulheres decidem deitar mãos à obra e, disfarçadas de homens, intervir na assembleia a fim de promover uma mudança de regime. E que mudança! Pois nada ficará como estava, desde as leis da propriedade às relações íntimas. Mas será assim tão simples mudar todo um sistema? É claro que não.
A primeira coisa que importa dizer sobre este livro é que, embora tratando-se da adaptação de um clássico - e, ao que tudo indica, de uma adaptação que segue literalmente o texto - não é preciso conhecer a obra de Aristófanes para apreciar a leitura. Até porque, uma vez que segue o texto original, chegamos ao fim a conhecê-la! Mas tendo isto em vista, a principal qualidade e a primeira a destacar-se terá necessariamente de ser a capacidade da obra de dar vida e cor a um texto que, sendo da origem que é, tem naturalmente os seus floreados.
E por falar em vida... Importa também salientar que é de comédia que se trata e que não faltam extravagâncias e bizarrias ao longo de tudo o percurso, ao ponto de ficar sempre uma sensação de estranheza recorrente. Mas, mais do que estranheza - e, oh, se há momentos estranhos - fica um humor também singular, que ganha vida não só na peculiaridade das circunstâncias, mas sobretudo na arte e nas suas expressões e rostos particularmente vincados (principalmente num certo episódio lá mais para o fim).
É surpreendentemente breve - ainda que, uma vez que segue o texto original, talvez não houvesse muito a fazer a esse respeito. É inevitável uma certa curiosidade insatisfeita quando às possíveis consequências a longo prazo desta tão particular mudança de regime. Mas é também particularmente marcante que esta comédia grega consiga ser, por vezes, tão actual, sobretudo em certas ponderações sobre o mundo da política.
Breve, mas muito surpreendente, trata-se, pois, de uma adaptação que, mais do que despertar curiosidade para o original, o transpõe para uma forma mais viva e visual. Cativante, divertida e, a espaços, inesperadamente certeira,  uma muito interessante reformulação.

domingo, 13 de dezembro de 2020

Armazém Central: Confissões | Montreal (Régis Loisel e Jean-Louis Tripp)

Notre-Dame-des-Lacs é um lugar de hábitos fortemente enraizados e de um sentido de comunidade tão sólido quanto... complicado. Existe um conjunto de convenções sociais, de expectativas, por assim dizer, e é por isso que todos esperam de Marie e de Serge que... regularizem as suas vidas e se casem. Só que Serge tem um segredo e só há uma forma de contornar. Quanto ao coração de Marie, terá de o aceitar. O problema é que essa aceitação pode assumir a forma de comportamentos precipitados... e as normas da comunidade podem subitamente tornar-se demasiado pesadas para suportar.
Uma das primeiras coisas que importa dizer sobre este livro é que, correspondendo aos volumes quatro e cinco da série, implica a existência de uma história prévia que, para quem começa por aqui, é totalmente desconhecida. Não é, ainda assim, essencial, porque as linhas gerais são-nos descritas no início e a evolução é bastante específica destes volumes. Ainda assim, e tendo em conta a envolvência do livro, é inevitável não chegar ao fim com uma certa vontade de descobrir também o que está para trás.
Outro aspecto notável não é propriamente fácil de descrever. Sendo essencialmente composto de histórias do quotidiano - e de um quotidiano de local pequeno - não há, à partida, grandes acontecimentos. (Ou, pelo menos, num sentido dramático). Mas há o que são grandes acontecimentos na vida individual de cada um. Amizades, amores, afectos, aproximações, perdas, chegadas, partidas, mortes. E há algo de tão natural e de tão estranhamente intenso neste percurso que, ao longo da leitura, há momentos em que o coração fica estranhamente apertado - ainda que não seja fácil dizer porquê. E um livro que desperta emoções tão profundas - ainda que ligeiramente incognoscíveis - só pode ser bom. Certo?
Em termos visuais, sobressai um aspecto geral e uns quantos pontos particulares. Numa perspectiva mais geral, sobressai a amplitude dos cenários e a forma como, nos seus contrastes, reflectem o pequeno mundo à parte que serve de base a estas histórias. A um nível mais específico, sobressaem as expressões de certas personagens (principalmente aquando de uma ou outra revelação mais drástica), os ocasionais sorrisos que parecem reflectir na perfeição a aura do ambiente e uma pequena - mas deliciosa - dose de fofura na forma de três animais recorrentes e da suas tropelias.
Da comunidade e dos seus dramas. Das convenções e do peso que às vezes têm. E, acima de tudo, de grandes corações numa pequena aldeia. De tudo isto é feito este Armazém Central - e tudo isto o torna memorável. Visualmente marcante, cativante na história e surpreendentemente poderoso nas emoções que desperta, uma belíssima surpresa em todos os aspectos. E uma história a acompanhar.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

A Velha Guarda, Livro Um: Abrir Fogo (Greg Rucka e Leandro Fernández)

Já viram mais batalhas do que as que conseguem contar e em muitas delas olharam a morte nos olhos. Mas não conseguem morrer... por mais que os matem. Não sabem porquê, não sabem como funciona, não podem transmiti-lo a ninguém e a única coisa que sabem ao certo é que, quando surge alguém como eles, a sua presença manifesta-se em sonhos até o conseguirem encontrar. Mas terem vivido milénios não significa que seja fácil adaptarem-se ao novo mundo. E há quem suspeite da sua existência... e queira usá-los para os seus próprios fins.
Provavelmente o que este livro tem de mais impressionante é a forma como consegue abordar temas tão potencialmente introspectivos como a passagem do tempo, a mortalidade (bem... ou falta de), a lealdade e a sempre intemporal amizade numa história que está, apesar de tudo isso, carregadinha de acção. Não faltam cenas intensas, caos, morte em grande escala (e repetida), explosões e movimento em geral. É, aliás, o aspecto mais marcante em termos visuais, pois, tendo como base um grupo que já assistiu e travou inúmeras batalhas, é particularmente importante que as que surgem neste livro sejam também memoráveis.
É também o ponto de partida para um contraste poderoso, já que se, de um lado, estão os conflitos constantes, sejam eles missões planeadas ou o resultado de uma traição, do outro estão conflitos mais íntimos, como a apatia da vida demasiado longa (em contraposição ao instinto de sobrevivência, por assim dizer) e a percepção de que tudo - e todos - têm um preço. Há, pois, como que uma força emocional que, inicialmente secundária à acção, vai ganhando intensidade e reforçando os laços, ao ponto de, no fim, estas personagens parecerem já velhos conhecidos (apesar de ser apenas o primeiro volume).
E ainda um outro equilíbrio, entre estranheza e naturalidade. Afinal, estamos a falar de personagens que não podem morrer - e que o demonstram sucessivamente - o que é, por si só, peculiar. Mas, mais do que isso, há as relações complicadas, a amizade de séculos (mas não de pedra), as declarações de amor nos cenários mais improváveis e um ocasional sentido de humor estranhamente fascinante. Tudo é singular, à sua maneira, mas o que começa por ser estranheza vai ganhando força e gerando proximidade. E vontade de saber mais.
Ao fim do primeiro volume, ficam duas fortes impressões: a de uma estranheza que se tornou fascínio e a de um núcleo de personagens que, apesar da sua singularidade, se tornam absurdamente familiares. Junte-se a estas duas uma boa dose de acção, vários momentos dramáticos e muitas surpresas pelo caminho e o resultado resume-se numa palavra: memorável.

domingo, 6 de dezembro de 2020

O Peixinho que Não Sabia Nadar e outras histórias... (Onofre dos Santos)

Um peixinho que, nos seus primeiros instantes de vida, não consegue aprender a nadar sozinho - e que conta com uma ajuda inesperada. Uma pequena árvore que quer crescer e ver o sol - sem saber as consequências que isso implica. E um cãozinho muito estranho - mas, à sua maneira, mais que perfeito. São estas as linhas de partida para as três histórias que compõem este livro: um livro que, embora nitidamente pensado para os mais novos, facilmente consegue cativar leitores adultos.
Provavelmente o aspecto que mais surpreende neste livro é que, sendo um livro pensado para crianças, o registo da escrita consegue, ainda assim, adoptar uma certa profundidade. A história do peixinho, que é também a história de um avô a contar essa história à neta, é simultaneamente o nascer de uma nova vida, uma aventura perigosa e uma recordação de que também a vida termina. Já a da árvore vai ainda mais longe nesta percepção da mortalidade. E, assim, surpreende este lado menos sonhador das coisas que, contrastando com a inocência geral da história, lembra à magia da infância que tudo é possível... mas tudo termina.
Não quer isto dizer que seja um livro triste. Muito pelo contrário. O entusiasmo da pequena Leonor com a história do peixinho - e o da outra pequena Leonor com o seu «cãozinho» - vem acrescentar um rasgo de leveza a este registo mais sério. Além disso, há um carpe diem para cada memento mori. E a lembrança da mortalidade nestas histórias é também um elogio à vida e as coisas que realmente importam.
Importa salientar, por último, dois pontos que contribuem para este equilíbrio delicado: as ilustrações, que dão vida aos acontecimentos, e a escrita, por vezes surpreendentemente poética, mas marcada sobretudo por um registo tão próximo que é quase como ouvir uma voz a contar a história.
O que fica da soma das partes é, pois, uma leitura breve, mas surpreendentemente profunda e com um poderoso equilíbrio entre inocência e realismo. Bom para fazer sonhar - e para lembrar a realidade - um belo conjunto de histórias para pequenos e grandes leitores. Muito bom.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Mulheres sem Medo (Marta Breen e Jenny Jordahl)

Em cento e cinquenta anos, muito mudou no que diz respeito aos direitos das mulheres, o que não significa que todo o trabalho esteja já feito. Em alguns países, há, na verdade, um longo caminho a percorrer. Mas conhecer o longo caminho já feito - e as suas protagonistas - é um bom ponto de partida para reflectir sobre o tema. Além disso, muito há a aprender com estas mulheres sem medo, aquilo por que decidiram lutar e a coragem que foi necessária para o fazer.
Um dos primeiros aspectos que importa destacar acerca deste livro é a acessibilidade do formato, que, além de resultar num livro visualmente bonito, permite que seja lido por leitores de todas as idades. E, tendo em conta o tema, começar a ler cedo sobre o assunto é sempre pertinente - além, claro, de muito interessante. Partindo de um conjunto de figuras centrais - as tais mulheres sem medo que dão nome ao livro - traça não só a história das suas vidas e lutas, mas também uma visão da evolução dos direitos das mulheres e da forma como estes continuam ainda a ser, em certos locais e contextos, mais discutíveis do que deveriam. É, pois, simultaneamente uma leitura leve e carregadinha de matéria para reflexão.
Outro ponto que importa naturalmente destacar é a arte, nomeadamente em dois aspectos: primeiro, os rostos e expressões, que, representando figuras reais, se mantêm fiéis à sua inspiração, mostrando também um estilo próprio que é comum a todo o livro; e segundo, os jogos de cor, que parecem ajustar-se aos ambientes e sobretudo, no caso dos vermelhos, às tensões que retratam. É como se as próprias imagens reflectissem emoção, puxando-nos mais a fundo para a história das suas notáveis protagonistas.
E é, claro, um livro que não se esgota em si mesmo. Cada uma destas figuras - bem como os seus movimentos - tem uma história mais ampla, sobre a qual é difícil não querer saber mais, o que significa que este livro funciona também como um belíssimo ponto de partida para outras investigações e leituras. Afinal, o tema é vastíssimo e cada uma destas mulheres é uma inspiração.
Leve e cativante, mas repleto de material para reflexão, além de notável pelas suas protagonistas, trata-se, pois, de uma belíssima leitura para conhecer a evolução dos direitos das mulheres e as muitas mulheres sem medo que travaram - e continuam a travar - essa luta. Um livro a ler - e reler - por todos.

domingo, 29 de novembro de 2020

O Menino, a Toupeira, a Raposa e o Cavalo (Charlie Mackesy)

Um menino que aspira a chegar a casa. Uma toupeira que gosta de bolo. Uma raposa que acha que tem pouco para dizer. E um cavalo surpreendentemente sábio. Quatro amigos improváveis partem para explorar o mundo, partilhando afectos e dúvidas, perguntas surpreendentemente profundas e segredos tão impossíveis que se tornam naturais. E, por entre descobertas e tempestades, procuram descobrir a amizade e a esperança. E que casa não é apenas um lugar. É amor.
Há algo de absurdamente belo e fascinante na forma como este livro consegue ser ao mesmo tempo simples e indescritível. Simples na linguagem, na brevidade, na forma como ilustrações e imagens se conjugam para dizer em poucas palavras o que é verdadeiramente essencial. (E já em O Principezinho, com que este livro é acertadamente comparado, se dizia que o essencial é invisível aos olhos.) Indescritível precisamente por isso: porque o essencial está lá e é tão profundo e tão belo que, mais do que à mente racional, fala ao coração - e a parte de nós, sobretudo, que aspira a ser amada.
É também uma espécie de força profunda, pois todas as questões são certeiras. E é por isso que, embora à primeira vista possa parecer um livro infantil, não o é. É mais do que isso. É o tipo de livro que facilmente se entranha nos pensamentos e emoções de leitores de todas as idades. E isto é ainda mais impressionante porque - mais uma vez - tudo parece muito simples. Nem há sequer uma história, pelo menos no sentido linear da palavra. Há uma passagem pelo mundo - e o que é a vida senão isso? - com todas as descobertas que isso implica. E tempestades, voos, armadilhas, momentos de solidão, amizade e amor. Porque, mais uma vez, o que é a vida senão isso?
Parece composto sobretudo por impressões. Impressões de um pensamento que se forma, e que é partilhado com os amigos. De um gesto que se torna natural ao ser também dividido. De uma contemplação interior feita de coisas simples que se tornam vastas. É inocente, sobretudo, na sua improbabilidade. Mas lembra ao mesmo tempo que tudo é possível e que a vida é difícil ("...mas és amado") e também as tempestades passarão.
Simples, mas indescritível: indescritivelmente belo, sobretudo. E feito de impressões certeiras, de emoções profundas, de uma proximidade que não se sabe bem de onde vem, mas que fica connosco bem depois de terminada a breve leitura. Para ler e reler, por e a gente de todas as idades. E reflectir também um pouco nesse tão inefável - e invisível - essencial.

sábado, 28 de novembro de 2020

Dylan Dog - Após um Longo Silêncio (Tiziano Sclavi e Giampiero Casertano)

Dylan Dog é um eterno apaixonado e o amor que está a viver significa que está invulgarmente feliz. Mas também a felicidade pode esconder perigos na sombra de velhos vícios. Ao receber a visita de um alcoólico que sente a presença - e o silêncio - da mulher morta, Dylan espera, talvez, encontrar algo em que se concentrar. Mas os seus próprios fantasmas estão mais presentes do que nunca e o silêncio que Owen sente é também palpável para Dylan. O caminho para o fundo é demasiado fácil de percorrer... mas Dylan sabe que tem de lá chegar para depois tentar recomeçar.
A primeira coisa que importa dizer sobre este livro é que, apesar da premissa e do que a capa possa insinuar, esta não é a habitual história de fantasmas. É possível que os haja, sim, mas há algo de absurdamente poderoso em como, apesar do ponto de partida que serve de base a todo este caminho - o silencioso fantasma de Edith - são os fantasmas dos vivos... da própria vida, talvez... os que movem a verdadeira intensidade desta história. E intensidade profunda, de ficar de lágrimas nos olhos, de sentir no fundo da alma o impacto de uma palavra, de atravessar, talvez, um pouco da luta porque as personagens passam e querer compreendê-las. Intensidade do tipo que se grava no âmago do ser.
Claro que ler Dylan Dog é também sempre sentir um pouco o eterno fraquinho pela personagem absurdamente romântica, mas de amores passageiros, um tanto ou quanto bizarra com o seu Judas Dançarino e com uma visão do mundo sempre na fronteira entre o normal e o sobrenatural. Mas o Dylan Dog deste livro é simultaneamente o mais irascível e o mais vulnerável, o mais revoltante e o mais atormentado. E esta história de fantasmas e de silêncio não é só a do seu cliente, pois silêncio e fantasmas são também o que o move.
E, explorado todo este absurdo impacto emocional, importa também falar um pouco da parte visual, em que, mais uma vez, sobressaem os cenários (e particularmente as igrejas) e a expressividade. E é mais do que nunca esta que se destaca: a expressividade de um rosto onde a destruição é visível em contraponto à inocência. Crystal e Edith, Owen e Dylan, são opostos complementares... num longo silêncio. E a expressividade dos rostos transborda da emotividade das coisas. E o caminho do luto e do vício torna-se... vivo, no fundo.
De ficar de lágrimas nos olhos, de sentir no fundo da alma o impacto de uma palavra, de atravessar, talvez, um pouco da luta porque as personagens passam e querer compreendê-las. Repito-me para resumir a essência. Porque é esta a marca que fica deste breve, mas tão fascinante livro: que, após um longo silêncio, vai direito ao coração.

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Animais Ameaçados (Martin Jenkins e Tom Frost)

O mundo animal é vasto e fascinante, repleto de todo o tipo de criaturas, mais ou menos estranhas, mais ou menos visíveis, mais ou menos abundantes. Há um equilíbrio. Mas esse equilíbrio tem sido, em muitos casos, ameaçado e muitas destas espécies podem deixar de existir em resultado dessas mudanças. Este livro apresenta um vasto conjunto de espécies ameaçadas, dando a conhecer as suas características e condições - e retratando-as de forma muito interessante.
Não é propriamente uma surpresa que o primeiro aspecto a sobressair neste livro seja a componente visual. Além de grande e colorido - perfeito para uma leitura conjunta com os mais novos, mas também para uma leitura leve e interessante por parte dos... menos novos - as ilustrações de cada uma das espécies, em curiosa forma de selo, são também muito bonitas. É, pois, um livro que, mesmo antes da leitura propriamente dita, dá gosto folhear e fica imediatamente na memória.
Quanto ao texto propriamente dito, importa salientar dois aspectos: concisão e envolvência. É um livro infantil, pelo que é apenas natural que a informação se cinja ao essencial, embora não faltem pontos de interesse ao longo deste livro. Mas sobressai sobretudo a forma como esta relativa brevidade permite realçar a importância da mensagem. Às características de cada espécie juntam-se os esforços feitos ou que é preciso fazer para evitar a extinção, o que é uma bela forma de despertar consciências.
E importa realçar, por último, a diversidade, tanto de espécie como de habitats. Há peixes, mamíferos, insectos e aves, dos mais remotos lugares e também do nosso rectângulo. Também isto realça a importância da biodiversidade e da conservação das espécies - além de recordar a sempre importante verdade de que o mundo é muito mais vasto do que parece.
Breve, mas belíssimo e sobretudo muito relevante, trata-se, pois, de uma bela e pertinente descoberta para leitores de todas as idades, capaz de fascinar pela estranheza dos seus singulares protagonistas e de alertar para a importância de preservar essa singularidade. Perfeito para os mais novos? Sem dúvida. Mas não só para eles.

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

O Último Voo (Julie Clark)

Aos olhos do público, Claire tem a relação perfeita. Em privado, as coisas são diferentes. O marido é violento, cruel e jamais a deixará partir sabendo que isso comprometerá a imagem perfeita que criou. Mas Claire não aguenta mais e fez planos para partir. O que não espera é que também esses planos sofram um revés inesperado. Sem saber para onde se virar, cruza-se subitamente no aeroporto com uma outra mulher em fuga. E é aí que surge uma ideia tão absurda que pode efectivamente resultar. E se trocassem de voo?
História de duas mulheres a lidar com um passado difícil e decisões erradas, é no percurso individual das duas protagonistas e na forma como este evoca realidades duras que está a grande força deste livro. Não é o plano de fuga nem a sucessão de reviravoltas o que mais fica na memória - ainda que estes dois aspectos contribuam em muito para tornar a leitura empolgante. É a intensidade e a profundidade das emoções, a situação insustentável de Claire, a forma como uma decisão errada mergulhou toda a vida de Eva num caos que só um contacto próximo a fez assimilar. É a vulnerabilidade das personagens, e a forma como as torna reais e memoráveis.
Não deixa, ainda assim, de haver mistério e perigo e tensão. São, aliás, elementos que não faltam. E, se tudo gira em torno do voo trocado, a forma como a história de Eva é desenvolvida, mergulhando de cabeça no seu passado ao mesmo tempo que a possibilidade de um futuro vai sendo deixada em aberto, cria também uma espécie de tensão. Além, claro, de um final poderoso, pois tudo parecia encaminhar-se para uma verdade que se manifesta, afinal, como algo diferente.
E surge aqui um último ponto de destaque: a forma como a própria escrita se adapta às diferentes emoções que pretende evocar. As introspecções de Eva e os planos desesperados de Claire. O medo constante em cada gesto e a descoberta da coragem nos momentos mais improváveis. Tudo isto surge não só de forma fluida e natural, mas acompanhado de várias frases particularmente notáveis, capazes de reforçar, por si só, o impacto de cada instante.
Repleto de frases marcantes e de personagens reais, além de inesperadamente poderoso na construção das protagonistas, trata-se, pois, de um livro que prende do início ao fim. Cativante, intenso e cheio de surpresas, um livro memorável.

Divulgação: Novidades Saída de Emergência

Uma obra‑prima banida. Duas espias. Um livro que transformou a História.
1956. Boris Pasternak está a escrever Doutor Jivago, um livro controverso capaz de provocar dissensão na União Soviética. Com medo do seu poder subversivo, os soviéticos censuram‑no e proíbem a sua publicação. Mas isso não impede que no resto do mundo a obra se transforme num bestseller… e numa possível sentença de morte para o autor.
A CIA está atenta aos acontecimentos e planeia utilizar o livro para influenciar a Guerra Fria a seu favor. Contudo, os agentes destinados a esta missão não são os espiões tradicionais. Duas secretárias — a charmosa e experiente Sally e a talentosa e novata Irina — são encarregadas da missão das suas vidas: devolver clandestinamente Doutor Jivago à URSS e utilizá‑lo como arma de propaganda.
No entanto, esta não será uma missão fácil. Há pessoas dispostas a morrer por este livro — e agentes prontos a matar por ele. De Moscovo a Washington, de Paris a Milão, Isto Nunca Aconteceu retrata um momento único na história da literatura — contado com emoção e detalhes históricos cativantes. E no coração deste romance inesquecível está a poderosa convicção de que o poder da palavra escrita pode transformar o mundo.

LARA PRESCOTT estudou Ciências Políticas em Washington e trabalhou com consultora em campanhas políticas antes de se dedicar à escrita. Vive em Austin, Texas. O seu romance de estreia, Isto Nunca Aconteceu, foi traduzido para mais de 30 línguas.
Pode consultar a página da autora em http://www.laraprescott.com/.

Com as reservas petrolíferas mundiais em risco, a equipa NUMA é chamada para evitar uma catástrofe iminente.
Depois de uma explosão no Golfo do México destruir três plataformas de extração de petróleo, Kurt Austin e a equipa NUMA são destacados pelo presidente dos Estados Unidos para descobrir o que está a acontecer. As pistas levam-nos até Tessa Franco, uma milionária brilhante na área da energia alternativa. O seu objetivo é acabar com a era do petróleo – a sua empresa gastou milhões a desenvolver o mais avançado sistema de células de combustível do mundo. Mas será ela, de facto, uma heroína ambiental? A equipa NUMA descobre que os campos petrolíferos estão infetados com uma bactéria que está a consumir o petróleo antes de este ser extraído da terra – uma bactéria que se perdeu há muitos anos, quando dois submarinos desapareceram no Mediterrâneo sem deixar qualquer rasto. Com o preço do petróleo a disparar e a economia mundial a colapsar, Kurt terá de encontrar um dos submarinos desaparecidos para poder travar a ameaça biológica que se avizinha. Mas esta não é uma tarefa fácil, e com dinheiro e um exército de assassinos aos seu dispor, Tessa Franco fará tudo o que estiver ao seu alcance para o travar.

CLIVE CUSSLER (1931-2020) cresceu em Alhambra, Califórnia. Alistou-se na Força Aérea durante a Guerra da Coreia, onde cumpriu serviço como mecânico, engenheiro e técnico de voo.
Quando regressou tornou-se diretor criativo em duas agências de publicidade multinacionais, onde ganhou vários prémios. Começou a escrever em 1965 e fundou a NUMA (National Underwater & Marine Agency), uma organização não lucrativa para investigação da História Marítima e Naval.

GRAHAM BROWN cresceu em Illinois, Connecticut e Pensilvânia e já foi piloto, advogado e empresário, tendo decidido optar por uma carreira de escritor. Um grande fã de Clive Cussler, é coautor dos livros da série Arquivos NUMA.
 

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Dylan Dog - Trevas Profundas (Dario Argento, Stefano Piani e Corrado Roi)

Inesperadamente apeado devido a uma apreensão inexplicável do seu carro, Dylan Dog vê-se involuntariamente diante de uma exposição fotográfica sobre sadomasoquismo. Mas, mais do que as fotografias ou a própria artista, é a figura furtiva da modelo que lhe desperta a atenção. Só que ela nunca esteve lá, ainda que Dylan a tenha visto. E é essa presença que lhe inunda as obsessões e os sonhos. A enigmática Laís tem um passado que é preciso desvendar. E, inexplicável como é, só um detective do paranormal pode trazê-lo à superfície...
Tendo em conta o ofício de eleição do protagonista destes livros, não é propriamente uma surpresa a presença de elemento sobrenaturais. E, ainda assim, nunca deixa de ser fascinante a forma como, em cada novo livro, estes assumem novas facetas. Aqui, mantém-se a presença onírica dos sonhos como meio de transmissão de respostas e de concretização dos fantasmas, mas o elemento sobrenatural assume também uma forma mais tangível. Além disso, a ligação entre o elemento BDSM, com os inevitáveis laivos de erotismo, cria um poderoso contraste com outras formas de domínio - e até brutalidade - que vão sendo reveladas. O resultado é simultaneamente fascinante, desconcertante e ligeiramente obsessivo, quase como se as obsessões de Dylan Dog passassem para a cabeça de quem lhe acompanha as aventuras.
Outro aspecto interessante é que, sendo uma aventura mais recente, mostra-nos um Dylan Dog mais velho, o que é realçado não só por uma ou outra observação das personagens, mas pela presença relutante (bem, pelo menos para Dylan) de elementos mais tecnológicos. Os próprios traços do rosto mostram uma figura mais madura, sem lhe retirar nenhuma da sua aura de encanto. Ora, o efeito desta passagem do tempo tem dois benefícios óbvios: primeiro, torna a história mais actual; segundo, enfatiza a intemporalidade do protagonista.
E importa ainda voltar ao elemento onírico para salientar uma impressão visual que é, talvez um pouco difícil de descrever. É uma constante em todos os livros que a arte a preto e branco salienta os jogos de sombra e de profundidade, mas, neste livro específico, há algo mais a emergir. Há como que um tom global mais carregado que parece reflectir o peso das circunstâncias. Das fotografias da exposição aos sonhos reveladores de Dylan, passando, claro, pelos momentos de confronto, é como se uma sombra maior pairasse sobre toda a história, o que, tendo em conta o título do livro, faz especial sentido.
Fascinante, sombrio, absurdamente intenso - e com a mesma aura de amor e de sombra que parece caracterizar todas as aventuras de Dylan Dog. Assim é este Trevas Profundas, leitura breve, mas marcante e transbordante de momentos poderosos. Brilhante, em suma.

sexta-feira, 13 de novembro de 2020

Diário de Uma Miúda como Tu: Tique Taque Toque (Maria Inês Almeida e Manel Cruz)

Ter a perna engessada não é nada agradável, principalmente para alguém com tantos passatempos como a Francisca. Mas as limitações físicas não significam necessariamente que ela não tenha outras coisas a que se dedicar. Além da necessidade imperiosa de ter positiva a matemática, a Francisca tem o seu canal, as suas amigas e... bem, um mistério. A descoberta de um esconderijo secreto põe-lhe nas mãos uma cápsula do tempo e a Francisca quer saber a quem pertenceram esses objectos. Entretanto, a vida e a escola continuam, e, para cada desilusão, há novas descobertas. E talvez... novas emoções.
Parte do que torna estes livros tão divertidos, mesmo a um olhar adulto, é a forma como a sua leveza e fluidez nos transportam para a nossa própria infância. Acompanhar a Francisca é lembrar também os primeiros sonhos, as primeiras desilusões, as pequenas grandes frustrações com as notas, com os amigos, com as trapalhadas da vida, em suma. E, assim, embora seja a história singular da sua protagonista, cada um destes livros leva-nos também à nostalgia. Além, claro, de abordar temas importantes que nunca deixam de ser pertinentes, independentemente da idade do leitor.
Parte do que caracteriza a Francisca é a sua consciência ambientalista, havendo, por isso, sempre uma mensagem a este respeito em cada uma das suas aventuras. Neste caso, surge também o tema das desigualdades, o que acrescenta mais material para reflexão. E, tendo sempre em vista o público preferencial a que estes livros se destina, importa sempre destacar a leveza e a clareza com que estas questões são abordadas, de forma muito simples, mas salientando sempre a sua importância.
Temas sérios à parte, continuam a manter-se as mesmas características dos volumes anteriores: leveza, simplicidade, um sentido de humor muito cativante e uma história que, feita sobretudo de coisas normais, se destaca também por isso mesmo: por a Francisca ser, parafraseando o título, uma miúda como nós, perfeitamente normal. Claro que é, como sempre, uma história relativamente breve, mas, livro a livro, aventura a aventura, a personagem vai sempre ganhando mais vida, tornando-se assim mais próxima e mais completa.
Simples, cativante e com uma forma muito eficaz de falar de coisas sérias de forma leve e divertida, trata-se, pois, de mais uma leitura rápida, mais muito envolvente. É sempre um prazer reencontrar a Francisca - e ver em que aventuras se vai meter a seguir.

quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Encontrar-me, Encontrar-te, Encontrá-lo (Maria Cunha e Silva)

A perda da mãe e o peso das responsabilidades levaram Júlia a abandonar quaisquer expectativas e a viver a sua vida de acordo com o que dela era esperado. Mas o tempo passou, a dor só se tornou mais pesada e a única âncora que manteve - o namorado - parece-lhe agora mais uma limitação. Para amar o mundo, precisa de se amar a si mesma, e não o está a fazer. É, pois, por impulso e necessidade de se encontrar que Júlia compra um bilhete para a Tailândia, na esperança de que, durante as suas viagens, encontre a sua verdadeira identidade. O que nem sequer imagina é que vai encontrar muito mais além disso...
Provavelmente o grande ponto forte deste livro é a sua capacidade introspectiva e a forma como, alongando-se nos pensamentos, dúvidas, paixões, certezas, valores e mudanças da protagonista, a autora consegue evocar bocadinhos da vida de qualquer um de nós. Todos conhecemos perdas, (des)ilusões, esperanças que falharam, abismos aparentemente infinitos e bases de superação improváveis. E, assim, ainda que nem sempre seja fácil compreender estas personagens, existem sempre pontos de proximidade, frases que falam à nossa própria identidade e nos fazem querer saber mais sobre este grupo de pessoas.
A maior surpresa vem também deste percurso, já que as escolhas das personagens são muitas vezes moralmente ambíguas, o que significa que ninguém é absolutamente admirável nem um absoluto vilão. Bem... quase ninguém. Ora, isto tem dois impactos: o primeiro é a percepção das imperfeições humanas, pois escolhas erradas acontecem a todos e as perspectivas mudam consoante o conhecimento. O segundo é que nem tudo é justificável, daí que haja um ponto em que os tons de cinzento têm de dar lugar a uma percepção mais clara.
E é isto que me leva a outra ambiguidade: a sensação de que ficam nesta história algumas pontas soltas. O percurso de Jacob e a história familiar de Rafael passam para segundo plano face à história de amor dos protagonistas, o que deixa vários assuntos por resolver. E, sendo certo que assumem uma posição secundária, é impossível não ficar com uma certa curiosidade insatisfeita, num dos casos por falta de consequências, no outro pela grande revelação final.
Tendo tudo isto em conta, sobressaem dois pontos na impressão final: a força emotiva do que é, acima de tudo, uma história de amor e o crescimento da protagonista, que, ambiguidades à parte, chega ao fim do seu caminho como uma pessoa melhor e com uma voz própria muito mais firme. Juntemos a isto as várias frases memoráveis e os pontos de proximidade e o resultado é muito simples: uma história que não é perfeita, mas não deixa, ainda assim, de ser uma boa leitura.

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Divulgação: Novidades Desassossego e Saída de Emergência

Nascida em Praga em 1929 no seio de uma família judaica, Dita Kraus viveu durante um dos períodos mais turbulentos do século xx. Neste livro ela relata com impressionante clareza os horrores e as alegrias de uma vida adiada pelo Holocausto: das suas primeiras memórias e amigos de infância em Praga antes da guerra, à ocupação nazi que a enviou a ela e à sua família para o gueto judaico de Terezín, ao medo inimaginável da sua detenção em Auschwitz e Bergen-Belsen, e à vida depois da libertação. Dita escreve com rigor sobre as difíceis condições dos campos, sobre o seu papel como guardiã da mais pequena biblioteca do mundo e sobre o papel fundamental que os livros tiveram como escape da realidade. E vai além do Holocausto, apresentando a vida que reconstruiu depois da guerra: o seu casamento com o sobrevivente Otto B. Kraus, a nova vida em Israel e a maternidade.
Esta é a verdadeira história da bibliotecária de Auschwitz contada pela sua protagonista.

DITA KRAUS
Nasceu em Praga em 1929. É uma das poucas sobreviventes cujos desenhos de infância foram miraculosamente resgatados e estão em exibição no Museu Judeu de Praga.
Em 1942, quando tinha 13 anos, ela e os seus pais foram deportados para Theresienstadt e depois para Auschwitz. Posteriormente, elae a mãe foram enviadas para trabalhos forçados na Alemanha e depois para o campo de concentração de Bergen-Belsen. Depois da guerra, Dita casou com Otto B. Kraus. Ambos emigraram para Israel em 1949, onde trabalharam como professores. Tiveram três filhos.

Veronica tem 17 anos e é uma aluna excelente com um futuro promissor… até ter nas suas mãos um teste de gravidez com duas linhas cor‑de‑rosa. Com todos os seus planos a desmoronarem, equaciona algo impensável: fazer um aborto. Mas há um problema: a clínica mais próxima fica a 1500 quilómetros e Veronica não tem carro. Desesperada, recorre à única pessoa que sabe que não a vai julgar: Bailey Butler, a rebelde da escola e a sua ex‑melhor amiga. O plano é simples: catorze horas de viagem até à clínica, três horas para a intervenção e catorze horas de regresso. O que poderá correr mal? Tudo, se pensarmos em três dias de carros roubados, caçadeiras e ex‑namorados histéricos. Pior: a dor de uma amizade desfeita está demasiado presente e quando uma discussão leva a um brutal momento de verdade entre elas, Bailey abandona Veronica.
E então a jovem terá de arriscar tudo — a sua hipótese de fazer o aborto, as suas esperanças e sonhos para o futuro — para reparar a dor que causou. É que ela já percebeu que o caminho para a vida adulta é duro… mas bem mais fácil quando se tem uma amiga ao lado.

Jenni Hendroks foi durante vários anos argumentista da série Foi Assim que Aconteceu. É também cartoonista e os seus trabalhos são publicados na revista Ms.
Ted Caplan trabalha como escritor e editor musical na área do cinema há mais de vinte anos. Esteve envolvido na criação da banda sonora dos filmes Maze Runner — Correr ou Morrer, Logan, Deadpool e O Ódio Que Semeias. É também o argumentista de Love Sonia, um filme sobre o tráfico sexual internacional, dos mesmos produtores de A Vida de Pi e Quem Quer Ser Bilionário?.

segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Dylan Dog - O Imenso Adeus (Mauro Marcheselli, Tiziano Sclavi e Carlo Ambrosini)

Enquanto reputado detective do paranormal, Dylan Dog está habituado a fenómenos estranhos. O que não lhe parece vulgar é que o seu fiel amigo e assistente esteja a comportar-se de forma... normal. Mas tudo ganha outra perspectiva com a entrada em cena de Marina, a sua paixão de juventude que, sem saber como, foi parar à porta de Dylan e precisa que ele a acompanhe a casa. Dylan não sabe bem o que se passa, mas a força das memórias não lhe permite hesitar. E a viagem de regresso ao passado, cheia de estranhezas e de memórias, esconde já uma verdade difícil... mas que é preciso aceitar.
Há algo de absurdamente fascinante na forma como a história de um protagonista que dedica grande parte da vida a investigar monstros e fenómenos bizarros consegue ser tão natural e familiar. Mais do que a estranheza dos acontecimentos - que são estranhos, entenda-se, mas que fluem também com uma naturalidade incrível -, marca a profundidade dos sentimentos e a complexidade de emoções e laços que ficaram no passado, mas prevalecem. Além disso, esta intensidade emocional cria um curioso contraste com a leveza dedicada aos momentos da juventude, um contraste que é também visual, mas que é, acima de tudo, emotivo.
Estranheza não falta, como é óbvio, desde a estrada deserta ao singular parque de diversões, passando pela arma vinda do nada e pelo omnipresente galeão. E há dois pontos a destacar acerca deste aspecto: primeiro, a intensidade das imagens que, moldadas sobretudo em contrastes de luz e sombra, dão a esta viagem... no tempo... um tom onírico que se lhe adequa na perfeição. Depois, os laços discretos, mas sempre tangíveis, que vão unindo as diferentes histórias. Cada episódio é um todo independente, mas a personagem é mais do que isso, e estes elos de ligação realçam fortemente a magia de cada reencontro.
E Dylan Dog... bem, Dylan Dog é apaixonante, com o seu passado cheio de mistérios, a melancolia que, a cada nova revelação, se vai tornando mais compreensível e uma expressividade absurda no olhar. É uma personagem enigmática, mas capaz de despertar profunda empatia, e é precisamente isso que o torna tão especial.
Um Imenso Adeus ao passado... e um belíssimo reencontro com as memórias. É essa a imagem que fica deste livro, melancólico e belo, mas com deliciosos rasgos de leveza a contrapor às sombras que nele se agitam. E um enigma, sempre... da matéria do improvável, mas delicioso de decifrar.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Lucky Luke Muda de Sela (Mawil)

Mais rápido do que a própria sombra e astucioso como muito poucos, nem mesmo cheio de sono Lucky Luke consegue deixar de ir em auxílio de quem precisa. Mas o seu encontro com o inventor Albert Overman trar-lhe-á aventuras como nunca viu. A caminho de uma corrida de bicicletas, o inventor leva consigo um novo e revolucionário modelo, com que espera bater a concorrência. Só que a concorrência tem outros planos... e Luke acabará por se ver obrigado a experimentar em primeira mão essa nova - e pouco expressiva - montada.
Como personagem intemporal que é, Lucky Luke dispensa apresentações, mas um dos pontos a sobressair desta nova aventura é o cativante equilíbrio entre familiaridade e inovação. Não é propriamente fácil imaginar um cowboy sem o seu cavalo, certo? E é esta mudança, com todas as peripécias divertidas que a acompanham, que torna esta história tão diferente, sendo, porém, em simultâneo perfeitamente evocativa do Lucky Luke tradicional (disparos rapidíssimos incluídos).
Embora as características e a personagem sejam sobejamente conhecidas, há, ainda assim, uma certa singularidade. Se o compararmos, por exemplo, com O Homem que Matou Lucky Luke, vemos não só um traço muito diferente, aparentemente um pouco mais... rotundo (e não vou explicar o porquê desta palavra, porque estaria a revelar a surpresa final), mas também um registo global mais leve. As atrapalhações de Luke com a bicicleta e toda a situação em torno do seu cavalo são simplesmente deliciosas, tal como a relação entre o casal de bandidos. E assim, mais do que os tiros e a perspicácia (não querendo, ainda assim, dizer que os não haja) sobressai um humor verdadeiramente brilhante.
Quanto aos bandidos e à história principal, fica, por vezes, a sensação de um avanço ligeiramente apressado, em que talvez a parte dos vilões pudesse ter sido um pouco mais desenvolvida. Mas faz um certo sentido este ritmo alucinante, reflectindo um pouco a imagem da correria de Lucky Luke no seu novo... burro de ferro.
Leve, cativante e, acima de tudo, com um sentido de humor delicioso, eis, pois, uma leitura breve, mas absolutamente empolgante. Um Lucky Luke diferente, talvez, mas tão irresistivelmente familiar que deixa saudades.

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Estou Zangado (Aurélie Chien Chow Chine)

No que diz respeito às emoções, a crina mágica do Gastão nunca o deixa mentir. E, desta vez, o Gastão está muito, muito zangado. Mas porquê? Ora, porque... porque as coisas nem sempre correm como ele quer. E, como todas as outras emoções, também sentir-se zangado é normal, desde que temporariamente. Por isso, o Gastão tem um exercício para lidar com a nuvem negra que, às vezes, aparece na sua cabeça. E, assim, pode voltar a sorrir!
Se, mesmo para os adultos, nem sempre é fácil compreender as emoções e lidar com elas, para os mais novos será ainda mais difícil. E é este o primeiro aspecto que importa salientar sobre este conjunto de pequenos livrinhos: a capacidade de transmitir uma mensagem de normalidade, que todas as emoções fazem parte da vida, incluindo as negativas, e é preciso lidar com elas. Junte-se a isso a simplicidade, a leveza e a cor e o resultado é, além de uma mensagem positiva, um livro muito bonito para ler aos mais pequenos.
Provavelmente, é também devido a esta mensagem que, apesar de todos os livros seguirem basicamente a mesma estrutura - explicação, história, exercício - a leitura nunca se torna repetitiva. Cada livro tem um percurso a transmitir para cada emoção e, embora as linhas gerais sejam as mesmas, a emoção tem impactos muito diferentes. Daí que, apesar da relativa brevidade e da fórmula comum, sejam perfeitamente distinguíveis - além de sempre cativantes.
Simples, breve e muito ternurento, trata-se, em suma, de uma leitura muito rápida, mas perfeitamente capaz de explicar, com um toque de magia, o funcionamento de uma emoção que, apesar de desagradável, não deixa de ser normal. E que não são só os mais novos que precisam de entender.

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Proezas de Unicórnio (Dana Simpson)

Ter amigos é bom. Ter uma amiga que é um unicórnio é... cintilante! E a Bia já não passa sem a sua amiga Pureza. Parceira de bowling, boleia constante, tema dos seus trabalhos de escola, musa mais ou menos inspiradora para as suas composições no piano e companheira de todos os momentos, a Pureza é uma parte essencial da vida da Bia. E, diga-se de passagem, além de lhe acrescentar brilho, acrescenta também diversão... muita diversão.
Parte de uma série já relativamente longa, mas em que a grande maioria dos episódios são basicamente independentes (até porque grande parte dos livros são compostos mais por momentos da vida da Bia do que propriamente por uma história sequencial), uma das primeiras coisas que importa dizer sobre este livro é que se lê de forma perfeitamente independente. Não é preciso ter lido todos os volumes anteriores, ou sequer alguns, para apreciar estas pequenas aventuras. Ainda assim, não deixa de ser verdade que, terminada a leitura, fica sempre a vontade de ler mais sobre estas duas personagens.
Claro que, para quem já leu alguns dos outros livros, as características essenciais mantêm-se iguais: cor, simplicidade, brilho (porque, afinal, a Pureza é um unicórnio...) e humor, conjugados numa sucessão de pequenas aventuras e episódios divertidos que proporcionam uma leitura leve e sempre cativante. E é interessante notar que, mantendo embora as mesmas características de livro para livro, a leitura nunca se torna repetitiva. Talvez a simplicidade contribua para isso, mas o mais marcante é, ainda e sempre, a amizade que une estas duas personagens. E, assim, o reencontro é sempre agradável.
Um último ponto constante, mas que importa sempre mencionar, é a capacidade de falar de coisas sérias - e até de apelar à reflexão - sem nunca perder de vista a leveza. O valor da amizade, os possíveis preconceitos, as diferenças entre gerações e até a luta contra o sistema (das convenções instituídas) marcam presença ao longo deste livro - sempre de forma leve e concisa, mas nem por isso menos relevante. E, sendo um livro para os mais novos, talvez seja mesmo esta a melhor forma de começar a abordar questões mais profundas.
Leve, colorido e, acima de tudo, muito divertido: assim é este novo livro da Bia e do seu Unicórnio. Um conjunto de episódios caricatos e cativantes - com temas sérios a pairar - e uma leitura que, embora relativamente breve, facilmente nos arranca múltiplos sorrisos. Perfeito para descontrair, em suma.

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Berserker: Exilado (Jeff Lemire e Mike Deodato Jr.)

Anos de luta constante, de violência e de guerra valeram-lhe uma reputação indescritível. O Berserker. O Rei Mestiço. Há até quem lhe chame morte. Agora, porém, finalmente de regresso a casa, descobre que a morte chegou primeiro, não para o levar, mas àquelas que mais amava. O que lhe resta então, depois de tudo perdido? Lutar? Morrer? Ou... fugir? Não sabe o que o move a, pela primeira vez, fugir do perigo... tal como não sabe o que o espera. Uma misteriosa caverna transporta-o para um outro mundo, onde não compreende os modos nem a linguagem, mas onde os seus inimigos o perseguem. Ainda assim, talvez não esteja tão só como julga... e a amizade possa vir dos lugares mais improváveis.
Ao começar a ler uma história de bárbaros, esperam-se, talvez, muitas coisas, mas emotividade não será certamente uma delas. E é este magnífico ponto de partida que, desde as primeiras páginas, se entranha na memória com toda a força de um choque, conduzindo-nos depois numa jornada que tem, sim, também tudo aquilo que esperaríamos de uma história de bárbaros - grandes lutas, sangue quanto baste e uma certa e inevitável implacabilidade - mas também uma profunda humanidade. Das dúvidas interiores do protagonista aos laços familiares destroçados, passando pela estranha e encantadora amizade que se vai formando ao longo do livro, a verdade é que as páginas transbordam de sentimento, o que, além de inesperado, é qualquer coisa de genial.
Outro aspecto que é impossível não notar, após uns quantos livros com o nome de Jeff Lemire, é a forma como cada história assume uma identidade própria - salientada, naturalmente, por um estilo de arte sempre distinto - sem nunca perder de vista a já tão enfatizada emoção. Cada mundo é um mundo diferente e todos têm o seu quê de brilhante. Este tem uma voz poderosíssima na figura do seu protagonista e um equilíbrio fascinante entre o improvável e o universal.
Mas voltemos ainda ao Berserker para salientar que, embora seja a emoção a grande surpresa, a história está muito longe de se esgotar aí. As cenas de combate estão cheias de movimento, a caraterização dos inimigos cheia de peculiaridades (há, aliás, uma expressão na fase final que fica na retina bem depois de fechar o livro) e existem mútliplos mistérios para desvendar. Escusado será dizer que ficam perguntas sem resposta - é apenas expectável num mundo como este. Mas é tão forte o impacto dos grandes momentos e tão estranhamente fascinante a empatia que esta história desperta que tudo o resto se torna secundário. Além disso, dado o envolvimento da névoa... bem, é adequado que certos aspectos permaneçam nebulosos.
Surpreendentemente emotivo, visualmente belíssimo e com um equilíbrio notável entre a fúria do guerreiro e o desamparo do pai, trata-se, pois, de uma história tão marcante quanto surpreendente. Intensa, memorável e, a espaços, absurdamente comovente, uma magnífica surpresa.

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Morte no Nilo (Isabelle Bottier e Callixte) | O Misterioso caso de Styles (Jean-Francois Vivier e Romuald Gleyse)

Um aparentemente inócuo - ainda que fascinante - cruzeiro pelas águas do Nilo que resulta na morte da detentora de uma grande fortuna, alguém que, apesar da juventude, parece ter vários inimigos reunidos no barco. E um misterioso envenenamento em casa de uma família de bem, mas onde grandes segredos parecem esconder-se nas sombras. Ambos casos fatais, intrigantes e aparentemente inexplicáveis. Nada é, porém, indecifrável para uma mente tão arguta como a de Poirot. E, por mais escassas que possam parecer as pistas, a verdade vem sempre ao de cima...
Algo que importa começar por dizer sobre este volume, à semelhança, aliás, das adaptações anteriores, é que se lê perfeitamente sem qualquer conhecimento dos romances que lhe serviram de base. Ainda assim, tendo já lido um dos dois romances, importa também dizer agora que o conhecimento prévio também não prejudica à leitura, não só porque a adaptação, com a sua componente visual e expressiva, lhe confere matizes diferentes, porque o enredo é suficientemente complexo para que haja sempre detalhes novos.
Olhando, pois, para o livro tal como ele é, e pondo de parte a existência ou não de conhecimento prévio do enredo, há dois aspectos que sobressaem: a arte, sobretudo na vida e expressividade que confere às personagens, e a capacidade de construir um equilíbrio perfeito entre a informação dada pelos diálogos e a que está contida nos elementos visuais. O resultado é um livro equilibrado, sem excessos explicativos e em que o impacto das surpresas é maximizado não só pelas expressões das personagens (principalmente em certos momentos mais dramáticos), mas também pelos tons dos próprios cenários.
Sendo um volume duplo, sobressai também o contraste de estilos. O Poirot de Morte no Nilo não é de todo igual ao de O Misterioso Caso de Styles. E, ainda assim, ambos evocam na perfeição a eterna figura do grande detective. Podem ser visões diferentes e estilos diferentes, mas ambos têm a alma da personagem e o seu encanto irresistível. E quanto às histórias... Bem, sobre as histórias não se pode dizer muito sem revelar demasiado segredos. Mas mistério e intriga não lhes faltam...
Não importa, pois, se se trata de um primeiro contacto com estas histórias ou da descoberta de uma nova formulação. O que é certo é que tudo nesta adaptação cativa: as expressões, a cor, os contrastes... e, naturalmente, as histórias e personagens. Envolvente, intrigante e cheio de surpresas, um belo duo de aventuras. Muito bom.

Divulgação: Novidades Saída de Emergência

Há mais de uma década, cinco adolescentes – Sloane, Matt, Ines, Albie e Esther – foram reunidos por uma agência governamental com base numa profecia que dizia serem eles os Escolhidos que destruiriam O Tenebroso, uma entidade maligna que espalhou o caos e ceifou milhares de vidas. Com o objetivo alcançado, a Humanidade celebrou a vitória.
Mas o conflito deixou marcas profundas. Se o mundo seguiu em frente e há uma nova geração que não tem memória da guerra, tal não acontece a Sloane. É impossível para ela esquecer os segredos que a perseguem e O Tenebroso ainda assombra os seus sonhos. Ao contrário dos restantes, Sloane não conseguiu seguir em frente; sente-se à deriva – sem direção, objetivos ou propósito.
Na véspera das celebrações dos Dez Anos de Paz, um novo trauma atinge os Escolhidos: a morte de um deles. E quando se reúnem para o funeral descobrem, para terror de todos, que o reinado d'O Tenebroso nunca terminou verdadeiramente.

VERONICA ROTH cresceu em Barrington, Illinois, e vive em Chicago.
Estudou Escrita Criativa e é a autora de várias obras de sucesso, nomeadamente da série Divergente, adaptada ao cinema.
Pode consultar a página da autora em https://veronicarothbooks.com/.

 
Prisioneira do elfo Avallac’h, Ciri tem de decidir se aceita dar ao rei dos Amieiros um filho para assim poder alcançar a liberdade. Cansada de fugir, a jovem percebe que encarar o seu destino é a única forma de salvar aqueles que ama. Geralt de Rivia e os seus companheiros chegam finalmente ao castelo de Stygga. Para proteger Ciri e Yennefer, o bruxo vê-se obrigado a enfrentar novamente o terrível feiticeiro Vilgefortz. E, para piorar, o mundo continua mergulhado em guerra…
Natural da Polónia, Andrzej Sapkowski (1948-) é um aclamado autor de fantasia, conhecido pela saga The Witcher e pela criação da personagem Geralt de Rivia.
Vencedor de inúmeros prémios polacos e europeus, a sua obra já foi traduzida para mais de vinte línguas. A saga literária The Witcher inspirou uma série de videojogos de grande popularidade que vendeu mais de 20 milhões de cópias no mundo inteiro.


Minerva Hepplewhite aprendeu da pior forma a tomar conta de si. Depois de ser acusada da morte do marido, ela monta um discreto negócio de investigação que atrai atenções indesejadas… nomeadamente a de Chase Radnor, um homem que há anos podia ter destruído a vida de Minerva. Chase não consegue decidir se Minerva é uma mulher injustiçada ou uma femme fatale. Mas tem uma certeza: ela é a pessoa ideal para o ajudar a descobrir por que razão o seu tio, um abastado duque, a nomeou como herdeira e morreu pouco tempo depois em circunstâncias suspeitas. Quando a súbita atração dá lugar a uma sedução mútua, ambos terão de perceber se a parceria na investigação pode ser o primeiro passo para uma aliança muito mais profunda…

Madeline Hunter é autora bestseller de romances históricos e vive na Pensilvânia, EUA, com o marido e dois filhos. Os seus livros ganharam dois RITA Awards e tiveram sete nomeações. Numa existência paralela à que tem como romancista, Madeline é formada em História e é professora numa universidade na Costa Leste.

Estamos no início dos anos 80. O ex-marine Jack Ryan é um historiador que está em Inglaterra a fazer investigação para um livro sobre o IRA. Uma série de perigosos encontros com membros desta organização terrorista chamam a atenção do diretor da CIA, que propõe a Jack trabalhar como analista para a agência. Logo no primeiro dia de trabalho um documento importante chega à sua mesa: o novo Papa, João Paulo II , enviou um ultimato privado a Varsóvia: se o regime continuar com a repressão, ele será obrigado a renunciar ao papado e a regressar à Polónia para lutar contra o bloqueio soviético.
Em Moscovo, Yuri Andropov, diretor do KGB, está seriamente preocupado com tudo o que isto significa para si e para o governo soviético: um só homem pode fazer fracassar todo o trabalho da sua vida. O Papa é muito poderoso, mas também é um mortal… Nas semanas seguintes, Jack Ryan deverá enfrentar uma reação em cadeia que jamais teria imaginado, um jogo de gato e rato entre a URSS e os Estados Unidos que ameaça não só os líderes mundiais mas também a estabilidade do mundo ocidental.

TOM CLANCY foi autor de vários bestsellers do The New York Times. Apaixonado por história naval, sempre teve o desejo de escrever um romance.
A sua primeira tentativa, A Caça ao Outubro Vermelho, revelou-se um estrondoso sucesso internacional. O realismo e autenticidade dos seus livros, bem como o enredo complexo e o suspense que sempre imprimiu às suas histórias, valeram-lhe um lugar entre os grandes mestres do suspense e do thriller.
Tom Clancy faleceu em outubro de 2013. Pode consultar a página do autor em tomclancy.com.


Durante uma pausa para o almoço, um professor bebe um chocolate quente desconhecendo que acaba de se condenar a uma morte agonizante. A comunidade escolar fica chocada e as raparigas que encontram o corpo ficarão traumatizadas para toda a vida. Para a tenente Eve Dallas, homicídio e mentira andam de mãos dadas, e a sua tarefa é investigar os suspeitos e descobrir a razão de alguém matar um homem que parecia tão inofensivo… tão inocente.
Já Magdelana Percell é uma pessoa que Eve consegue imaginar como vítima de homicídio. Possivelmente às mãos de Eve. A elegante loira — e antiga paixão de Roarke — apareceu em Nova Iorque determinada a recuperar o tempo perdido. Consumida pelo ciúme e pela indiferença de Roarke, Eve tem dificuldades em concentrar‑se no caso, mas terá de pôr de lado a sua vida pessoal quando é encontrada uma segunda vítima e as atenções se voltam para a escola de elite que está na origem dos crimes.

J. D. Robb, pseudónimo de Nora Roberts, é uma das autoras mais lidas, acarinhadas e respeitadas em todo o mundo. Com mais de 500 milhões de cópias vendidas em todo o mundo e cerca de 90 bestsellers na lista do The New York Times, Nora Roberts foi a primeira autora a ser convidada para o Romance Writers of America Hall of Fame. Nascida em Silver Spring, Maryland, é a mais nova de cinco filhos e vive em Keedysville, onde continua a escrever.