quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Balanço de 2021

2021. O ano da peste, parte dois, e em muitos aspetos semelhante ao anterior. Mas, mesmo em tempos de pandemia, de incertezas, confinamentos e até talvez de um certo caos, existem sempre momentos de luz. E querem melhor para nos lembrar de que um livro é sempre um bom amigo do que os momentos em que precisamos da companhia de uma boa história para nos transportar para outras paragens, para nos lembrar o que realmente importa e para nos apresentar gente fascinante? Pois o meu ano não foi propriamente o mais prolífico de sempre em termos de leituras, até porque os dias continuam a ter só vinte e quatro horas, mesmo em anos longos como este, mas, com o simpático total de 176 leituras num ano, também não foi nada mau, pois não? E, como a qualidade é sempre mais importante do que a quantidade, deixem-me que vos diga que não faltaram leituras memoráveis. Principalmente - mas não só - estas dez.


É, de certa forma, inevitável que, quando leio um livro novo deste autor, ele acabe no topo das minhas listas de preferências. É que este livro não foi só a leitura do ano. É mais um belíssimo volume da que é provavelmente a minha série favorita de sempre. Com o seu protagonista brilhante, o enredo complexo, a intriga poderosíssima e uma voz absolutamente singular, tudo neste livro é irresistível. Tudo fica na memória, sejam os momentos de ternura ou os de devastação, os de esperança ou os de desolação. E é sempre um reencontro mágico, belíssimo. Prodigioso.

E por falar em séries favoritas... Tudo nesta série, e especialmente neste volume, é brilhante, a começar pelo facto de ser narrado pelo Mal. (Sim, com maiúscula.) E é diferente em todos os aspetos, do registo ao desenvolvimento das personagens, e sem esquecer a escrita como é natural. Viciante, implacável e todo ele uma enorme surpresa, é daqueles livros que nunca se esquecem, tanto pela história, como pelas estranhas emoções que desencadeia.

Ora, um livro sobre uma pandemia para ler em tempos... de pandemia. Só que esta pandemia é consideravelmente mais catastrófica e a forma impressionante que o autor encontrou para construir esta história, com as medidas certas de esperança e de devastação, mas sem falsas ilusões de um regresso ao antes, torna esta história, além de fascinante em tudo, verdadeiramente relevante na sua atualidade.

E voltamos às séries preferidas. Helen Grace é Helen Grace e jamais poderia faltar numa destas minhas listas. É uma série que nunca desilude e, com o seu ritmo viciante, as suas intrigas internas e o seu caso impressionante e cheio de adrenalina, este novo volume da série é, mais uma vez, M. J. Arlidge em toda a sua glória.

É o que o nome indica, um livro de conforto, sobre os pequenos confortos da vida, sobre os pequenos lampejos de luz que ajudam a seguir em frente quando a nossa própria pele se torna desconfortável, sobre o que nos torna humanos e sobre o que nos faz únicos. Focado no simples e essencial, mas belíssimo nas palavras e na mensagem, é um livro verdadeiramente reconfortante.

É uma releitura, mas uma releitura tão boa, tão satisfatória, que tinha de voltar a aparecer na lista. Afinal, não é todos os dias que uma pessoa se reencontra com o lendário André Marques-Smith. E é maravilhoso descobrir que, à segunda volta, a intensidade, o impacto emocional e a capacidade de surpreender se mantêm absolutamente intactas.

Se o romance original já é brilhante, esta adaptação não lhe fica atrás. Muito fiel ao original, ganha uma nova força com o poderoso impacto visual, que dá uma força explosiva a uma história que já é, por si só, muitíssimo intensa e relevante. É, de certa forma, também um reencontro, mas de uma forma nova e fascinante. Um livro belíssimo, em suma.

Há uma força singular neste livro, na forma como a história serve de base para percursos complexos e profundamente humanos, na beleza das palavras mesmo quando o que descreve é devastador e na forma como a ambiguidade moral abre caminho a uma poderosa reflexão. É um livro que se entranha discretamente, mas que fica na memória. E que, mais por exemplos do que por discursos, abre portas à instrospeção.

Dupla presença, pois claro. Porque, se a releitura nunca desilude, o mesmo acontece sempre que há um livro novo. Supera sempre as expetativas. Este mantém todas as qualidades de sempre: viciante, intenso, cheio de surpresas e de momentos marcantes. Ou não fosse o autor presença habitual nestas minhas listas.

E Monstress, naturalmente. Porque é mais uma daquelas séries que não podia falhar. Visualmente deslumbrante e poderoso nas suas intrincadas intrigas, é o tipo de história a que é sempre um prazer regressar. Mesmo quando o universo continua a expandir-se e o cenário global se vai tornando mais complexo. Porque a emoção está sempre lá, mesmo quando tudo parece estranho.

E foi assim mais um ano em leituras. Para o próximo, como sempre, parto sem grandes planos literários (até porque não faltarão, certamente, boas surpresas para descobrir), mas com a expetativa de continuar a ler coisas boas de todos os géneros e vozes.

Continuaremos a ver-nos por aqui. Até lá, feliz 2022!

domingo, 26 de dezembro de 2021

Jolly Jumper Já Não Responde (Guillaume Bouzard)

Jolly Jumper está diferente. Não reage, recusa-se a responder, parece desinteressado. Por isso, quando Lucky Luke recebe uma missão, conta que a nova aventura possa reatar os laços entre homem e o cavalo. Só que o cavalo continua a não responder. E a aventura não é bem o que parecia...
Provavelmente o elemento mais marcante deste livro é a omnipresença do humor. Carregadinho de momentos divertidos e de situações peculiares, todo ele é leveza e descontração, além de não faltarem diálogos capazes de arrancar gargalhadas. Além disso, esta constante leveza faz com que a história, apesar de relativamente curta, ganhe uma certa singularidade, pois a missão torna-se quase secundária às relações.
Do lado visual, sobressai um aspeto curioso, o de que cada uma destas homenagens tem um traço muito diferente, mas a aura das personagens permanece inconfundível. O rosto deste Lucky Luke é bastante diferente, por exemplo, do de O Homem que Matou Lucky Luke, mas é, ainda assim, perfeitamente reconhecível, ainda que as próprias personagens pareçam achar o contrário. E este traço mais leve contribui também para realçar a leveza do enredo.
Claro que, sendo um livro relativamente breve, e em que a missão parece passar, por vezes, para segundo plano, poderá parecer que alguns aspetos da aventura evoluem demasiado depressa. Mas faz um certo sentido, porque, olhando bem para a história, a verdade é que a missão não é mesmo o mais importante.
Leve, cativante e divertidíssimo, trata-se, em suma, de um encontro singular com o eterno cowboy mais rápido do que a própria sombra. E de uma aventura breve, mas certamente muito interessante. 

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Feliz Natal


 Não falte ainda a luz e o calor dos dias
em que há um pouco mais de esperança
e um pouco mais de cor nos sonhos de cada dia.
Não falte o coração para abrir os braços
nem a memória para recordar os que são nossos
de alma, de afinidade, de coragem,
da vida que nos envolve os passos.
Não faltem ainda as histórias que nos confortam,
as palavras certas que nos acordam a alma
e nos lembram que a magia destes dias de luz
perdura um pouco por todos os dias.

Feliz Natal.

5 Noites até ao Natal (Jimmy Fallon e Rich Deas)

Já falta pouco para o Natal. As decorações estão por todo o lado, o mundo encheu-se de luz e está iminente a chegada do Pai Natal. E, ante toda esta emoção, como se faz para dormir as poucas noites que faltam? Bem, deixando o entusiasmo fluir... Pelo menos, é essa a estratégia do protagonista deste livro.
Parte do que torna este livro tão ternurento é a forma genuína como reflete o entusiasmo de muitas crianças por esta época do ano. Muitos de nós passaram por essa emoção... ou continuam a passar. E é fácil reconhecer essa expetativa nesta história.  Que é muito breve e muito simples, como seria de esperar, mas reflete perfeitamente o essencial.
Outra fonte de ternura, e é mesmo a ternura a alma deste livro, está nas ilustrações, cheias de expressividade e de emoção nos rostos, de cor e de beleza nos cenários, e de espírito natalício em todos os aspetos. É um livro bonito de folhear e de ler, e também isso o torna perfeito para partilhar com os mais novos.
Ainda uma última nota para referir a cadência do texto, que, apesar da brevidade, reflete com precisão o entusiasmo da espera no ritmo das palavras. É, aliás, uma experiência particularmente interessante lê-lo em voz alta, pois as frases têm um ritmo singular.
Integralmente feito da ternura e da expetativa que tão frequentemente associamos a este período, trata-se, em suma, de um bonito livro para partilhar com os mais pequenos. E para nos recordar a todos de tempos mais inocentes e ternos. Uma bela leitura natalícia, em suma.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

Apneias Emocionais (Timothy Hagelstein)

Brilhos de encanto viajante e sombras de traumas passado. Evocações lendárias e históricas e introspeções pessoais e intransmissíveis. Poesia do imaginário e reflexão de convicções bem reais. Tudo isto faz parte deste livro, onde a poesia e as memórias singulares se repercutem em traços de união.
Algo que importa começar por dizer sobre este livro é que é inexoravelmente pessoal. Feito de uma poesia muito intimista, entrelaçada em notas e pensamentos baseados na experiência, é a voz da vida e da experiência do autor. Mas é também uma voz vasta e abrangente, que, na multiplicidade dos seus cenários, terá inevitavelmente algo de próximo. Podemos não partilhar de algumas ideias ou não conhecer algumas das experiências evocadas, mas há sempre um laivo de familiaridade. E, às vezes, torna-se muito próximo.
Também a estrutura contribui para realçar este registo intimista, com uma forma essencialmente livre, mas com a rima a surgir nos momentos certos e uma cadência que embala, a evocar como que uma viagem à memória. E somando a isto as citações e introspeções, fica quase a impressão de algo que, não o sendo, bem poderia ser também um diário.
É naturalmente inevitável que alguns textos deixem uma marca mais intensa do que outros. Mas este aspeto desperta uma impressão curiosa. Lido sequencialmente, este livro assemelha-se quase a uma viagem interior. Voltando aos momentos mais marcantes, é um reencontro e uma meditação.
Pessoal e intransmissível, mas capaz de gerar proximidade e um sentido de identificação, trata-se, em suma, de um livro intimista e envolvente. E principalmente cheio de emoção. 

sábado, 11 de dezembro de 2021

Gente Feita de Terra (Carla M. Soares)

Viúva há relativamente pouco tempo, Filomena não sabe muito bem o que fazer com a sua vida nem como se reconstruir. Por isso, volta-se para o passado, para a história da mãe, tal como a recorda e imagina. Brígida partiu jovem para África, apaixonada e com uma grande história de amor no pensamento. Mas o caminho viria a ser tudo menos fácil e o amor menos fiel e duradouro que imaginava. E será essa a história que a filha tentará reconstituir, procurando um lampejo de verdade onde se encontrar.
Parte do que esta história tem de mais belo é a forma como, numa história de vidas imperfeitas em tempos conturbados, onde não há espaço para trajetos de contos de fadas, há sempre uma capacidade intrínseca de realçar o mais marcante de cada personagem. Mesmo no caso daquelas que são mais fáceis de odiar do que de entender, há sempre um lado vulnerável que as aproxima e que realça uma existência para lá do julgamento inicial. E, por outro lado, as que mais empatia desperta, têm também as sua ambiguidades e imperfeições, o que só as humaniza.
Outra das grandes forças deste livro é, naturalmente, a sua voz singular e a forma como equilibra um registo intimista, nostálgico, poético, até, de vez em quando, com comentos de grande intensidade dramática e outros de surpreendente leveza. Tal como a vida real, também este romance é feito de grandes revelações e pequenos passos, de exteriorização e introspeção, de gritos e de silêncios.
Finalmente, importa ainda salientar a estrutura e a forma como oscila entre diferentes perspetivas e períodos temporais sem nunca perder a fluidez e a envolvência. Na verdade, sendo também um romance sobre memórias, estas deslocações no tempo fazem especial sentido, além de realçar as ligações e semelhanças entre as personagens.
Maravilhosamente escrito e com um enredo sempre cativante, complexo, como as pessoas, mas cheio de intensidade, trata-se, em suma, de um livro memorável em todas as suas facetas. E marcante, como as gentes que nele habitam.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

O Vendedor de Felicidade (Davide Calì e Marco Somà)

E se a felicidade se vendesse em frascos? Todos quereriam um pouco. E é isso que o senhor Pombo faz, vai de casa em casa a vender diferentes frasco
s de felicidade. Mas será mesmo possível? E que preço terá?
Parte do encanto deste pequeno livro - e é deveras encantador - está na assombrosa beleza das ilustrações. São hipnotizantes, cheias de pormenores e singularidades, de pequenas surpresas escondidas e, claro, de expressividade e ternura. É, pois, impossível não tirar prazer das páginas deste livro, da contemplação das imagens e da vastíssima vida que dão a uma história que é, na sua essência, muito simples.
E falemos então da história. É realmente muito breve e muito simples, como se quer num livro infantil, pois isso torna-a perfeita para ser lida em voz alta. E, ainda assim, se olharmos para a mensagem, não é assim tão simples. Paga-se pela felicidade? Quanto? Pouco? Demasiado? É uma questão importante e, curiosamente, talvez tenha mais impacto de uma perspetiva adulta. O que significa que não é só, afinal, um livro infantil.
Eis, pois, um livro muito breve e aparentemente simples, mas cheio de força e de beleza em todos os seus aspetos: história, mensagem e ilustrações. Perfeito para os mais pequenos, mas capaz de encantar qualquer olhar, uma surpresa memorável para leitores de todas as idades.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

Dylan Dog - O Número Duzentos (Paola Barbato e Bruno Brindisi)

Antes de se tornar no detetive do pesadelo, Dylan Dog tinha outra vida e um grande amor pela frente. Mas tudo se desfez e agora o único refúgio que lhe resta é o álcool para lidar com as memórias e com a dúvida sobre o que fazer da sua vida. Só que, embora parecendo ter perdido tudo, Dylan não está tão só como imagina. As memórias do passado apontam-lhe uma possível vocação. E os laços que ainda duram do presente podem muito bem bastar para lhe dar razões para continuar... mesmo que essas razões impliquem também uma medida de tragédia.
Há algo de fascinante na forma como as aventuras de Dylan Dog vivem tanto do sobrenatural e do impossível como do absurdamente humano. É, aliás, surpreendente a forma como acabam por ser estas facetas mais humanas a entranhar-se na memória, mesmo quando tudo à volta é estranho e improvável. Ora, este Número Duzentos é provavelmente uma das mais humanas histórias deste detetive sobrenatural, debruçando-se menos sobre mistérios transcendentes e mais sobre as facetas mais duras da vida. É também uma porta para o passado do protagonista. E sendo Dylan Dog quem é... só pode ser impressionante.
Mantêm-se essencialmente as características que tornam cada uma destas aventuras tão interessante. Como habitual, trata-se de um percurso essencialmente independente, embora particularmente enraizado no passado e no futuro do protagonista. Mantém-se também - e a um nível particularmente elevado - o delicado equilíbrio entre humor, mistério e desolação. E, claro, mantém-se o fascínio das imagens, tanto nos cenários mais vastos, como na expressão dos rostos, que adquire neste livro também um impacto particular dadas as situações de várias das personagens.
Mas voltemos ao percurso específico desta história, para salientar, por último, um aspeto particularmente poderoso. É que nas suas sensivelmente cem páginas, carregadas de humor, de leveza e também do inevitável rasgo de aventura, cabem tantas questões e tão sérias que é impressionante a forma como tudo encaixa na perfeição. Do luto ante uma perda ao mergulho no abismo do vício, passando pela ambiguidade de assumir um papel em que não se acredita, há toda uma vastidão de questões relevantes e a intensidade com que surgem e com que se repercutem na história é simplesmente soberba.
Leve, mas profundo. Breve, mas vastíssimo. Cheio de pormenores e de vida, apesar das suas facetas sombrias. Assim é este novo portal para as profundezas da alma de Dylan Dog - intenso, irresistível, fascinante. E inesquecível, como sempre.