Todos os anos, Jeeter Lester acredita que, se conseguir que alguém lhe empreste uma mula e uma forma de comprar o adubo e as sementes, conseguirá produzir uma boa colheita de algodão. Mas todos os anos as suas esperanças saem goradas, até ao ponto em que já não é muito importante tentar. Entretanto, a sua família vive na miséria, num ambiente em que apenas a satisfação das suas necessidades interessa e são os mais improváveis desejos a motivar as suas escolhas. Cruéis, como as condições em que vivem, os Lester encontram-se, a cada dia, a reviver o mesmo ciclo de vazio. E nem as mudanças prometidas chegam, nem as que acontecem são verdadeiras mudanças.
Bastante breve e com uma narrativa que se define tanto de momentos como de esperas, este é um livro que, apesar da escrita acessível e da forma relativamente sucinta como os acontecimentos são apresentados, se revela como inesperadamente complexo. Isto deve-se principalmente a dois factores: as emoções contraditórias que desperta e um cenário de miséria generalizada que, inevitavelmente, conduz à reflexão.
No que diz respeito às emoções, o mais impressionante está na forma como a relação disfuncional entre os vários elementos da família (e os que nela se introduzem) acaba por se confundir com uma quase normalidade. Indiferença e negligência, relações nebulosas e até mesmo um certo desprezo são presenças patentes na relação dos Lester, mas, apesar disso, há uma certa unidade na miséria, algo que os torna próximos. Esta aparente contradição desperta também sentimentos ambíguos, com episódios que se afiguram revoltantes a contrastar com situações em que é a compaixão que domina. E esta ambiguidade de emoções, reflexo também da ambiguidade moral das personagens, converge para o reflexo da miséria dominante, numa narrativa com tanto de trágico como de caricato.
Quanto à pobreza, com tudo o que, na história dos Lester, lhe está associada, sobressai o retrato de tempos de mudança, com o abandono dos campos como único meio de sobrevivência a contrastar com a persistência dos poucos que se recusam a partir. É neste aspecto que Jeeter Lester revela a sua verdadeira força, de homem censurável em tantos aspectos, mas firmemente decidido a permanecer no lugar que considera seu. Esta acaba por ser, aliás, a grande característica redentora de Jeeter, aquela que o humaniza. E, assim, um dos traços que tornam mais marcante a história de toda a sua família.
É difícil, pois, caracterizar de forma completa esta história tão breve, mas que, no seu percurso da estranheza à revelação, acaba por marcar de formas inesperadas. Contraditória e disfuncional, mas complexa e humana, mesmo no que tem de mais caricato, o certo é que fica na memória.