segunda-feira, 31 de julho de 2017

A Mulher do Camarote 10 (Ruth Ware)

Recentemente assaltada no seu apartamento, Laura Blacklock está bastante fragilizada, mas sabe que não pode deixar passar o que pode muito bem ser a grande oportunidade da sua carreira. A sua chefe está doente e, por isso, Lo foi convidada a ocupar o seu lugar na viagem inaugural de um cruzeiro de luxo. O que ela não sabe é que essa viagem lhe vai mudar a vida - e não da forma que imagina. Pois, quando, durante a noite, ouve o som de um corpo a ser deitado borda fora, Lo lembra-se do medo que sentiu durante o assalto e sabe que não pode simplesmente largar o assunto. Mesmo quando todos lhe dizem que não desapareceu ninguém e as pistas que tem são muito escassas...
Um pouco à semelhança do que acontece em Numa Floresta Muito Escura, uma das primeiras coisas a despertar curiosidade para este livro é a forma como a autora constrói para a sua protagonista um estado mental capaz de suscitar dúvidas. Dúvidas que se estendem não só às personagens que a rodeiam, mas ao próprio leitor, já que as circunstâncias de Laura, e a forma como são narradas, faz, por vezes, questionar a fiabilidade da sua história. E, claro, a explicação nunca é tão simples como o facto de a protagonista ter enlouquecido. Há sempre realmente algum mistério, ainda que nunca seja o que a protagonista imaginou inicialmente. E no caso de Lo, e da situação em que voluntariamente se envolveu, nunca nada é o que parece: nem os aliados, nem os inimigos, nem a própria vítima, o que faz com que cada revelação tenha mais impacto.
Claro que toda esta aura de mistério tem o efeito inevitável de querer saber mais: se houve ou não houve um corpo deitado borda fora; se sim, quem foi o responsável e quem são os possíveis cúmplices; quem é a misteriosa rapariga do camarote 10; e será que as teorias de Lo fazem, afinal, algum sentido? Há sempre uma pergunta em aberto e, quando a resposta surge, além de nunca ser a que se esperava, surge também uma nova pergunta na sequência da revelação. O resultado é uma leitura intensa, viciante e cheia de surpresas, do início ao fim.
Mas há ainda um outro aspecto a sobressair nesta história. Ainda que o enredo se centre, naturalmente, no que se passa a bordo do Aurora, há mais na história do que o mistério a responder. Por um lado, há a história pessoal de Lo, com o trauma do assalto e as relações passadas a moldar a sua forma de agir. E por outro, há o facto de a história se expandir para lá da simples revelação do culpado: as coisas não acabam por se saber quem matou... principalmente se essa pessoa puder voltar a matar. E, mais ainda que a surpresa de conhecer a identidade dos responsáveis, é a luta final pela sobrevivência que confere à fase final do enredo um ritmo simplesmente viciante.
Somadas todas as partes, fica a imagem de um livro empolgante, intenso, com personagens fortes e um enredo cheio de surpresas. Uma viagem misteriosa e fascinante que prende desde a primeira à última página. Recomendo. 

Título: A Mulher do Camarote 10
Autora: Ruth Ware
Origem: Recebido para crítica

Vencedor do passatempo Maresia e Fortuna

E terminou mais um passatempo. Agora, como sempre, é tempo de anunciar quem vai receber um exemplar do livro Maresia e Fortuna.

E o vencedor é...

22. Dália Antunes (Algueirão)

Parabéns e boas leituras!

sábado, 29 de julho de 2017

A Baleia que Engoliu um Espanhol (Marco Neves)

Acaba de começar o novo ano e ainda se ouve o barulho das comemorações quando Duarte recebe a chamada de um amigo do seu avô. O motivo da chamada é um misterioso envelope que o avô lhe deixou, a ser entregue apenas no ano de 2017. E, com tanta curiosidade como o portador da estranha mensagem, Duarte não hesita em deixar tudo para trás e rumar ao Baleal, onde o aguarda o misterioso envelope, com uma chave e um mapa no seu interior. Ora, chave e mapa são apenas a primeira pista para o que consta ser a localização de um tesouro que motivou muitas histórias. E é nessas histórias que estão as pistas para a verdade do estranho tesouro: histórias de amores proibidos, de nazis em fuga, de piratas e romanos e de uma baleia que engoliu um espanhol - que afinal era castelhano e não se sabe bem se foi ou não engolido.
Basta uma olhadela à sinopse deste livro para perceber que há muitas e estranhas histórias no seu interior. E, porém, o livro não chega às duzentas páginas. Estranho? Talvez um bocadinho e, por isso, talvez se espere encontrar histórias contadas à pressa, talvez com muitos aspectos deixados por explorar. Será? Não. Não é. E este é um dos grandes pontos fortes deste (relativamente) pequeno livro: é que, apesar da brevidade, tudo tem precisamente a medida certa. Não, não ficamos a conhecer a fundo a vida e os dilemas interiores das personagens, mas também não é propriamente esse o objectivo. É de uma aventura que se trata, afinal. Ah, e que aventura...
Continuando nos pontos fortes e nas muitas histórias que se entrelaçam nesta aventura, há um aspecto curioso que importa destacar. Num dos vários enredos construídos em torno do misterioso tesouro, um dos protagonistas é um monge que, qual Sherazade, utiliza as suas histórias para prender a atenção da sua amada, deixando sempre uma ponta para contar no dia seguinte. E, curiosamente, o autor faz várias vezes o mesmo neste livro, saltando entre os vários enredos para expandir a história do tesouro, ao mesmo tempo que deixa o leitor suspenso do que poderá ter acontecido àquela personagem em específico. Claro que a curiosidade é irresistível e as páginas vão passando quase sem se dar por elas, pois é preciso saber logo o que se segue. E assim a história flui ao ritmo do vício de se saber mais.
Mas ainda há mais a dizer. É que, além da forma de contar as histórias, também as próprias histórias têm muito de intrigante... e de peculiar... e, acima de tudo, de divertido! E, vistas como um todo, ao ritmo do percurso de Duarte na sua busca pelo tesouro, ganham ainda uma maior dimensão, pois criam uma teia de memórias que é, além de uma aventura muito intensa, uma viagem ao mundo da nostalgia. Quem não gostava de ouvir histórias em pequeno, afinal? Histórias como estas - tesouros, piratas, reis e as suas batalhas... - e outras que este livro acaba por fazer lembrar.
Ah, e quanto à história do tesouro? Bem, essa não posso contar, não é? Mas importa dizer isto: numa aventura onde tudo é, de alguma forma, surpreendente, também o final não podia deixar de o ser. E, mais do que isso, é também a conclusão mais adequada para esta história toda ela feita de histórias dentro de mais histórias.
Leve, breve, intenso e muito divertido: é este, portanto, o retrato que fica deste livro. Uma aventura que salta de história em história para nos lembrar que o maior dos tesouros nem sempre é aquele que mais brilha. Muito bom.

Título: A Baleia que Engoliu um Espanhol
Autor: Marco Neves
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 28 de julho de 2017

O Prodígio (Emma Donoghue)

Treinada por Florence Nightingale num tempo em que as boas práticas da enfermagem estavam muito longe de estar bem definidas, Lib Wright conquistou a reputação de enfermeira competente. É essa reputação, aliás, que faz com que lhe seja oferecido um trabalho no chamado centro morto da Irlanda. Mas basta-lhe chegar ao destino para perceber que o serviço a prestar não é nada do que Lib imaginava. Ao longo dos quinze dias seguintes, deverá, alternando turnos com uma freira, vigiar a pequena Anna, que afirma viver há quatro meses sem qualquer alimento. Todos ali parecem julgá-la um milagre, mas, céptica perante o que lhe é contado, Lib tem uma opinião bem diferente. Só pode tratar-se de uma fraude. E, decidida a desvendar a verdade, Lib observa a criança com olhos de águia, tomando notas da sua condição e assimilando o seu estranho fervor religioso - ao mesmo tempo que a dolorosa verdade começa a afirmar-se por si mesma: Anna começa a definhar. Mas, se assim é, o que aconteceu durante os outros quatro meses? O que se passa, afinal?
Centrado no que parece ser um facto prodigioso e dividido entre graus de crença e cepticismo, este é um livro em que, inevitavelmente, as complexidades da fé são um elemento crucial. À fé profunda e quase fanática dos O'Donnell opõe-se a visão muito mais prática de Lib. Mas a distância entre a fé e a descrença não é algo assim tão simples como escolher entre um pólo ou outro e entre Anna, a máxima crente, e Lib, a perfeita céptica, há vários graus de afirmação ou negação da fé. E este é, sem dúvida alguma, um dos pontos mais marcantes deste livro, já que o elevadíssimo fervor religioso de Anna, que, de início, parece ser a base de todas as coisas, acaba por revelar outras perspectivas - fazendo sobressair as diferenças entre uma fé ponderada e o fervor excessivo de uma interpretação literal dos ditames religiosos.
E este é apenas um dos vários temas complexos presentes nesta história. Há também o papel da mulher na sociedade da época, retratado na forma como Lib, enfermeira, é muitas vezes vista como inferior aos homens que a contrataram, bem como nas estranhas posições de algumas personagens face a certas revelações sombrias. E há ainda a pobreza geral em que todos os da região parecem viver e que os torna vulneráveis a influências externas, nem todas bem intencionadas. Tudo isto cria um ambiente complexo, delicado, cheio de questões pertinentes, e a mestria com que a autora entrelaça todos estes aspectos é algo de simplesmente fascinante.
O que me leva ao que é talvez o grande ponto forte num livro todo ele cheio de forças: o tom da narrativa. Escrita num registo bastante directo, em que grande parte do impacto das coisas é enfatizado pela acção ou pela descoberta, a história adquire um ritmo inesperadamente intenso e fá-lo desde muito cedo. Primeiro, o mistério do que se poderá passar com Anna prende a atenção. Depois, as sucessivas descobertas e possibilidades alimentam a necessidade de descobrir o que realmente se passa. E, a partir daqui, o impacto de cada revelação, não só na percepção dos factos, mas principalmente a nível emocional, faz com que tudo se torne memorável, desde a determinação de Lib em descobrir o método do que só pode ser uma fraude à tentativa desesperada de salvar alguém que parece não querer ser salvo.
E, claro, tudo culmina num final ainda mais intenso e impressionante, não só pelo impacto dos acontecimentos em si, mas também porque, ao longo do percurso, todas as personagens foram despertando algum tipo de emoção. E, no fim, ficam na memória as dificuldades do caminho, mas também a força de quem o percorreu, rumo a uma conclusão intensa, dura... e inesperadamente adequada.
Complexo, mas inesperadamente viciante e tão marcante nos grandes momentos como nas pequenas coisas, pode-se muito bem dizer que se trata de um prodígio em todos os aspectos, da escrita aos temas que aborda, passando pela construção de um conjunto de personagens tão marcante como a história que têm de percorrer. Um livro que prende desde as primeiras linhas e que não deixa de fascinar até ao fim. Maravilhoso.

Título: O Prodígio
Autora: Emma Donoghue
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 27 de julho de 2017

O Poder da Lady Wifi (ZAG)

Alya cometeu um erro. Na sua ânsia de descobrir a identidade da Ladybug, meteu-se em problemas na escola e agora foi suspensa injustamente durante uma semana. E claro que isso a deixa revoltada. O problema é que essa revolta a torna vulnerável à influência do Falcão-Traça, que, em troca de um favor, a transforma em Lady Wifi. Mais uma vez, a Ladybug e o Gato Noir têm de a travar antes que seja demasiado tarde - até porque um dos planos da Lady Wifi é desvendar a identidade da Ladybug. E parece não querer parar enquanto não conseguir o que quer. Ou, claro, a não ser que fique sem sinal.
Centrado numa aventura independente, ainda que com personagens que transcendem este livro (e, claro, protagonistas também de uma série de desenhos animados), este é um livro que, à semelhança do que acontece com A Fúria da Tempestuosa, cativa, em primeiro lugar, por ser igualmente acessível e cativante independentemente de se conhecerem ou não as outras histórias. Sim, há provavelmente muito mais a saber sobre as personagens além do que é contado neste livro, mas o essencial está lá e é muito fácil captar as relações - amizades, rivalidades, paixonetas - que existem entre as várias personagens. E assim, é fácil entrar nesse mundo, conheça-se já muito, pouco ou nada.
Além disso, o aspecto visual é também muito apelativo, cheio de cor e capaz de acrescentar mais contexto e complexidade aos diálogos, o que, tendo em conta que se trata de uma história cheia de acção, não deixa de ser particularmente relevante. Cada personagem tem traços e poderes muito distintos e isto sobressai também a nível da imagem. E, claro, acção significa movimento e é precisamente a parte visual que melhor transmite esse movimento.
Quanto à história em si, destacam-se dois aspectos. Primeiro, o facto de ser simples e de fácil compreensão para os mais novos, mas suficientemente intrigante para prender a atenção de um leitor mais adulto. E, segundo, a forma como, apesar da relativa previsibilidade do final, não deixa ainda assim de cativar em todos os momentos, proporcionando uma leitura leve e agradável.
Leve, cativante e divertido: assim se pode, pois, descrever esta nova aventura, que, com as suas personagens intrigantes e os seus pequenos mistérios, proporciona uma boa leitura independentemente da idade de quem o lê. Muito interessante.

Título: O Poder da Lady Wifi
Autores: ZAG
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 26 de julho de 2017

O Porto das Almas (Lars Kepler)

Na sequência de uma missão que correu mal no Kosovo, Jasmin ficou entre a vida e a morte e, quando regressou, trouxe consigo marcas difíceis de superar. Ou, pelo menos, foi isso que todos pensaram quando começou a falar numa cidade portuária no além, onde o crime organizado parecia sobrepor-se a uma burocracia complexa. Mas talvez Jasmin não estivesse assim tão louca como todos julgaram, pois, quando um acidente de viação a faz regressar àquele estranho local, o que podia ter sido um sonho perturbado transforma-se numa certeza. Só que Jasmin não estava sozinha nesse acidente e o seu filho, razão da sua vida, corre também perigo. É que, naquele local controlado por poderes ocultos, até a capacidade de voltar à vida pode ser comprada. E, por isso, Jasmin precisa de regressar ao mundo dos mortos para salvar o filho.
Completamente diferente da série protagonizada por Joona Linna, e contudo igualmente cativante, este é um livro em que o primeiro aspecto a sobressair é a estranheza. Estranheza primeiro porque, numa fase inicial, tudo parece progredir muito depressa, o que realça, de certo modo, o choque do contacto de Jasmin com aquele mundo para além da vida. E depois porque, à medida que os pormenores vão surgindo, a verdadeira complexidade desse mundo começa a revelar-se e a intriga começa a ganhar intensidade, num crescendo cada vez mais intrigante e surpreendente que culmina num final cheio de acção.
E estranha seria uma boa palavra para descrever a cidade portuária, com todos os seus mistérios e burocracias inesperadas. Não é propriamente a primeira imagem a vir a cabeça quando se pensa na vida depois da morte e, porém, há neste sistema invulgar e interessante um estranho e muito agradável fascínio. Fascínio, que, associado às circunstâncias peculiares dos que os habitam, abre caminho à tal escalada de intensidade que, a cada nova revelação, parece subir um novo degrau.
Mas, se o cenário é em si mesmo bastante impressionante, com a sua aura sombria e inesperadas complexidades, as personagens não lhe ficam muito atrás. Postas perante circunstâncias difíceis de igualar, reagem de forma inesperada, por vezes, contraditória, mas sempre forte. E, ao fazê-lo, revelam todas as suas forças e também umas quantas vulnerabilidades. Tal como o além não é propriamente o esperado, também as pessoas não são só o que parecem. E isto aplica-se tanto aos aliados improváveis de Jasmin no outro mundo como a algumas das personagens com que interage no mundo "real" - bem como, é claro, à própria Jasmin. O que constrói uma teia de sentimentos ambíguos que faz com que cada assumir de posição acabe por surgir também como uma nova surpresa.
E depois há a escrita, claro. Capítulos curtos, centrados, em grande medida, na acção, mas com descrições eficazes e muito fáceis de visualizar dão a esta leitura um ritmo sempre envolvente, que se destaca nos momentos de maior intensidade, mas que não deixa de cativar em momento algum. Além disso, e apesar de toda a intensidade da acção, há também espaço para uma ou outra pequena reflexão que, sem quebrar o ritmo do livro, conseguem tornar mais próxima do leitor a posição das personagens. Posição que, note-se, nem sempre é fácil de compreender - mas que, no fim, acaba sempre por fazer algum sentido.
Estranha, portanto - e estranhamente fascinante. Assim se poderia descrever esta aventura pelo mundo dos mortos. Sempre envolvente, com personagens fortes e uma história que prende do início ao fim, um bom livro, em suma. 

Autor: Lars Kepler
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 25 de julho de 2017

A Rapariga no Gelo (Robert Bryndza)

Quando o corpo de uma mulher é descoberto debaixo de uma camada de gelo, com evidentes sinais de violência, todos os meios policiais são mobilizados. Principalmente porque Andrea Douglas-Brown, filha de uma figura social de relevo, está desaparecida há algum tempo e tudo indica que possa ser ela a mulher debaixo do gelo. Para chefiar a investigação, Erika Foster é chamada a regressar de um longo retiro - consequência de erros passados - e a retomar o seu papel enquanto inspectora-chefe. Mas Erika não prima pelas sensibilidades políticas e, quando todos esperam que ela aja com todo o tacto perante os poderosos, Erika decide enfrentar os problemas da investigação de frente. Há uma rapariga morta e é preciso descobrir o assassino. Mas Erika ainda não sabe que o caso é mais complexo do que imagina - e que pisar os calos aos poderosos tem sempre consequências.
Centrado essencialmente num caso com princípio, meio e fim, mas com um núcleo de personagens cujas histórias irão para além deste primeiro livro da série, um dos primeiros aspectos a sobressair nesta leitura é o equilíbrio entre o caso central e os pequenos aspectos que definem o passado e as relações entre personagens. Claro que isto é particularmente evidente no que toca à detective Erika Foster, cujo passado é a razão das suas circunstâncias e, como tal, começa aqui a ser desvendado de uma forma muito intrigante. Além disso, este passado acaba por desempenhar um papel importante na evolução da investigação, já que move várias das decisões tomadas. O resultado é um equilíbrio bastante intrigante entre o caso principal, aquilo que já é dito sobre a história prévia de Erika (e não só) e as possibilidades que parecem insinuar-se sobre os volumes seguintes da série.
É claro que grande parte da narrativa gira em torno do caso e também este tem muito de cativante. Desde as tentativas de influenciar a investigação por parte dos poderosos (e as motivações por detrás destas tentativas) à sequência de passos, erros e novas pistas que definem o rumo da investigação, há sempre algo de interessante a acontecer e a forma como o autor conta a sua história, em capítulos curtos e em que a informação vai surgindo à medida que é necessária, realça a intensidade dos acontecimentos. Além disso, as reviravoltas no enredo levam a novos momentos de tensão e de perigo, criando um crescendo de intensidade que culmina num final particularmente forte - o que, num livro como este, é crucial para o tornar memorável.
Mas, voltando às personagens. Ainda que o ritmo intenso da investigação faça com que quase tudo se centre no objectivo comum de resolver o caso, há, ainda assim, muito de intrigante nas relações entre personagens. Erika, recém-chegada, desperta sentimentos contraditórios. E a forma como a sua presença influencia aqueles que a rodeiam, criando reacções intensas e, por vezes, também contraditórias, parece começar a construir uma teia de relações que se prolongará para lá deste primeiro livro. Para já, estabeleceram-se lealdades, amizades e rivalidades. E, a partir deste ponto, o que vem a seguir não pode senão despertar muita curiosidade.
Intenso, intrigante e com um núcleo de personagens bastante coeso, trata-se, portanto, de um livro forte que é também um início de série muito promissor. Envolvente do início ao fim, surpreendente em todos os momentos certos e com uma história sempre cativante, uma leitura a não perder para quem gosta de um bom policial. Recomendo.

Título: A Rapariga no Gelo
Autor: Robert Bryndza
Origem: Recebido para crítica

domingo, 23 de julho de 2017

Adágios (José Vieira)

A vida não é um caminho livre de obstáculos. Que o digam as mulheres que protagonizam as histórias deste livro. Mulheres corajosas, num caminho repleto de dificuldades, com uma família que é preciso manter de pé e um coração capaz de abarcar todos os sentimentos. Histórias que, apesar de completas em si mesmas, parecem, ainda assim, formar um todo mais amplo, e que, funcionando quase que como contos independentes, acabam por traçar o romance do meio pequeno e pobre em que se movem. E é por isso como um todo que devem ser consideradas.
Um dos primeiros aspectos a chamar a atenção neste livro é a brevidade. Composto pelas histórias de cinco mulheres, que, apesar de nunca se cruzarem, parecem pertencer a um mesmo cenário e unidade, este é um livro que não ultrapassa as cem páginas. E este é, em certa medida, um ponto que desperta curiosidade, mas talvez, e também até certo ponto, um ponto fraco. Porquê? Porque fica a impressão que qualquer uma destas histórias contém em si o potencial para um enredo mais amplo, mais desenvolvido. 
Mas, e apesar disto, também é verdade que as histórias funcionam bastante bem tal como estão, em parte porque o conjunto das cinco permite a tal visão mais ampla de um contexto que, caso se leia apenas uma das histórias, deixa uma impressão de curiosidade insatisfeita. Além disso, apesar da brevidade, há muito de emocionante e de envolvente nestes enredos, já que o percurso das cinco mulheres que o protagonizam, com todas as suas aspirações à felicidade e todos os desaires que a vida lhes traz, proporciona inúmeros momentos marcantes, tanto nas grandes revelações como nas pequenas coisas.
Para isso contribui também a escrita que, apesar de algumas gralhas que parecem ter escapado à revisão (pouco frequentes, felizmente), nunca deixa de ser cativante e agradável, ajustando-se à história da personagem de quem fala e ao registo das emoções de cada protagonista. Mais uma vez, a brevidade deixa a impressão de que haveria espaço para mais. Ainda assim, no conteúdo e na forma como este é narrado, o essencial está lá.
A impressão que fica é, portanto, a de uma leitura breve e agradável, com histórias cativantes, personagens fortes e um olhar sobre um mundo de pobreza e dificuldades, mas em que a coragem parece ser o mais importante dos valores. Uma boa leitura, em suma. 

Título: Adágios
Autor: José Vieira
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Passatempo Maresia e Fortuna

O blogue As Leituras do Corvo, em parceria com a Coolbooks, tem para oferecer um exemplar do livro Maresia e Fortuna, de Andreia Ferreira. Para participar, basta responder à seguinte questão:

1. Como se chamam os protagonistas deste romance?

Regras do Passatempo:
- O passatempo decorrerá até às 23:59 do dia 30 de Julho. Respostas posteriores não serão consideradas.
- Para participar deverão enviar a resposta para carianmoonlight@gmail.com, juntamente com os dados pessoais (nome e morada);
- O vencedor será sorteado aleatoriamente entre as participações válidas;
- O vencedor será contactado por e-mail e o resultado será anunciado no blogue;
- O blogue não se responsabiliza pelo possível extravio do livro nos correios;
- Só se aceitarão participações de residentes em Portugal e apenas uma por participante e residência.

Monstress - Despertar (Marjorie Liu e Sana Takeda)

Maika Meiolobo precisa de respostas. E, para as obter, está disposta a fazer novamente o que jurou que nunca faria: deixar-se escravizar de modo a entrar no complexo das Cumaea, as poderosas freiras bruxas que parecem deter grande parte do poder do lado humano. Maika é arcânica, mas, apesar da guerra entre o seu povo e os humanos, também os arcânicos parecem ter nela um interesse pouco benevolente. É que o passado fez com que Maika tivesse em si uma força poderosa, capaz de mudar o mundo para melhor ou de o destruir por completo. E, assim, o que começa por ser uma procura por respostas não tarda a deixar Maika na posição de perseguida e sem saber ao certo em quem pode confiar...
Basta olhar para a capa deste livro para descobrir o que será um dos grandes pontos fortes ao longo de todo este volume: a imagem. Escusado será dizer que, num livro de banda desenhada, em que a parte da informação que não é transmitida pelo diálogo depende essencialmente da parte visual, este é um elemento particularmente relevante, mas, neste livro em particular, há algo de mais notável do que isso. É que as imagens em si são, em si mesmas, todo um mundo, já que cenários, personagens e momentos são retratados com uma vitalidade espantosa. E, ao conjugar isto com uma história cheia de pormenores, com um mundo complexo e um conjunto de personagens carismáticas e surpreendentes, o resultado não podia deixar de ser uma leitura fascinante.
E, sim, basta a componente visual - belíssima, diga-se de passagem - para fascinar. Mas o texto complementa-a para dar forma a um todo que é maior que a soma das partes. Todo esse que é, no fundo, um enredo cheio de qualidades, a começar pelas particularidades do mundo, passando, é claro, pelos grandes momentos de conflito e as várias revelações surpreendentes, e culminando numa visão das personagens - enquanto indivíduos e no seio do grupo a que pertencem - que deixa marcas bastante fortes na memória.
Claro que a figura mais marcante é Maika, com todos os mistérios que a rodeiam e o grande poder que contém dentro de si, mas também com os laivos de vulnerabilidade que denunciam a humanidade para lá desse poder. Mas é também muito interessante o facto de, apesar de várias personagens terem papéis bem definidos, e de os escrúpulos morais raramente serem a força que os faz mover, nem tudo ser tão linear, em termos de valores, como parece à partida. E, tendo em conta que este é apenas o primeiro volume e que ficam várias perguntas sem resposta, as muitas surpresas ao longo do caminho, tanto no rumo dos acontecimentos, como na posição de certas personagens face ao que se está a passar, aumentam também a curiosidade em saber o que acontecerá a seguir.
Intenso, empolgante e belíssimo em todos os aspectos, trata-se, portanto, de um primeiro volume que cativa à primeira vista e que não deixa de fascinar até ao último ponto da última página. Complexo, cativante e repleto de potencial, um início maravilhoso para uma história que promete ainda mais. Genial.

Autores: Marjorie Liu e Sana Takeda
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 20 de julho de 2017

Divulgação: Novidade Coolbooks

O que é o verdadeiro amor?
Para Eduardo, de 17 anos, é a mãe e o irmão mais velho, Simão. Este, porém, tem um segredo que o empurra para a bebida e Eduardo receia que o seu irmão se suicide, tal como o pai de ambos o fizera, dez anos antes.
Júlia acredita que passou ao lado de um grande amor. Em busca da verdade que mudará a sua vida, regressa à vila de Apúlia para reconstruir um passado de que não se consegue recordar. O caminho desta mulher perturbada está prestes a cruzar-se com o de Eduardo, trazendo à tona segredos, paixões agressivas e remorsos intemporais, com consequências devastadoras sobre a vida da outrora pacata vila piscatória. Uma alegoria moderna de um clássico, onde os humanos se destroem sem precisarem de intervenção divina.

Nascida e criada em Braga, Andreia Ferreira orgulha-se muito do seu sotaque.
Escreve nos cafés, roubando histórias ao mundo de cada um para se inspirar.
Licenciou-se em Línguas e Literaturas Europeias, tem duas pós-graduações e agora está a frequentar a licenciatura em Direito. É casada e tem um filho.
É autora da trilogia Soberba e administra o blogue “d311nh4” desde 2010.
Desde os 11 anos, abre o correio na expectativa de ter à sua espera uma carta para Hogwarts.

quarta-feira, 19 de julho de 2017

Imperador dos Espinhos (Mark Lawrence)

Agora rei de sete territórios e ciente de que algo de negro - mais negro do que ele, até - o persegue, o Rei Jorg Ancrath está decidido a conquistar finalmente no Congresso o lugar que sempre foi o seu objectivo máximo: o de imperador. Mas o caminho é perigoso, não só pelos vários inimigos que fez ao longo da vida, e alguns dos quais parecem querer voltar a manifestar-se, mas principalmente por uma entidade mais antiga que, de olhos postos nele há anos, se prepara agora para a derradeira investida. O Rei Morto parece pronto a dominar o império e, caso o faça, há forças mais antigas prontas a pôr, de uma vez por todas, fim ao mundo como todos o conhecem. E Jorg, com a sua astúcia ilimitada, parece ser o único capaz de lhe fazer frente. Mesmo que isso implique mergulhar ainda mais fundo nas trevas do passado e encontrar-se como realmente é para enfrentar o inimigo.
Deixem-se ser o mais directa possível: não sei por onde começar a falar sobre este livro. Não sei, porque, depois de dois volumes intensos e muito, muito marcantes, este Imperador dos Espinhos elevou tudo a um nível ainda mais alto e acho que devo ter deixado uma parte do coração pelo caminho, tantos foram os momentos devastadores que ao longo da estrada encontrei. Por isso, permitam-me antes de mais este excesso de entusiasmo para vos dizer isto: leiam esta trilogia. Leiam, leiam, leiam. Não a vão esquecer tão cedo.
Mas vamos por partes. O que tem este derradeiro volume que o torna tão impossivelmente marcante? Bem, para começar, tem tudo o que os anteriores já tinham em abundância: uma escrita brilhante, um mundo complexo e cheio de surpresas, personagens carismáticas e tão fascinantes como o contexto conturbado em que parecem mover-se. E isto bastou para tornar muito, muito bons os livros anteriores. Mas aqui... Ah. Aqui, quando tudo se encaminha para o fim, tudo se intensifica. As revelações são poderosíssimas, as verdades difíceis tornam-se ainda mais impiedosas, o caminho rumo ao trono torna-se ainda mais tenebroso... E o fim... O fim é brilhantemente devastador.
Mas permitam-me ainda um momento para falar das maravilhas dessa tão sombria e fascinante figura que é Jorg Ancrath. No início, era um jovem marcado pelo passado, forjado nas lições dos espinhos numa matéria absolutamente impiedosa. E agora, se olharmos para ele a partir do fim, vemos toda uma jornada de crescimento, tão intensa, tão forte, tão cruel, que fez dele algo mais do que o príncipe capaz de tudo para vencer. O Jorg do Congresso é um homem mais completo que o que começou esta jornada. E, ainda que talvez ele mesmo se recusasse a admiti-lo, é também um homem melhor. E isto - esta transformação, esta renovação sem perda de identidade - é talvez o mais brilhante do muito (mesmo muito) que de brilhante este livro tem.
Apaixonante, então. É uma boa palavra para definir esta viagem através de um mundo de homens e lugares arruinados. Uma viagem que tanto consegue despertar sorrisos com os seus laivos de humor negro como desfazer um coração em pó nos momentos mais devastadores. E que culmina num final tão absurdamente doloroso, mas tão incrivelmente perfeito, que mundo e personagens gravam-se a fogo na memória. E por lá ficarão durante muito tempo.
Descreva-se, pois, tudo numa só palavra. E repita-se as vezes que forem necessárias. Porque, no fundo, basta dizer isto para caracterizar este livro: brilhante, brilhante, brilhante. 

Título: Imperador dos Espinhos
Autor: Mark Lawrence
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 18 de julho de 2017

The Call (Peadar O'Guilin)

Quando chegam à adolescência, todos os jovens da Irlanda sabem que têm pela frente a mais perigosa experiência das suas vidas, pois, quando menos esperarem, serão Chamados. Durante três minutos e quatro segundos, desaparecerão na Terra Cinzenta, onde o tempo passa a um ritmo diferente e os Sídhe não desistirão de os caçar até lhes deitarem as mãos. E, caso isso aconteça, sabem que o que regressará ao mundo serão restos destroçados. O objectivo dos Sídhe é simples: reduzir a nada o povo que os encarcerou na Terra Cinzenta - e recuperar o que perderam. Mas a Nação deve sobreviver e, por isso, nos colégios de sobrevivência, todos os jovens são meticulosamente treinados para o momento do Chamado. A taxa de sobrevivência tem até vindo a aumentar - mas os Sídhe não desistiram. E há algo de estranho nos últimos regressos - como que um plano escondido prestes a acontecer. Os Sídhe não desistem. E, por isso, sobreviver nunca foi tão importante.
Um dos primeiros aspectos a chamar a atenção neste livro - e o seu principal ponto forte até aos últimos capítulos - é a forma como o autor equilibra um registo leve e bastante sucinto com um enredo que é, em tudo, bastante sombrio. Desde a crueldade dos Sídhe àquilo de que alunos e instrutores são capazes enquanto se preparam para o Chamado, há muito de brutal nos caminhos desta história. E, porém, tudo é narrado com uma leveza surpreendente, que, apesar de, a espaços, dar a sensação de que mais haveria a dizer (principalmente no que toca à caracterização das personagens) acaba também por reforçar a intensidade dos acontecimentos.
No fundo, o cerne desta história é uma corrida contra o tempo... dentro de uma outra (e mais vasta) corrida contra o tempo. Os três minutos do Chamado - e a aparente eternidade a que correspondem - põem as personagens a correr pelas suas vidas. Mas o plano secreto dos Sídhe, esse, pode pôr em causa toda a população. E, à medida que as ligações entre os dois pontos se tornam mais claras, sucedem-se as surpresas e as reviravoltas, num enredo que é, todo ele, um grande crescendo de intensidade.
Ah, mas a história não acaba aqui e, sendo assim, é apenas natural que fiquem perguntas em aberto. Ainda assim, e apesar de ficar algo por dizer sobre as personagens e aquilo que as move, a impressão que fica é a de que a história acaba precisamente num ponto certo: o fim de uma batalha que parece poder ser o princípio de uma nova guerra. E este culminar ambíguo, mas não demasiado, deixa muita, muita curiosidade em saber o que se poderá seguir.
Intenso e sombrio, mas de uma leveza surpreendente, trata-se, portanto, de um bom ponto de partida para uma história que parece ter ainda muito mais potencial para desvendar. Cativante, surpreendente e com um cenário muito, muito intrigante, um início de série deveras promissor.

Título: The Call
Autor: Peadar O'Guilin
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 17 de julho de 2017

Inteligência Emocional 2.0 (Travis Bradberry e Jean Greaves)

Num mundo em que o stress parece ser cada vez mais uma constante e os ritmos da vida são cada vez mais acelerados, nem sempre é fácil lidar com as emoções. E, contudo, a capacidade de as entender em gerir, no próprio e nos outros, parece ser uma parte essencial do sucesso pessoal e profissional de uma pessoa. É essa, pelo menos, a ideia sobre a qual assenta o conceito de inteligência emocional e também o tema deste livro, que, através de um conjunto de estratégias aparentemente simples - e evidentemente úteis - pretende orientar o leitor sobre as formas de aumentar o seu Quociente Emocional. E, se é esse o objectivo - explicar e orientar no sentido de uma melhor aplicação da inteligência emocional - então, ao que tudo indica, missão cumprida.
Apesar de se centrar mais nas estratégias de melhoramento do que nos conceitos e teorias propriamente ditos, é bastante fácil assimilar as bases deste livro, tenham-se ou não conhecimentos prévios acerca do que é - e de como funciona - a inteligência emocional. E este é também um dos principais pontos fortes deste livro, pois é muito fácil assimilar o essencial dos conceitos, sem nunca perder de vista o objectivo de melhoria que parece ser a sua base. E, claro, a informação essencial está lá, não só na introdução sucinta e esclarecedora, mas também no desenvolvimento das várias estratégias que vão sendo sugeridas ao leitor. No fim, fica-se com uma ideia bastante mais clara e com alguns conselhos muito pertinentes a seguir.
Também bastante relevante é a estrutura do livro que, apesar de organizado segundo um método específico, é também de fácil consulta caso se procure, por exemplo, uma das competências específicas da inteligência emocional, ou caso se pretenda regressar, numa segunda ou terceira leitura, ao ponto que mais precisa de melhoramento. É fácil regressar a algo que se pretende relembrar, reencontrar uma ideia que se deseje rever ou, se se estiver a seguir o método como um todo, encontrar, após o trabalho numa primeira competência, o ponto que se pretende explorar a seguir. 
O que me leva ao método e às muitas estratégias que o constituem. Claro que, neste tipo de livro, é sempre inevitável uma certa sensação - pelo menos num primeiro contacto - de que, em teoria, é tudo muito interessante, mas que, na prática, nunca será assim tão simples. Mas a verdade é que isso está implícito em todo o texto: não será simples. E, independentemente dos pontos de vista discordantes ou de se querer ou não seguir o método na globalidade, há em todas estas estratégias algo de relevante a considerar. E isso pode ser algo tão simples como um aviso (aparentemente óbvio) para prestar mais atenção às emoções. Tão simples que nunca pensámos realmente nisso, talvez.
Acessível, esclarecedor e de leitura agradável, trata-se, portanto, de um bom livro para descobrir como funciona, afinal, a inteligência emocional e de que formas aplicar este conhecimento no sentido de uma vida melhor e mais equilibrada. Muito interessante.

Título: Inteligência Emocional 2.0
Autores: Travis Bradberry e Jean Greaves
Origem: Recebido para crítica

sábado, 15 de julho de 2017

Café Amargo (Simonetta Agnello Hornby)

Maria é filha de um advogado que, por ser socialista, foi perdendo todos os clientes, apesar da sua competência. E, por isso, sabe que as dificuldades financeiras são um obstáculo considerável ao seu futuro, seja como professora, o seu sonho de sempre, seja como esposa e mãe. Mas um visitante inesperado muda o rumo da sua vida. Pietro Sala é um homem do mundo, culto, com boas ligações, e apaixonou-se por Maria à primeira vista, ao ponto de estar disposto a casar sem dote. E, apesar de todas as reticências, suas e da família, Maria sabe que essa é a melhor solução para os problemas de todos. Aceita - e descobre no marido um homem de encantos secretos, mas também de vícios e vulnerabilidades. E, num país em mudança e em que o papel da mulher na sociedade parece ainda muito limitado, Maria dará por si com o futuro nas mãos... e uma ligação do passado à espera de desabrochar em pleno.
Acompanhando grande parte da vida da protagonista, mas com um enredo que é muito mais vasto do que a sua história pessoal, este é um livro que tem como primeiro de vários pontos fortes o equilíbrio entre o percurso pessoal das personagens e o muito relevante contexto histórico em que se movem. As questões políticas, as mudanças de pensamento e de regras sociais, a guerra e as suas consequências na vida das pessoas são apenas alguns dos aspectos bem presentes ao longo desta história. E isto é um ponto forte precisamente porque, ao desenvolver estes temas ao ritmo da vida das personagens, torna-se mais fácil assimilar o ambiente da época e aprender algo ao mesmo tempo que se acompanha a história principal.
E a história principal é a de Maria. Maria, mulher do seu tempo, mas com uma força que não permite resignações. Maria forte, capaz de fazer frente ao mundo quando assim tem de ser, mas vulnerável quando todas as pressões se voltam contra ela. Maria humana, complexa, falível, fascinante, que aprende tanto com a vida como aqueles que a acompanham. E a sua história é mais que a de um casamento aceite por necessidade. É a história do seu crescimento, da sua evolução ao ritmo do mundo. De sentimentos que, vindos da infância, se transmutaram em algo maior, ao mesmo tempo que o mundo, também ele, mudava. E, claro, de descobertas de todo o tipo - venham elas das crueldades da vida ou dos labirintos do coração.
Tudo isto cativa e até as mais pequenas coisas despertam a curiosidade em saber o que se seguirá. E a forma como a autora constrói a história, equilibrando as medidas certas de tensão, de mistério, romance outros afectos e ainda de esperança, mesmo no seio do desespero, faz com que tudo pareça adquirir o registo certo, o de uma história que cresce e se expande de forma gradual, num ritmo que vai crescendo em intensidade e que culmina num final particularmente marcante.
Vale a pena? Mas claro que vale a pena. Desde o carisma das personagens ao equilíbrio entre os segredos guardados e as grandes revelações, passando ainda pelo contexto delicado que dá a todo este percurso ainda uma nova dimensão, não há nada neste livro que não tenha algo de cativante para oferecer. E, nos momentos de ternura e nos de medo, nos de encanto e nos de desespero - nas pequenas coisas, como nas grandes mudanças de um tempo conturbado - há muito nesta história para guardar na recordação. Vale a pena, sim. Muito, muito mesmo. 

Título: Café Amargo
Autora: Simonetta Agnello Hornby
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 14 de julho de 2017

A Fúria da Tempestuosa (ZAG)

A nova apresentadora da meteorologia do canal Kidz+ já foi escolhida, mas a derrotada não está lá muito disposta a conformar-se com a derrota. E a raiva e a tristeza que sente fazem de Aurora um alvo fácil para o Falcão-Traça, que decide dar-lhe algum poder em troca dos seus inimigos: os Miraculous. Aurora torna-se então na Tempestuosa e o tempo que a rodeia está prestes a ficar bem mais frio. E só a Ladybug e o Gato Noir a podem travar... antes que seja tarde.
Um dos primeiros aspectos interessantes neste livro é que, mesmo para quem não conhece a série de desenhos animados protagonizada por estas mesmas personagens, é fácil entrar no mundo da Ladybug e do Gato Noir. E isto aplica-se tanto a leitores mais novos como a quem já passou dessa idade há algum tempo. Há algo de cativante nas vidas duplas dos protagonistas, na forma como assumem os seus papéis de super-heróis sem que a vida normal desapareça de cena. E, assim, fica desde logo uma boa impressão desta história, que, para fiéis acompanhantes da série ou para quem acaba de descobrir estas curiosas personagens, nunca deixa de ser uma leitura agradável e interessante.
Claro que o aspecto visual também contribui, e muito, para isso. Há muito de fascinante e de apelativo na forma como heróis, vilões e até mesmo as figuras de passagens são retratadas. E isso desperta curiosidade, caso não se conheçam as personagens, para as ficar a conhecer um pouco melhor. Claro que quem vê a série já lhes reconhece os traços. Mas, para os fãs, provavelmente será sempre agradável ter novas aventuras das personagens que têm vindo a acompanhar. E reconhecê-las num formato diferente é também algo de cativante. 
Quanto à história propriamente dita, é bastante simples, mas cheia de acção e magia, o que - se bem me recordo dos tempos em que pertencia ao público-alvo destes livros - é precisamente o que se pretende. Vilões e heróis bem definidos, a eterna luta do bem contra o mal... Ah, mas claro, nem tudo é previsível. E, sendo certo que é fácil adivinhar quem ganha a batalha, há outras pequenas coisas inesperadas a acrescentar um toque de surpresa - e de humor - a este muito cativante enredo.
A imagem que fica é, pois, a de um livro leve, apelativo e com um enredo tão interessante como os seus protagonistas, capaz de cativar tanto os mais novos como leitores mais adultos. Simples, intrigante e divertido... uma boa leitura. 

Título: A Fúria da Tempestuosa
Autores: ZAG
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Guerra e Paz

Gervásio Lobato fez furor há mais de um século. Jornalista e romancista, o seu humor e comicidade passaram de mãos em mãos, de geração em geração. Lisboa em Camisa foi, desde a publicação em 1882, o seu mais estrondoso êxito, com inúmeras edições. E quem conhece Gervásio Lobato? Outrora um dos grandes nomes do humor português, hoje é um autor esquecido, recordado apenas por uma rua com o seu nome, em Campo de Ourique.
Lobato capta pequenos quadros da vida quotidiana lisboeta e esmiúça comportamentos, ridiculariza-os e leva-os a um extremo em que o riso é inevitável. Tudo se passa em finais do século XIX, mas a paródia é actual: assistimos à sede de protagonismo, à mania da superioridade, a um certo cerimonialismo ou à falta dele.
As peripécias da família Antunes, dos seus sogros Martim (sem s), da família Torres, do conselheiro com as filhas casadoiras, e do Dr. Formigal, entre outras personagens muito caricatas.
O tema é Lisboa, uma Lisboa que o autor despe ou surpreende em camisa. Um romance que lido hoje é a actualidade apanhada em flagrante delito.

Gervásio Lobato. Nasceu a 23 de Maio de 1850, em Lisboa, e morreu a 26 de Maio de 1895, na mesma cidade. Fundou, aos 15 anos, o jornal literário A Voz Académica. Um homem votado ao jornalismo, sobretudo ao género folhetinesco, colaborou em inúmeros jornais, nomeadamente: Gazeta de Portugal, Gazeta Literária, Recreio, Jornal da Noite, Diário Ilustrado, Progresso, Correio da Noite, Século, Diário de Notícias. É no Diário da Manhã, para o qual entrou a pedido de Pinheiros Chagas, que ganha notoriedade como folhetinista. Aqui, num suplemento intitulado Vida de Lisboa, publica A Comédia de Lisboa, com o pseudónimo de Gilberto. Foi também um grande homem do teatro, como dramaturgo e comediógrafo. Dotado de uma graça inesgotável, fez rir o público que acorria com frequência ao Teatro do Ginásio, e tem sido comparado a Rafael Bordalo Pinheiro no que toca ao seu talento de caricaturista. Foi agraciado pelo rei com o oficialato da Ordem de Santiago.

Divulgação: Novidade Presença

DOMINA
L. S. Hilton
Colecção: Grandes Narrativas no 668
Tema: Ficção e Literatura
Título Original: Domina 
Tradução: Maria João Ferro
Data de lançamento: 19/07/2017
ISBN: 978-972-23-6062-3 
Páginas: 336

Ela pensava que os seus problemas tinham chegado ao fim. Mas estão apenas a começar... 
Judith Rashleigh conseguiu. Tem uma vida de luxo por entre o esplendor da cidade de Veneza, e começa agora a sentir-se confortável na sua nova pele. Mas um dia é traída pelo passado. Alguém que sabe o que Judith fez quer acertar contas com ela. Vítima de chantagem, ela terá agora de descobrir o paradeiro de um quadro de valor incalculável - que talvez nem exista de verdade...
Desta vez, Judith não controla a situação. Sentindo-se desorientada e sem saídas, desarmada e fragilizada, tem de enfrentar um inimigo mais poderoso e impiedoso do que ela alguma vez poderia imaginar.
E se não conseguir sair desta situação, Judith poderá morrer.

L.S. Hilton nasceu em Liverpool, Inglaterra. Antes de se mudar para Londres, onde reside actualmente, viveu em Key West, no estado norte-americano da Florida, Nova Iorque, Paris e Milão. Após completar a licenciatura em Estudos Ingleses, na Universidade de Oxford, estudou História da Arte em Paris e Florença. Trabalhou como jornalista, crítica de arte e locutora de rádio. Em 2016, lançou o thriller erótico MAESTRA, o primeiro volume de uma trilogia, que alcançou um retumbante sucesso à escala global, com 1 milhão de exemplares vendidos, e publicado nesta colecção. Os direitos de publicação desta trilogia foram adquiridos por editoras de mais de 40 países, estando em curso uma adaptação ao cinema.

Para mais informações consulte o site da Editorial Presença aqui.

quinta-feira, 13 de julho de 2017

Fábrica de Melancolias Suportáveis (Raquel Gaspar Silva)

Morreram todos antes de ela decidir contar a história. A história de uma mãe emprestada que, sem nunca ter tido filhos, se fez gravar na história de toda a sua família. De irmãos cujos caminhos se separariam sem verdadeiras razões para a crescente distância. De um tempo e de um núcleo de gentes onde o inexplicável prosperava. Porque nem tudo é claro nas memórias - mas a realidade possível é sempre mais nítida. E a história, conta-a ela ao ritmo da recordação. Como que pensando, sentindo, tudo o que ficou para trás.
Pouco mais de cem páginas e a história de uma vida inteira: assim se poderiam definir as bases deste livro, pois descrevê-lo é mais difícil do que parece. Começando na voz da narradora e culminando em tudo o que fica pela simples insinuação, há tanto que fica escondido nas palavras que é difícil traçar uma linha geral da narrativa sem dela revelar demasiado. Mas, curiosamente, há também algo de estranhamente eficaz nesta brevidade certeira, pois, mais que a curiosidade insatisfeita (que, fica, é certo, face a certos momentos), fica a impressão de uma vida que é sempre maior do que recordamos.
O que me leva ao que é, para mim, o aspecto mais memorável deste livro: a escrita. Não é fácil dizer tanto em tão pouco espaço, e dizê-lo com as palavras certas torna-se ainda mais difícil. Mas há, no tom deste livro, poético, nostálgico, como que introspectivo, uma ponderação que parece fazer com que tudo ecoe precisamente da forma certa. Não, nem tudo é contado. Sim, ficam perguntas sem resposta. Mas a impressão de mistério que fica deste registo onde, em tudo o que é dito, parece haver muito mais apenas insinuado, acaba por compensar em muito a tal sensação de curiosidade insatisfeita.
É que este mistério estende-se também às personagens, pois nenhuma delas se revela como sendo fácil de compreender. Carlota, especialmente, é ela mesma uma fonte de mistério, pois raramente "contou alguma coisa sem omissões." E o mundo - e as pessoas que a rodeiam - são igualmente enigmáticos. Assim, faz todo o sentido que fique muito por dizer - independentemente de toda a vontade de ficar a saber mais. E essa vontade de querer ler mais e conhecer melhor acaba por passar para segundo plano face ao equilíbrio que tudo parece alcançar.
Breve, mas misterioso e surpreendentemente complexo. Ambíguo nas respostas, tal como a vida das personagens que o povoam. Mas estranhamente fascinante na beleza das palavras e no enigma que estas tecem em torno da vida. É este o retrato que fica desta Fábrica de Melancolias Suportáveis, lugar que vale a pena conhecer.

Título: Fábrica de Melancolias Suportáveis
Autora: Raquel Gaspar Silva
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 11 de julho de 2017

A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa (Marco Neves)

Quantas vezes já não ouvimos dizer que as pessoas de uma certa região não falam português "como deve ser"? Ou referir um regionalismo qualquer como um atentado à língua de Camões? Mas, se pensarmos bem, será que o português de Camões e o português dos dias de hoje eram exactamente iguais? E se recuarmos mais no tempo? As diferenças serão decerto cada vez maiores. Pois bem. Recuemos no tempo. E, acompanhando a antiga e ilustre família dos Contreiras, imaginemos as origens da língua muito para lá do primeiro documento escrito. Talvez cheguemos ao fim com uma visão diferente...
Todos sabemos que há uma magia especial no acto de contar histórias - seja para entreter, para perpetuar a memória de um acontecimento ou para ensinar de forma mais clara alguma coisa. Pois bem, é precisamente este último o caso deste livro, que, a partir de uns quantos episódios imaginados, consegue traçar, de forma bastante precisa, o que terá sido a linha geral da evolução da língua portuguesa. Havia outras maneiras de explicar? Provavelmente. Mas não consigo pensar em nenhuma mais divertida e cativante do que esta. E este é o primeiro dos vários pontos fortes deste livro: a capacidade de transmitir conhecimento de uma forma cativante e de fácil compreensão.
Depois, claro, há as histórias em si, que, além de servirem o objectivo de contar essa outra história mais vasta - a tal história secreta da língua portuguesa - são, em si mesmas, muito interessantes. É particularmente agradável imaginar esta grande família de Contreiras a perdurar ao longo dos séculos, crescendo e desenvolvendo-se ao ritmo da própria língua. E são muitos os episódios cativantes nestas histórias, desde o romano que aprende a falar celta a uma conversa entre grandes escritores sobre as maravilhas do progresso.
E há ainda uma outra história (além da da língua) a unir todas as histórias: a de Sara, inventora de todos os episódios contados no livro e ela própria defensora de uma língua que precisa tanto de normas como de liberdade. É nesta história que todos os elos se fundem, havendo ainda espaço para um pequeno momento de suspense. E isto, aliado ao tema comum que une tudo o resto, faz deste livro uma unidade coesa: história feita de histórias que são também uma lição.
Não é um romance, mas lê-se como se fosse. Tem muito para ensinar, mas o tom é tudo menos professoral. E, ainda que as histórias que contém não sejam propriamente momentos da história real, há, ainda assim, uma realidade muito clara neste livro: a língua é algo de vivo, que nasce, cresce e evolui. É esta a lição subjacente a todas estas histórias e a forma como é passada é memorável. E divertida, não esqueçamos. Muito, muito divertida.

Título: A Incrível História Secreta da Língua Portuguesa
Autor: Marco Neves
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 10 de julho de 2017

O Fim de Onde Partimos (Megan Hunter)

As cheias começam a invadir a cidade no momento em que ela dá a luz o seu filho e, a partir daí, nada poderá voltar a ser igual. É preciso fugir da água, encontrar um refúgio e, para o fazer, só conta consigo, com o marido e com a - estranhamente reconfortante - companhia do pequeno Z. À sua volta, o mundo fez-se caos e o tempo passa. Se a normalidade volta, ninguém sabe. Mas, entre outros que fogem, amigos de um momento ou no completo isolamento do seu núcleo pessoal, ela, R e Z continuam a ser uma família. E a vida, essa, terá de continuar.
Breve na forma e cingindo-se ao essencial no conteúdo, este não é propriamente um livro fácil de descrever. Primeiro, porque, na sua brevidade, concentra-se tanto nas linhas essenciais, que é quase difícil contar algo da história sem dizer demasiado. Mas principalmente porque, da forma como é construído, surge uma ideia estranha e intrigante: a de que tem tanta importância o que é contado como aquilo que fica por dizer.
E o curioso é que parece ser mesmo esse o objectivo, pois, do que é contado, é possível retirar um percurso, uma narrativa que explica o caminho da protagonista e as impressões do que se passa à sua volta. Mas o resto? Os sentimentos e motivações, o que move aqueles com quem se cruza, as possíveis explicações para o que está a acontecer... tudo isso é deixado em aberto, num livro onde as perguntas são muito mais que as respostas e o que fica, efectivamente, é um caminho através do caos.
Mas talvez seja precisamente por isso que resulta: porque, no caos, há sempre algo que fica sem resposta. E, assim, apesar da curiosidade insatisfeita, há algo na forma como a história flui que parece dizer que o ritmo é, afinal, o mais adequado. Que a confusão é também a da protagonista. E que o que fica por contar é secundário face à relevância fulcral do que é, afinal, o núcleo desta história: a força do amor familiar, mesmo perante o abismo.
E, claro, há a escrita, que adquire ainda maior relevância se considerarmos a estrutura deste livro. Pois, numa narrativa onde cada frase contém um todo mais vasto, é preciso que as frases digam tudo em muito pouco. E é exactamente isso que acontece aqui. Cada frase é um marco memorável, seja ela um pensamento errante da protagonista ou a simples descrição de um facto.
Bastante breve, mas com uma estranha complexidade que se estende para lá das palavras, trata-se, portanto, de um livro invulgar, em que a aparente solidez do mundo se torna caos e a volubilidade do afecto se torna firmeza. É esta curiosa impressão que fica na memória depois de terminada a leitura. Esta e o muito que essa mesma ideia faz pensar. 

Título: O Fim de Onde Partimos
Autora: Megan Hunter
Origem: Recebido para crítica

domingo, 9 de julho de 2017

Troll (D.B. Thorne)

Fortune nunca foi um homem de família. Obcecado pelo trabalho, nunca se interessou muito pelos problemas da filha. Mas agora Sophie está desaparecida. E, com um historial de comportamentos erráticos e um passado problemático, ninguém anda realmente à procura dela e todos pensam que se suicidou. Todos, excepto Fortune. Ciente de que não pode compensar o passado, mas recusando-se, por uma vez, a ignorar o que se passa, Fortune decide seguir as pistas que todos parecem ignorar. E, quando começa a aproximar-se, as respostas tornam-se assustadoras. Sophie tinha um troll online a fazer-lhe ameaças… e mais do que isso. E, ao tentar descobrir o que aconteceu à filha, Fortune está agora prestes a entrar num jogo muito perigoso.
Uma das primeiras características a evidenciar-se nesse livro – e um dos seus elementos mais surpreendentes – é o facto de nenhuma das personagens principais parecer ser propriamente uma “boa pessoa”. Fortune nunca quis saber realmente da família. Sophie tem um passado conturbado. Marsh, o inspector da polícia, não está assim tão interessado em investigar o caso. E, bem, o troll é bastante maléfico. Mas o mais interessante em tudo isto é que, apesar de nenhum deles ser do género que desperta empatia, há uma evolução ao longo do caminho e todos se revelam como sendo mais complexos do que, à partida, seria de esperar.
Esta é apenas uma das muitas surpresas neste livro. E a maneira como o autor constrói a história faz surgir uma narrativa que nunca deixa de intrigar. Primeiro, o desaparecimento de Sophie. Depois, os passos que Fortune dá para a encontrar. E, quando as respostas começam a surgir, novas e mais complexas perguntas surgem. O passado de Fortune, o presente de Sophie e o mistério da identidade do troll têm mais em comum do que se esperaria. E cada revelação, cada reviravolta, dá lugar a novos e cada vez mais impressionantes momentos de tensão e de emoção – criando um caminho muito, muito intenso rumo a um final que é absolutamente de génio.
E há também outro lado nesta história. A corrida de Fortune contra o tempo é também uma corrida contra si mesmo e tudo o que fez nos últimos anos da sua vida. A história torna-se mais do que um mistério: é também um caminho de vingança, de penitência e compreensão das próprias falhas… e, de algum modo, um caminho para uma possível redenção. Isto confere à história um toque muito emotivo – e torna-a muito mais memorável. Principalmente devido à intensidade do final, sim, mas também por tudo aquilo que levou as personagens àquele ponto.
Intenso, intrigante e inesperadamente complexo, trata-se, pois, de um livro que surpreende o leitor de muitas formas diferentes. Uma história de mistério, sim, mas também de vingança e redenção. E, assim, um livro que é muito, muito mais do que apenas a história de um desaparecimento. Muito impressionante. 

Título: Troll
Autor: D.B. Thorne
Origem: Recebido para crítica

sábado, 8 de julho de 2017

Divulgação: Novidade Marcador

Habitado por heróis e vilões maiores do que a vida, e carregado de questões sobre o bem e o mal, este livro é a obra-prima de Ayn Rand: uma revolução filosófica contada em formato de thriller de acção.
Quem é John Galt? Quando ele diz que irá parar o motor do mundo, significa que é um destruidor ou um libertador? Por que não combate os seus inimigos em vez daqueles que mais precisam de si? E porque é a sua maior batalha contra a mulher que ama? 
O leitor saberá todas as respostas quando descobrir os intrigantes eventos que causam a desordem nas vidas das mulheres e homens inesquecíveis deste livro. Irá saber porque um magnífico génio se transforma num playboy inútil, porque um grande industrial trabalha a favor do seu próprio colapso, porque um compositor abandona a carreira justamente na noite do seu grande triunfo, porque uma mulher bonita que faz uma viagem de comboio transcontinental se apaixona pelo homem que jurara matar.
A revolta de Atlas é um clássico moderno e o trabalho mais extensivo da autora sobre o Objectivismo — a sua filosofia inovadora e revolucionária —, que oferece ao leitor o espectáculo da grandeza humana, aqui representada com toda a poesia e o poder de uma das maiores artistas do século XX. Uma leitura emocionante; um livro capaz de nos mudar.

Ayn Rand (1905-82), nasceu com o nome de Alisa Rosenbaum, em São Petersburgo, na Rússia, e emigrou com a sua família, para os EUA, em 1926, nunca mais regressando à sua pátria mãe. O seu romance The Fountainhead, publicado em 1943, tornou-se de imediato um bestseller. Escrevendo também para cinema, Rand mudou-se para Nova Iorque, em 1951, e publicou A revolta de Atlas seis anos mais tarde. Os seus romances consagraram o que se chama hoje Objectivismo, a filosofia que defende o capitalismo e a prevalência do indivíduo.

sexta-feira, 7 de julho de 2017

O Espião do Vaticano (Luther Blissett)

1517. Tudo começa quando Martinho Lutero afixa as suas teses na catedral de Wittenberg. Então, ainda são poucos os que sabem que se aproximam grandes mudanças no seio de quem define a fé dos homens. E é também esse o tempo em que se começam a escolher partidos. De um lado, um jovem estudante que se deixa absorver pela causa dos oprimidos e miseráveis, defendendo, como os seus novos mestres, uma fé livre do jugo dos poderosos. Do outro, a figura nas sombras, o misterioso Q, espião de um poder maior no Vaticano e capaz de tudo para cumprir as tarefas de que é incumbido. No fundo, seguem ambos o mesmo percurso, ainda que de lados opostos das barricadas. Mas, quando tantos enfrentam a morte em nome das ideias ou do poder de outrem, todos os resultados são derrotas... e o derradeiro ajuste de contas terá de ser entre os que se movem na sombra.
Extenso e complexo, tanto no contexto em que decorre como nas personagens que o povoam, este não é um livro fácil de descrever. Não é um livro fácil, aliás, ponto final. Porquê? Porque são tantos os pormenores, é tão longo o caminho e são tantas as figuras e as intrigas em torno das histórias do protagonista que tudo exige tempo e concentração para assimilar. A começar, é claro, pelo próprio protagonista, ele que, com muitos nomes e um papel tão importante, assume-se como figura central de um enredo apesar de ser uma figura secundária no contexto histórico em que se move. 
É também fascinante, este protagonista. Chamemos-lhe Gert. Fascinante pela complexidade, mas, acima de tudo, pela forma como, partindo de uma posição de alguma distância, acaba por se entranhar na memória de quem acompanha as suas aventuras, mais marcante a cada nova batalha travada. E, sim, esta distância inicial torna o ritmo da narrativa mais pausado, exigindo algum tempo, principalmente na fase inicial, para entrar no ambiente em que Gert se move. Mas, aos poucos, é como se tudo se intensificasse e há momentos nesta história que são simplesmente devastadores.
Mas há mais para além de Gert. Também os que o rodeiam são fascinantes, seja pela estranheza das suas bizarrias, seja, num sentido mais amplo, pelo papel que desempenham nos rumos da história. E na própria história há muito de fascinante: a complexidade das intrigas e do contexto histórico, os momentos delicados em que, muitas vezes as personagens se encontram, o próprio final, que pode não ser o mais desejado, mas é, sem dúvida alguma, o mais adequado. Tudo converge num equilíbrio quase perfeito e, ao fim de seiscentas páginas de leitura, a impressão que fica é a de algo simplesmente memorável. E assim, o que começa por ser uma narrativa pausada termina a um ritmo quase compulsivo.
Brilhante na construção de uma narrativa em que as complexidades do contexto histórico se aliam a uma teia de intrigas igualmente complexa, trata-se, portanto, de um livro que acaba por surpreender em todos os aspectos. Desde o fascínio que as personagens exercem aos grandes - e dolorosos - momentos, no fim, tudo se torna memorável. E, quando tudo se conjuga com tanta mestria, o resultado não pode ser senão algo de muito, muito bom. 

Autor: Luther Blissett
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 6 de julho de 2017

O Tempo das Catedrais - Reminiscências sobre uma Trindade Perfeita

Passou muito tempo desde que os li - a todos - e me apaixonei por um mundo de construtores de catedrais... e vidas que iam muito para além disso. Os pormenores, esses, fugiram com o tempo, mas ficou sempre aquela sensação de espanto ante a leitura, a maravilha de olhar para o passado, ou um passado possível, com todo o fascínio de quem entra num novo mundo. E eis que, este ano, dois dos braços desta minha trindade perfeita - a minha trindade das catedrais - vêm publicados novos volumes. E surge-me o pretexto ideal para relembrar a magia que me tocou ao ler estes livros: Os Pilares da Terra, A Árvore do Céu e A Catedral do Mar.


Comecei com A Árvore do Céu e apaixonei-me às primeiras páginas. Porquê? Harry Talvace, a personagem perfeita, a figura que tantas emoções fortes desperta no primeiro volume desta magnífica trilogia. Pelo caminho, há grandes mudanças, novas personagens a ganhar o protagonismo... surpresas capazes de abalar as fundações da alma. E, no fim, uma saudade que permanece... mesmo passados tantos anos desde a leitura.


Foi também este livro que me levou até aos outros, pois a premissa "construtores de catedrais" nunca mais deixou de me fascinar. E em Os Pilares da Terra encontrei aquilo que procurava: personagens fortes, uma história marcante, todo o fascínio que nunca mais deixei de sentir. Sim, neste caso já há uma sequela antes do livro que está para chegar. E não, ainda não a li. Mas isso... ah, isso é apenas uma questão de tempo.


E quanto a A Catedral do Mar? Bem, a mesma coisa. Comecei-o pela premissa e fiquei por todos os motivos de fascínio que nele encontrei. E, escusado será dizer, saber que há um livro novo à minha espera (apesar da imensa pilha de outros livros que tenho para ler) é algo que me faz muito feliz. Porque não há nada como voltar a um lugar - e a um tempo, neste caso - em que fomos felizes.

Conhecem a sensação? De uma história que, apesar de ser "apenas" ficção, deixou uma marca tão profunda que continua presente, mesmo apesar do passar dos anos? Bem, eu tenho-a com estes livros e é algo de mágico. Por isso, esqueça-se o tempo (ou a falta dele). Se há sequelas à minha espera, eu quero saber o que acontece a seguir. E voltar a perder-me nestas páginas tão mágicas... e tão fascinantes. 

Como Ser um Explorador do Mundo (Keri Smith)

Explorar. Investigar. Criar. São estas as bases essenciais deste livro criativo inesperado. A ideia é ver o mundo com outros olhos, reparar e aproveitar o inesperado e, a partir das pequenas descobertas ou de uma simples mudança de perspectiva, recolher informações potencialmente úteis e construir coisas novas. E não, este não é um livro de teorias, mas todo ele um desafio a fazer coisas. Coisas que possivelmente nunca nos passariam pela cabeça.
Uma das primeiras coisas a chamar a atenção neste género de livros, e em particular nos de Keri Smith, é o aspecto visual. Criativo, inesperado, com um toque de cor que torna tudo ainda um pouco mais apelativo, desperta, desde logo, curiosidade para as actividades que, ao longo das páginas, nos vão ser propostas. E, na sua peculiaridade, insinua também já a peculiaridade que virá a caracterizar os próprios desafios.
Também muito interessante é que o próprio livro surge como matéria de criação, ainda que não de forma tão óbvia como, por exemplo, em Destrói Este Diário. Há páginas para preencher, espaços para tomar notas ou fazer desenhos ou até para guardar coisas. E isto permite fazer do livro um objecto único e intransmissível - o que não deixa de ser, também, uma ideia particularmente cativante.
Quanto às várias possibilidades de exploração, o que sobressai é, claro, a tal peculiaridade. E, nalguns casos, é difícil evitar a sensação de que tentar fazer aquilo pode provocar um ou outro momento potencialmente embaraçoso. Mas, sentimentos ambíguos à parte, não deixa de surgir também uma ideia interessante sobre isto: fazer o inesperado sem medo do que os outros pensam não será também um bom ponto de partida para viver de uma forma mais livre e criativa?
A impressão que fica é, acima de tudo, a de um desafio. Um desafio a olhar para as coisas de forma diferente e, a partir dessa nova perspectiva, construir ainda mais coisas novas. A ideia, portanto, dificilmente poderia ser mais cativante. Quanto à concretização... bem, fica à criatividade de cada um.

Título: Como Ser um Explorador do Mundo
Autora: Keri Smith
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 5 de julho de 2017

O Preço da Fama (Suzanne Redfearn)

Mãe de três filhos e abandonada para o marido, Faye sabe que mal se consegue manter à tona entre tantas dificuldades e que a única opção que lhe resta é voltar para casa da mãe. Mas é aí que a sorte está prestes a bater-lhe à porta. Um momento divertido protagonizado pela filha mais nova em plena rua faz de Molly um sucesso na internet. E, a esse sucesso, não tarda a seguir-se um anúncio e depois um papel numa série. Mas a vida em Hollywood está longe de ser um conto de fadas. As exigências do trabalho roubam tempo à vida familiar. E, à medida que a fama de Molly cresce, também os problemas não tardam a manifestar-se - e de muitas formas. Faye começa a entender que a fama também tem um lado negro. E que, para salvar os filhos do mundo em que os meteu, terá de pôr de parte os seus escrúpulos.
Centrado na figura de Faye enquanto mãe e na sua luta pelo bem-estar da sua família, este é um livro do qual se espera, à partida, uma boa medida de emoção. E é precisamente isso que proporciona. Primeiro, com as dificuldades que levam Faye à mudança, depois com a forma como estas se transformam num aparente conto de fadas, depois ainda com a revelação do lado mais complexo e sombrio deste novo mundo. Ao longo de todo este caminho há muitos momentos intensos, emoções fortes e revelações inesperadas. E, numa história em que as intenções podem ser sempre melhores, mas em que a realidade é sempre bem mais complicada, o impacto destes momentos não pode deixar de ser memorável.
Um outro aspecto interessante - ainda que, a espaços, desperte sentimentos ambíguos - tem a ver com a construção das personagens. Não há, em toda esta história, uma única personagem perfeita - tal como não as há na vida real. Mas, mais do que isso, a posição das personagens, o que parecem defender, varia consoante a situação em que se encontram, revelando facetas aparentemente contraditórias, mas também a sua falibilidade humana. Claro que isto é especialmente evidente na própria Faye, cujo percurso a molda numa pessoa diferente. Mas ninguém de entre os que a rodeiam - amigos, adversários, aliados - é apenas alguém que defende uma linha estrita. A posição que tomam varia consoante as circunstâncias. E isso torna-os mais complexos, mesmo nos momentos em que conseguem ser um bocadinho irritantes.
E depois, claro, há as grandes questões subjacentes a toda esta história: o lado sombrio da fama, que tanto pode vir dos fãs obcecados, como da perseguição da comunicação social ou dos próprios segredos e rivalidades entre os vários elementos do meio. Há em tudo isto um lado que nem sempre é tão claro como deveria ser e, sendo, neste caso, a famosa uma criança, todas estas questões ganham uma nova dimensão, levantando questões muito pertinentes sobre qual é, afinal, o tal preço da fama que dá título a este livro.
Emotivo, complexo e relevante: são estes, portanto, os principais traços deste livro que, olhando do interior para as dificuldades de uma vida de celebridade, consegue despertar emoções fortes ao mesmo tempo que realça ambas as facetas - o sonho encantado e as sombras da realidade - do mundo da fama. Cativante e intenso, uma boa leitura. 

Título: O Preço da Fama
Autora: Suzanne Redfearn
Origem: Recebido para crítica