quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Percy Jackson e os Ladrões do Olimpo (Rick Riordan)

Percy Jackson é tido como um rapaz problemático e prova disso é que está prestes a ser expulso de mais um colégio interno. Mas, quando a sua professora de matemática se transforma num monstro, para depois Percy a matar com a espada que o professor de latim lhe atirou, tudo acontecimentos de que mais ninguém se recorda, Percy começa a intuir que os seus problemas são outros. E essa suspeita vê-se confirmada quando se vê arrastado para uma fuga frenética que termina com a mãe aparentemente morta e ele à porta de um campo de férias para semideuses. Aí, Percy descobre a sua natureza divina e recebe a sua primeira missão: recuperar o raio-mestre de Zeus, roubado, ao que tudo indica, por ordem de Hades, e impedir a Terceira Guerra Mundial.
Parte do que torna este livro tão interessante é a forma como o autor consegue conjugar um vasto conjunto de elementos da mitologia grega, que é, aliás, a linha condutora de todo o enredo, com um cenário muito actual e uma história cheia de acção, o que resulta numa leitura viciante com uma história que decorre num mundo meticulosamente construído. Tudo faz, na verdade, um estranho sentido, embora tudo seja também bastante invulgar. E é esse estranho encanto que torna a história tão mágica... e tão difícil de largar.
Sendo uma história de deuses e semideuses, não é propriamente uma surpresa que outra das grandes forças seja o carisma das personagens. O curioso é que isto não se aplica apenas aos deuses, com as suas invulgares personalidades, mas também aos semideuses, com especial destaque, naturalmente, para Percy e os seus amigos. O que me leva a outro aspecto: podem ser personagens perfeitamente construídas, mas não são personagens perfeitas. Percy pode ser filho de um deus, mas não deixa de ser um miúdo assustado. Grover tem grandes sonhos, mas tem também as suas particularidades. E o caminho não se faz apenas do desvendar de mistérios e da realização de missões: faz-se também de crescimento e, acima de tudo, de amizade.
Claro que realizar uma missão para os deuses gregos nunca poderá ser fácil, o que significa que não falta acção ao longo do caminho. Mas o mais notável é como tudo parece surgir nas medidas certas: os grandes momentos de acção, os rasgos de humor, o ocasional episódio emotivo e as revelações capazes de mudar tudo. O resultado é uma história que começa logo viciante e que avança em crescendo para culminar num final poderoso e que promete também muito de bom para os volumes seguintes.
Com as suas personagens marcantes e a sua reconstrução da mitologia grega, cativa desde as primeiras páginas e não deixa de encantar mesmo até ao fim. Com o seu sentido de humor e o equilíbrio perfeito entre acção, intriga e emoção, conquista tanto nos grandes momentos como nas mais pequenas coisas. E, com o seu crescendo de intensidade, fica na memória bem depois de concluída a leitura. Intenso, cativante e cheio de surpresas, trata-se, pois, de um primeiro volume delicioso. E, sem dúvida, de uma série a não perder. 

Autor: Rick Riordan
Origem: Aquisição pessoal

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

A Noite Passada (Alice Brito)

Eram os tempos do respeitinho, do silêncio, da submissão à autoridade. Do aceitar caladinho, porque, caso contrário, as consequências seriam terríveis. E foi nesses tempos que Amélia conheceu um homem, deixou-se encantar... e viu-se com o filho de um pide nos braços, felizmente aceite por um homem melhor. Mas esse seria apenas o início, pois a história de António seria também a dos primórdios da liberdade. Uma história de descoberta, de coragem e de revolução, acompanhada pelo olhar distante, mas preciso, de um narrador bastante especial. 
Contada a dois tempos e acompanhando o que, inicialmente, parecem ser duas histórias distintas - a da ficção e a da realidade do ficcionista - este é um livro que cativa primeiro pelo registo aparentemente simples, mas com uma fluidez cativante e eficaz, e depois pela naturalidade com que as verdadeiras complexidades se vão desvelando. Não é só a história de Amélia e António, nem é só a história de Luís escritor. É também a história do tempo em que se movem. E, todavia, é uma história pessoal: de Amélia e Joaquim, assombrados pelo medo constante; de António, da inocência à descoberta e à vingança; e também de Bárbara, Encarnação, Rui Corninho e todos esses outros que povoam o mundo destas personagens. Todos credíveis, todos genuínos. Todos marcantes.
Há ainda um outro aspecto interessante na forma como o livro está escrito: além dos dois pontos temporais bastante distintos, há também na voz que narra a história de António uma certa peculiaridade, como que uma proximidade que indicia a voz de alguém que esteve lá. Ora, isto faz todo o sentido uma vez feitas as derradeiras revelações, mas tem também o condão de dar à narrativa um tom invulgar. Há, aliás, umas quantas observações certeiras que quase parecem indicar que o narrador (ou bem, o narrador de uma parte do enredo) não tem lá muito boa impressão desta coisa de escrever romances. 
E depois, claro, há a história em si e a forma como equilibra um contexto meticulosamente descrito com uma história que vive de experiências individuais. Ao cenário complexo junta-se a tensão e a intensidade do medo, da dúvida, do perigo e da descoberta. E isso faz com que, além de marcante em todos os aspectos, a leitura se torne também surpreendentemente viciante. Claro que também o grande mistério - qual é o elo de ligação entre as duas partes - contribui para este ritmo intenso, mas bastam os acontecimentos para fascinar.
Complexo, mas pessoal e com uma intensidade quase irresistível, trata-se, pois, de um livro notável, não só pelo tempo e pela história que apresenta, mas principalmente pelas vidas que o povoam. Além, claro, da forma que lhe dá voz, que é também parte essencial do que torna este livro tão memorável. E tão, tão bom. 

Título: A Noite Passada
Autora: Alice Brito
Origem: Recebido para crítica

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Southern Bastards, Vol. 1 - Aqui Jaz Um Homem (Jason Aaron e Jason Latour)

Ah, o Sul. Esse lugar de gente estranha, de influências em movimento e de um tipo de poder tão feroz que, nos seus momentos de máxima violência, deixa marcas tão profundas que quem parte fá-lo para nunca mais voltar. Ou, pelo menos, é essa a intenção. Earl Tubb deixou o Sul há quarenta anos e o regresso pretende ser apenas passageiro: esvaziar a casa do tio que se mudou para um lar e depois voltar para a sua vidinha bem longe dali. Só que... o Sul tem as suas manhas e, quando o caminho de Earl se cruza com o de um velho conhecido em sarilhos, ele não consegue resistir a tentar ajudar. O que, num cenário onde o poder se impõe pela força, talvez não seja a mais saudável das ideias...
Basta um olhar à capa, com os seus tons de vermelho e a sua imagem de violência anunciada, e uma breve leitura da sinopse para antever uma boa dose de sangue e de porrada. E, sim, também nesse sentido o livro corresponde às expectativas. Mas há algo mais e as surpresas começam desde muito cedo. O retrato do Sul cruel e impiedoso começa logo no prefácio, estranha declaração de amor-ódio ao Sul, e esse sentimento ambíguo prolonga-se para a própria história. Ou não fosse o protagonista um sulista que jurou nunca mais voltar... mas que, bem, está mesmo de volta.
O Sul desta série não é nitidamente um lugar muito civilizado e a forma como os autores retratam isto é bastante precisa. Afinal, há uma certa desolação que permeia tudo, desde os cenários propositadamente esbatidos às sombras da noite, onde tudo acontece, passando por um passado feito também de memórias vermelhas. Desolação e violência: talvez sejam estes os ingredientes centrais desta história. Mas o impacto... ah, bom. O impacto vem da complexidade que se esconde a cada canto.
E a maior complexidade está mesmo em Earl Tubb, embora o estranho regime instalado na sua terra natal tenha também as suas estranhas e tenebrosas complexidades. Mas Earl, o homem que partiu para nunca mais regressar, movido por uma aversão tão profunda que o levou a celebrar a morte do próprio pai... mas que se transformou num reflexo do seu próprio passado. Earl Tubb, que não veio para fazer frente ao poder instituído, mas que... não consegue evitar. Que quer recuar mas não pode, pois é, também, em certa medida, o herdeiro de um legado moral que nunca quis... Earl Tubb é a verdadeira alma do início desta estranha e implacável história. E é talvez também isto que faz com que a forma como este primeiro volume termina seja algo de tão devastador. Porque há uma leve esperança que se manifesta - o tipo de esperança que não pode ser permitido naquele tipo de local.
Escusado será dizer que tudo fica em aberto, mas não é de curiosidade insatisfeita a sensação que fica ao chegar ao fim. Não. Tudo o que tinha de acontecer aqui, aconteceu de facto. O que vier a seguir será uma nova fase. E por isso, não é curiosidade insatisfeita, é vontade de continuar. E de continuar o mais cedo possível. 
Intenso, complexo e implacável, trata-se, pois, de um início notável para uma série que promete ainda muito mais. Cheio de crueldade, mas permeado de meticulosos rasgos de emoção, um livro que se entranha na memória com a mesma tenacidade do seu protagonista. Muito bom.

Autores: Jason Aaron e Jason Latour
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Marcador

O passado e o presente estão entrelaçados nesta história de amor eterno, onde a sombra da bruxaria e a ganância do homem são derrotadas pela paixão de uma mulher que transcende o espaço e o tempo.
Brianda, uma jovem engenheira, deixa uma vida agitada em Madrid para regressar temporariamente à sua casa de infância, situada numa aldeia fria e isolada nos Pirenéus. Aí algo a impele a explorar as suas raízes e a descobrir um segredo de família… e um novo interesse amoroso, o enigmático Corso, que desafia o destino ao restaurar a mansão negligenciada que herdou. O mistério adensa-se quando Brianda descobre outra mulher com o mesmo nome nos arquivos da aldeia, uma mulher que viveu quatro séculos antes e desafiou convenções. Numa terra convulsionada por guerras, vinte e quatro mulheres foram acusadas num dos episódios mais dramáticos da história da feitiçaria espanhola. Entre elas está Brianda, que se torna um alvo e faz uma promessa ao seu verdadeiro amor, uma promessa que pode não viver para cumprir.

Luz Gabás nasceu em 1968 em Mozón (Huesca). Os  melhores momentos da sua infância e juventude tiveram lugar entre a terra onde vivia a sua família paterna (Cerler, no vale de Benasque) e a terra da sua família materna (Serrate, no vale de Lierp). Depois de viver um ano em San Luis Obispo (Califórnia), estudou em Saragoça, onde se licenciou em Filologia Inglesa e conseguiu mais tarde ocupar o lugar de professora universitária. Durante anos aliou a docência  universitária ao trabalho de tradutora, à publicação de artigos e à investigação em literatura e linguística, e participou ainda em projetos culturais, teatrais e de cinema independente. Desde 2007 vive na lindíssima vila de Anciles, perto de Benasque (situado nos Pirenéus espanhóis), onde se dedica, entre outras coisas, a escrever.
O seu primeiro romance, Palmeiras na Neve, foi um grande êxito editorial adaptado ao cinema.

Para mais informações, consulte o site da Marcador Editora aqui.

sábado, 26 de janeiro de 2019

Laura and the Shadow King - The Pink Glove (Bruno Martins Soares)

O mundo mudou. Uma doença misteriosa que, na primeira vaga, matou demasiados, e na segunda transformou as suas vítimas numa espécie de zombie, fez com que o planeta mergulhasse no caos. E é no centro deste caos que a semente da mudança começa a germinar. Uma mulher dá início a uma fuga desesperada para salvar a sua filha das mãos de um impiedoso captor que não hesitará em usá-las as duas para os seus propósitos sombrios. Do outro lado, um homem leva a sua equipa para o Sul de Portugal, na esperança de resgatar os camaradas desaparecidos. E, sem saber, ambos convergem para o mesmo ponto: um ponto de protecção, de salvação... e, talvez, do primeiro vislumbre do que o futuro poderá trazer. 
Um bom indício do quanto eu gosto dos livros deste autor é que, não sendo propriamente fã da leitura em formato digital, aqui estou eu, a falar do quarto livro lido neste formato. E vale a pena abrir esta excepção? Vale, pois. E outro bom indício disso é que, apesar de ser muito mais lenta a ler neste formato, a primeira palavra que me ocorre para descrever este livro é viciante.
Uma das primeiras coisas a destacar neste início de série é o conjunto de diferenças e paralelismos com as The Dark Sea War Chronicles. Não na história propriamente dita, não, mas talvez na experiência de leitura. As qualidades são, aliás, comuns: viciante, intenso, com grandes e poderosas batalhas e um certo rasgo de crueldade que parece ser característico do autor. O que me leva à diferença inicial. J.J. Berger é uma personagem surpreendente menos atormentada do que, digamos, um Byllard Iddo, o que faz com que o impacto emocional dos primeiros acontecimentos não seja tão dramático. Mas, por outro lado, há a fuga de Maria, à qual não falta dramatismo. E, se a fase inicial parece menos devastadora no sentido emocional, à medida que o enredo evolui, essa impressão vai mudando. E o que começa por ser uma empatia inicial para com as personagens evolui para preocupação profunda.
Depois há o contexto em si, com a questão da doença e todas as mudanças que esta trouxe ao mundo a criar um certo ambiente de desolação. Além, é claro, do delicado equilíbrio de poderes que isto implica. Além disso, é este contexto delicado a base para tudo o que acontece a seguir, o que faz com que cada desenvolvimento tenha um maior impacto por se enquadrar perfeitamente no mundo em que as personagens se movem. Sejam os grandes momentos de combate, as estranhas trocas de palavras (e há uma personagem que tem um sentido de humor particularmente delicioso) ou os rasgos de emoção e de crueldade, tudo encaixa perfeitamente no cenário global. Sem perder de vista, claro, o impacto pessoal que cada desenvolvimento tem nas personagens - e que torna a história tão próxima e intensa. 
Sendo este apenas o primeiro volume, não surpreende que muito seja deixado em aberto. Das capacidades de Laura ao futuro do mundo e das personagens, tudo é possível a partir daqui. Mas, mais do que curiosidade insatisfeita, o que fica é uma vontade irresistível de deitar a mão ao próximo volume o mais cedo possível.
A impressão que fica é, pois, a de um livro mais do que à altura das expectativas. Intenso, viciante, cheio de acção e com uns quantos rasgos de emoção particularmente poderosos, cativa do início ao fim e promete ainda mais para o que se seguirá. A soma das partes é, naturalmente, algo de muito bom.

Título: Laura and the Shadow King - The Pink Glove
Autor: Bruno Martins Soares
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

Pecados Santos (Nuno Nepomuceno)

Tudo começa com um homicídio altamente ritualizado numa sinagoga em Londres, uma espécie de encenação blasfema do sacrifício de Abraão. Mas aquele é apenas o primeiro crime e, embora haja um suspeito preso e bastantes provas a implicá-lo no caso, a situação cedo se revela bastante mais complexa. Ao crime em Londres, seguem-se outros em Lisboa, todos repletos de simbolismo e de brutalidade. É neste cenário que o professor Afonso Catalão se vê arrastado para o caso: enquanto namorado de Diana, vê-se naturalmente intrigado pelo que parece ser uma boa história. E, ao descobrir que o suspeito detido em Londres é filho de uma das mulheres do seu passado, Afonso descobre novos motivos para ajudar. Mas as pistas são escassas. As mortes acumulam-se. E os fantasmas do passado - de vários passados - começam a vir à superfície...
De vez em quando, deparamo-nos com um livro tão fascinante e repleto de qualidades que se torna difícil escolher explicar as sensações que despertam e escolher um ponto por onde começar. É o caso deste Pecados Santos. Com o seu ritmo intenso, escrita viciante, personagens complexas e história cheia de surpresas, não há nada que não seja, de alguma forma, uma qualidade e, assim sendo, torna-se difícil escolher o que dizer e o que deixar para o futuro leitor desvendar. 
Porque, futuro leitor, este livro é brilhante, e por todas as razões. Mas é preciso aprofundar um pouco mais esta afirmação, não é verdade? Vamos por partes, então. E a primeira parte passa... por recomendar outros livros. É que, sendo embora um livro totalmente independente, há toda uma série de razões que justificam ler todos os outros livros deste autor. Desde o muito agradável reencontro com Afonso Catalão, cujo percurso se torna ainda mais marcante conhecendo outros aspectos do seu passado, à história de outras personagens também vindas de um contexto anterior e que desempenham aqui um papel entre o relevante e o avassalador, passando, naturalmente, pela pequena profusão de detalhes deliciosos, como a menção a um tal de André Marques-Smith e a procura de um manuscrito raro da autoria de um autor de nome estranho que escreve "umas historietas de espionagem". Há força nos grandes momentos, mas há magia também nos mais discretos, e isso é também uma espécie de brilhantismo.
Mas concentremo-nos nesta história específica - e, uma vez mais, no seu aparente protagonista. Aparente porque a história está muito longe de se resumir apenas a Afonso, embora ele pareça estar no centro da tempestade. Afonso é uma figura atormentada por pecados passados, e isso faz com que seja a personagem ideal para acompanhar este complexo e intrigante mistério. É, além disso, hábil na interpretação de simbolismos, o que torna muito mais interessante acompanhar o ritmo das descobertas, até porque a sensação que fica é a de estarmos a fazê-las ao mesmo tempo que as próprias personagens. Junte-se a isto todo um conjunto de outras personagens carismáticas - a quem acontece muita coisa marcante e perturbadora - e o resultado resume-se numa única palavra: irresistível.
E, se as personagens são marcantes, o que dizer do enredo? Quase num piscar de olho ao filme Sete Pecados Mortais, pelo menos no que ao simbolismo dos crimes diz respeito, mas transpondo-o para algo de novo e com uma identidade muito própria, a história intriga desde os primeiros momentos e leva-nos de surpresa em surpresa até um final puramente devastador. Devastador não só pelo impacto, mas pelo contraste entre os rasgos de leveza e o choque final, e, claro, pela crueldade que insiste em cruzar o caminho de homens essencialmente bons. 
Termino, pois, tal como comecei: reforçando o impacto deste livro brilhante e cheio de qualidades, tanto nas grandes revelações como nos pequenos gestos. Intenso, viciante e devastador, um livro irresistível e surpreendente. E que recomendo a todos. Mas mesmo, mesmo todos. 

Título: Pecados Santos
Autor: Nuno Nepomuceno
Origem: Recebido para crítica

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Starlight - O Regresso de Duke McQueen (Mark Millar e Goran Parlov)

Duke McQueen foi em tempos um piloto de testes que foi acidentalmente parar a outro planeta, onde viveu muitas aventuras, salvou aquele mundo do ditador que o governava e tornou-se um herói para todos os seus habitantes. Depois, regressou à Terra, contou a sua história... e ninguém acreditou nele. Agora, quarenta anos passados, Duke perdeu o amor da sua vida e os filhos não estão muito interessados em conviver com ele. Mas, quando parece que só lhe resta a nostalgia, Duke recebe a visita de um habitante do planeta que em tempos salvou. Aparentemente, estão novamente em dificuldades, e só uma lenda do calibre de Duke McQueen os pode ajudar!
Sendo essencialmente a história do herói que, sozinho (ou quase...) salva um planeta inteiro, seria, à partida, de esperar que esta leitura pudesse ser um pouco previsível, mas, na verdade, não é essa a sensação que fica. Bastam as primeiras páginas e a quase imediata sensação agridoce de se estar perante alguém que viveu muito de bom, mas que, sem saber como, parece ter perdido tudo, para entender que a grande resolução pode não ser surpreendente, mas o caminho está certamente repleto de surpresas. Duke McQueen, herói galáctico, e Duke McQueen, homem enlutado e sozinho, são uma e a mesma pessoa, e a forma como a história põe em evidência estas duas facetas, tanto a nível dos diálogos mais dolorosos, como de contraste entre a cor das diferentes sequências, é algo de muito poderoso.
Também há um contraste bastante vincado entre as cenas do quotidiano terrestre e as do outro planeta, com a indumentária peculiar a trazer à memória não só os filmes de ficção científica, mas também uma certa nostalgia terrestre. O que acaba por, de certa forma, pôr também em evidência uma certa universalidade das coisas: afinal, Duke pode estar a caminho de salvar outro planeta, mas é um planeta que, embora com hábitos e cenários diferentes (cenários, diga-se, magnificamente construídos), parece povoado pela mesma ambição, resignação, coragem, sentido de lealdade (ou falta de) e inclusive espírito de sacrifício e instinto protector. 
Mas, claro, importa ainda dizer isto: pode haver muito espaço para a emoção e a nostalgia, mas acção é também coisa que não falta. Seja num breve vislumbre de acontecimentos passados ou nas sequências das grandes batalhas, há ritmo e movimento até no mais pequeno dos confrontos, e isso faz com que, mesmo que não seja assim tão difícil adivinhar quem sairá vencedor, não se perca nenhum do impacto desses momentos mais intensos. 
Tudo somado, fica a impressão de uma história cativante e intensa, com um herói com o coração e a consciência nos sítios certos e um enredo que é muito mais do que apenas a luta pela liberdade de um planeta: é também a redescoberta da força de um homem quebrado. Intenso, viciante e notável no seu equilíbrio de contrastes, um livro que não posso deixar de recomendar. 

Autores: Mark Millar e Goran Parlov
Origem: Recebido para crítica

domingo, 20 de janeiro de 2019

Malícia (Aleatha Romig)

As regras mudaram. O que em tempos foi uma semana de paixão arrebatadora tornou-se agora um acordo com regras claras. Durante o próximo ano, Lennox Demetri será o dono de Alex Collins e ela deverá obedecer-lhe em tudo. Mas, embora tenham sido circunstâncias desesperadas a levá-la àquela situação, Alex mantém ainda a esperança de que o que, em tempos, a uniu a Nox possa voltar a vir à tona. Está, aliás, disposta a lutar por isso. Só que os problemas não se resumem às novas circunstâncias. Tanto Nox como Alex pertencem a famílias poderosas com grandes planos. E, embora determinada a não ceder ao que os Montague veêm como sendo o seu dever, a nova vida de Alex tem também os seus mistérios e perigo.
Um dos aspectos mais curiosos deste segundo volume é a capacidade que tem de ser, simultaneamente, cativante e contraditório. Cativante por várias razões, desde a escrita fluída à mistura de erotismo e mistério, passando ainda pelo entrecruzar de passado e presente. Contraditório pelas circunstâncias em que a história começa, com Nox a revelar uma faceta diferente e capaz de despertar sentimentos menos simpáticos, mas mantendo, ainda assim, a presença das suas qualidades. 
Isto torna-se ainda mais intrigante devido à alternância de pontos de vista, que permite ver o contraste entre pensamentos e acções, tanto pelos olhos de Alex como pelos de Nox. Além disso, os defeitos das personagens podem até gerar irritações ocasionais, mas tornam também mais real o seu percurso. Afinal, todas as relações implicam altos e baixos e, tendo em conta as circunstâncias da vida dos protagonistas, esta terá de implicar mais do que o costume. 
Nem só do casal vive a história, embora sejam eles o cerne, tanto nos momentos de tensão como nos de maior erotismo. Há também uma história vinda do passado, desta vez envolvendo a mãe de Alexandria. E, sendo certo que ficam muitas perguntas em aberto, até porque este é apenas o segundo livro de cinco, há também muitas revelações explosivas e um final que deixa uma imensa vontade de saber o que acontece a seguir.
Ainda uma última nota para referir um outro equilíbrio interessante: embora haja bastante tensão e erotismo a envolver os protagonistas, a autora consegue encontrar a medida certa a aplicar as várias facetas da história. Há cenas sensuais quanto baste, mas nenhuma delas parece exagerada e surgem precisamente nos momentos certos para enfatizar a relação entre Nox e Alex. Há uma relação a crescer, também do ponto de vista físico, mas há também muito mais nesta história, e a autora conjuga com precisão os diferentes elementos envolvidos.
Intenso, cativante e surpreendente, trata-se, pois, de um livro que eleva a novas complexidades a história do volume anterior, sem nunca perder de vista o equilíbrio entre sentimento, sensualidade e perigo. Cheio de mistérios e de surpresas, corresponde inteiramente às expectativas - e promete muito de bom para o que está para vir.

Título: Malícia
Autora: Aleatha Romig
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Um Bom Partido (Curtis Sittenfeld)

Os Bennet são uma família peculiar. Vários anos de desinteresse deixaram-nos em dificuldades financeiras e a grande esperança da Sra. Bennet é arranjar maridos ricos para as filhas, até porque Jane e Liz, as mais velhas, estão quase a chegar aos quarenta anos. Por isso, quando Chip Bingley, estrela do reality show Bons Partidos, chega a Cincinnati, a senhora Bennet começa a fazer grandes planos. Só que Jane e Liz não só as mais velhas, são também as mais independentes. Chip pode até ser um bom partido para Jane, mas a situação é delicada. E quanto a Liz... bem, sobre o homem rico que acaba de cruzar o seu caminho, Liz não tem nada de bom a dizer.
Sendo apresentado como uma versão moderna de Orgulho e Preconceito, é difícil não partir para esta leitura à procura das diferenças e dos paralelismos e, na verdade, as surpresas começam logo aí. As diferenças são, à partida, óbvias, com o cenário moderno e, consequentemente, cheio de desafios diferentes para as irmãs Bennet. Mas os paralelismos, esses, são deliciosos. Num registo bastante mais leve e divertido do que a obra que serviu de inspiração, a autora consegue, ainda assim, manter-se fiel à alma de Orgulho e Preconceito, transportando as mesmas personalidades para uma história completamente distinta.
Era de prever que a história fosse ter os seus momentos caricatos - mas talvez não tanto. Desde a relação amor-ódio entre Liz e Darcy às excêntricas irmãs mais novas de Liz, passando, claro, pelas pequenas grandes manias da senhora Bennet e pelo ódio (esse sim sem amor algum) entre Caroline e Bingley, há todo um conjunto de episódios bizarros, surpreendentes e principalmente muito divertidos ao longo desta história. O resultado... bem, o resultado é viciante. 
Tudo parece divergir da história de Orgulho e Preconceito, com o mundo dos telemóveis e dos reality shows a contrastar com o contexto da obra original. Ainda assim, o que a autora constrói é um equilíbrio notável entre o antigo e o novo. Liz, Darcy, Jane, a Sra. Bennet, todos eles têm bastante das personagens originais, mas têm também uma natureza própria e uma história que, num cenário muito mais moderno, permite também a abordagem de várias questões relevantes.
Tudo somado, fica a impressão de uma história que, inspirada numa obra intemporal, consegue transportá-la para um outro cenário e dar-lhe uma vida diferente sem perder nenhum dos seus traços essenciais. Viciante, divertido e cheio de surpresas, um livro irresistível.

Título: Um Bom Partido
Autora: Curtis Sittenfeld
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

A Quinta dos Animais (George Orwell)

Tudo começou com um sonho e um discurso, e, à primeira oportunidade, os animais tomaram conta da Quinta do Infantado, expulsando os humanos e recuperando o controlo das suas vidas. Mas a Rebelião foi apenas o início. Liderados por dois porcos, os animais definem os mandamentos que deverão reger o seu regime e as regras a aplicar à população da recém-rebaptizada Quinta dos Animais. E o que inicialmente pareciam ser regras claras transforma-se em algo bastante mais complexo, à medida que a esperança de trabalhar com vista a uma vida melhor se esbate num regime cada vez mais sombrio e autoritário, dominado pelo ambicioso Napoleão.
Não é propriamente difícil de adivinhar que esta história está muito longe de ser apenas uma fábula sobre animais que decidem libertar-se do jugo dos humanos. É muito mais do que isso. É o retrato do nascimento e ascensão de um regime autoritário e também uma reflexão sagaz sobre todos os autoritarismos. E, sim, começa por ser uma história aparentemente leve e ligeiramente caricata sobre animais que falam e que aspiram à liberdade. Mas a marca vai-se entranhando à medida que o lado sombrio desta história - em si mesma e também com os evidentes paralelismos com o mundo dos humanos - começa a vir à tona.
Basta esta perspectiva - e, claro, a mestria em que toda esta impressionante construção assenta - para fazer deste livro uma obra relevante. Mas há mais a destacar. A escrita que, embora bastante descritiva, flui com uma precisão tal que quase parece perfeitamente natural a interacção entre porcos, cavalos, cães e restantes animais da quinta. A construção das personagens, que, embora representativas de uma realidade bem diferente, têm também personalidades e peculiaridades próprias. E a visão de um todo que é muitíssimo mais vasto... mas que é também uma história tão estranhamente cativante que, mesmo conhecendo a realidade e adivinhando, por isso, aquilo que virá, é impossível não torcer por uma conclusão mais benéfica para os animais envolvidos.
E é curiosa esta sensação que vai surgindo: por um lado, reconhecemos o regime que inspirou a história, os problemas, as personagens. Por outro, há uma certa e inevitável leveza - talvez devido ao facto de ser uma história protagonizada com os animais - que contrasta com o crescendo de negrura que marca a ascensão do porco Napoleão. Como se houvesse um outro fim possível, uma revolução dentro da revolução. 
O resultado é um livro intemporal, pois, embora retratando um regime muito específico, contém muito de pertinente para a análise de todos os autoritarismos. E também uma leitura cativante, surpreendente e tão capaz de marcar por aquilo que representa como pelos simples passos da história em si. Breve, mas notável em todos os aspectos, um livro que todos deviam ler.

Autor: George Orwell
Origem: Aquisição pessoal

Divulgação: Novidade Porto Editora

No Portugal festivo e individualista do fim da década de 80, Violeta, uma professora de 32 anos, engravida de Ildo, um aluno de 14 anos, filho de uma mãe solteira cabo-verdiana. O Insubmisso, novo jornal de uma elite em ascensão, perseguirá a história e descobrirá que o pai de Ildo é um cavaleiro tauromáquico aristocrata. O escândalo do chamado processo Violeta contrastará com o silêncio absoluto através do qual Ana Lúcia, amiga de Violeta, oculta a sua violação por um outro aluno de 14 anos da mesma escola.
Este romance apaixonante interroga, com inteligência, imaginação e humor, os interditos de uma sociedade que se diz livre e despida de preconceitos. O processo Violeta é, afinal, o de um país de hábitos clandestinos, esconsos, sacrificiais e crepusculares.

Inês Pedrosa (1962, Coimbra) tem uma vasta obra de ficção, crónica, dramaturgia e biografia, na qual se destacam os romances Nas Tuas Mãos (1997, Prémio Máxima de Literatura), Fazes-me Falta (2002, mais de 150 mil exemplares vendidos), A Eternidade e o Desejo (2007, finalista dos Prémios Portugal Telecom e Correntes d’Escritas), Os Íntimos (2010, Prémio Máxima de Literatura), Dentro de Ti Ver o Mar (2012) e Desamparo (2015).
Livros seus estão publicados nos Estados Unidos da América, na Alemanha, no Brasil, na Croácia, em Espanha e em Itália. O seu percurso jornalístico foi distinguido com vários prémios. Dirigiu a Casa Fernando Pessoa entre 2008 e 2014. Trabalha também como tradutora e curadora de eventos literários. Participa no programa semanal de debate político O Último Apaga a Luz (RTP3) e no
programa semanal de debate sobre literatura A Páginas Tantas (Antena 1). É autora e realizadora do programa semanal sobre questões de Género Um Homem, Uma Mulher (Antena 1). Em 2017 lançou uma editora, Sibila Publicações. O Processo Violeta é o seu mais recente romance.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Tempo de Crises (Michel Serres)

Crise. Tem sido uma palavra recorrente ao longo dos últimos anos, mas é também uma palavra que abrange muito mais do que apenas as omnipresentes crises financeiras. O mundo mudou e, com essa mudança, trouxe novas crises. O domínio do homem sobre o mundo pode muito bem ser a causa da sua extinção, a não ser que se atinja um novo equilíbrio. É sobre estas crises - que aparentemente tudo abrangem - que se debruça este breve, mas surpreendentemente complexo, livro.
Apesar das suas aparentemente escassas cento e vinte páginas, desengane-se quem espera uma leitura simples. O autor tem uma visão bastante complexa do mundo e das suas crises e a forma como o analisa tem o condão de ser simultaneamente muito pragmática e muito elaborada. É, por isso, um livro que exigirá concentração, mas que, acima de tudo, proporciona muito material para reflexão.
É interessante que, apesar da linguagem elaborada, que torna a leitura inevitavelmente mais pausada, bem como das múltiplas referências a outras obras do autor, as ideias essenciais são, ainda assim, bastante fáceis de reter. As hierarquias do mundo, as crises resultantes do domínio, as nossas possibilidades (boas e más) abertas pela tecnologia e a possibilidade de um novo equilíbrio são elementos bastante claros a sobressair da exposição global. E, assim, de um desenvolvimento simultaneamente breve e profundo, emerge um conjunto de pontos relevantes, sendo estes que ficam gravados na memória.
Sendo certo que o mais importante de um livro é sempre o conteúdo, importa, ainda assim, mencionar o aspecto visual. Com o vermelho característico desta colecção, destaca-se também por ser um livro diferente, o que contribui também para o tornar memorável. Faz também um certo sentido, neste caso, aplicar a cor vermelha a um livro sobre crises. Ou não fosse ele também um interessante alerta.
Complexo, na escrita e no conteúdo, mas, ainda assim, estranhamente cativante: assim se poderá resumir este pequeno, mas vastíssimo livro. Um livro breve, mas acima de tudo relevante. Ou não fossem as crises o seu tema.

Título: Tempo de Crises
Autor: Michel Serres
Origem: Recebido para crítica

sábado, 12 de janeiro de 2019

Unpredictable Bitch (Gabrielle Bernátová)

Lea costumava ser uma mulher bondosa e afectuosa, mas tudo mudou quando o seu marido foi preso, deixando-a a lidar com as guerras entre famílias e a protecção da sua irmã mais nova. Aconteceram coisas más e Lea escolheu afastar-se. Mas agora precisa de se ligar novamente a Lev, pois tem o seu próprio plano perigoso. Com uma nova jovem para proteger, Lea dá por si a aproximar-se novamente de quem era... mas há coisas agora em movimento que já não podem ser travadas.
Provavelmente a maior força desta história é a sua natureza viciante. Começa com um salvamento involuntário e, daí em diante, está cheia de momentos intensos - seja devido aos planos de Lea, aos negócios de Lev ou ao casamento que ambos querem - e não querem - salvar. Há também algo de intrigante na aura sombria que parece envolver tudo. Os negócios obscuros da família, o cenário de onde Viky escapou e até mesmo o passado: há perigo e intriga em toda a parte e a sensação de que, caso algo corra mal, as consequências serão terríveis faz com que a leitura seja bastante cativante.
Há essencialmente duas possíveis fraquezas. A primeira é que há tantas coisas a acontecer, e um passado tão complexo, que a relativa brevidade do livro faz com que certos aspectos da história pareçam um pouco apressados. A outra... bem, a outra é que ficam muitas coisas sem resposta no final. Embora isto pareça fazer também um certo sentido, já que a forma como tudo termina parece apontar para uma inevitável sequela.
Um último aspecto que importa mencionar é o desenvolvimento das personagens. Lea, com o seu temperamento fogoso, parece fazer justiça ao título do livro, mas é também muito mais do que isso. E os que a rodeiam são também muito intrigantes, com uma mistura de inocência, amor, implacabilidade e um delicado equilíbrio entre lealdade e auto-preservação. Fica muito por dizer acerca deles, é verdade. Mas o que é, de facto, contado é muito bom.
Tudo somado resulta numa história bastante negra e viciante sobre relações familiares no submundo - e também sobre mudanças de lealdade e uma vingança ainda por suceder. Bastante bom, em resumo.

Título: Unpredictable Bitch
Autora: Gabrielle Bernátová
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Cultura

Uma nota enigmática é encontrada junto a lascas de tinta e tela, e à moldura vazia de um quadro famoso. O ladrão deixou um recado. Promete repetir a façanha dentro de um ano. 
De visita à igreja de Santa Maria delle Grazie em Milão, uma jovem mulher apaixona-se por um carismático milionário. Mas quando alguns meses depois é abordada por um antigo professor, Sofia é colocada inesperadamente perante um dilema. Deverá denunciar o homem com quem vai casar-se, ou permitir tornar-se cúmplice deste ladrão de arte irresistível?
Enquanto a intimidade entre o casal aumenta, um jogo de morte, do gato e do rato, começa. E aquilo que ao início aparentava ser um conto de fadas, transforma-se rapidamente num pesadelo, enquanto um plano ousado e meticuloso é urdido para roubar a obra-prima de Leonardo da Vinci. 
Requintado, intimista, inspirado em acontecimentos verídicos, A Última Ceia transporta-nos até ao elitista mundo da arte. Passado entre Londres e Milão, habitado por uma colecção extraordinária de personagens, para as quais a ambição e fama sobrepõem-se a qualquer outro valor, este é um thriller sofisticado de leitura compulsiva. Uma viagem surpreendente ao centro de uma teia de intrigas, romances e traições.

NUNO NEPOMUCENO
Nasceu em 1978. Revelado através do Prémio Literário Note! 2012, é autor da trilogia Freelancer e de obras como A Célula Adormecida, ou Pecados Santos, publicado pela Cultura Editora em 2018.
Representado pela Agência das Letras, já foi líder do top de vendas de livros em lojas como a Fnac, Bertrand, Wook, Google Play ou Amazon, transformando-se num dos escritores de policiais mais acarinhados em Portugal. A Última Ceia assinala o seu regresso ao thriller psicológico.
Para mais informações, consulte o
site oficial do autor: www.nunonepomuceno.com


quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

Irmãs (Sue Fortin)

Clare passou anos a procurar a irmã que o pai levou para a América quando eram ambas crianças. Em vão. Mas agora, no momento em que um novo aniversário da partida se aproxima, é Alice quem as encontra. A uma primeira carta a estabelecer contacto, segue-se uma breve troca de correspondência e depois o emotivo reencontro. Só que, apesar das boas intenções e do objectivo de fazer com que Alice se sinta em família, há algo que parece não bater certo. Alice parece estar a infiltrar-se insidiosamente na vida da irmã, como se pretendesse substituí-la. E, embora Clare comece a desconfiar, até porque os comportamentos de Alice são cada vez mais suspeitos, só ela parece vislumbrar a verdade. As intenções de Alice não são boas. E, caso não faça alguma coisa, Clare pode muito bem ver-se subitamente expulsa da sua própria vida.
Parte do que torna este livro tão cativante é a forma como a autora conjuga a complexidade dos laços familiares com uma intriga também ela muito complexa. Bastam alguns vislumbres para perceber que o reencontro não ver tão simples e inofensivo como seria de esperar. Mas quanto ao que realmente se passa... bem, é preciso continuar a ler para descobrir. E é assim que a leitura se torna viciante, com a sua mistura de intriga e manipulação psicológica, levada a tal ponto que, às vezes, nem a própria protagonista - e muito menos o leitor - parece saber de que lado está realmente a verdade.
Tudo ganha uma maior intensidade devido ao facto de toda a história se passar num contexto bastante íntimo. Alice é a irmã desaparecida, o que implica que grande parte dos acontecimentos envolvam a vida familiar de Clare. Mas também as relações profissionais e de amizade acabam por ver-se abaladas pela chegada de Alice e por todas as mudanças por ela operadas. Além disso, o facto de grande parte da manipulação ser invisível a quase todos cria uma aura de tensão e de mistério que, além de gerar uma empatia bastante forte relativamente a Clare, mantém em suspenso a possibilidade de nem tudo acabar bem.
Quanto ao final, é previsível o facto de que a verdade virá ao de cima. Já o resto - que verdade é essa, quem está envolvido e que outros segredos poderão também ser revelados - é totalmente inesperado. Além de que a fase final é todo um crescendo de perigo e de acção, o que confere às derradeiras revelações um impacto ainda maior. No fim, tudo acaba como deve ser. Mas o caminho até lá é tão intrigante quanto atribulado.
Conjugando na perfeição as melhores facetas de um thriller e de um drama familiar, trata-se, pois, de uma leitura intensa, viciante e cheia de surpresas. Uma história de irmãs e de um reencontro tardio... mas também de como a verdade nem sempre é óbvia e nem todos são exactamente o que parecem ser. Muito bom.

Título: Irmãs
Autora: Sue Fortin
Origem: Recebido para crítica

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Divulgação: Novidade Presença

Marcos Chicot
Colecção: Grandes Narrativas nº 705
Tema: Ficção e Literatura
Título Original: El Asesinato de Sócrates
Tradução: Filipe Guerra
ISBN: 978-972-23-6321-1 
Páginas: 640

Grécia, século V a. C.
Um oráculo sombrio vaticina a morte de Sócrates.
Um recém-nascido é condenado a morrer por vontade do seu próprio pai.
Uma guerra sangrenta entre Atenas e Esparta divide a Grécia. Um livro que recria magistralmente uma das épocas históricas mais extraordinárias de sempre. Mães que lutam pelos seus filhos, amores impossíveis e guerreiros que se esforçam por sobreviver entrelaçam -se de uma forma fascinante com os governantes, os artistas e os pensadores que conduziram a Grécia clássica ao apogeu da nossa civilização. Ao longo das páginas deste absorvente romance, destaca-se de modo fulgurante a figura inigualável de Sócrates, o homem cuja vida e morte nos inspiram há mais de dois milénios, o filósofo que marca um antes e um depois na história da humanidade.

Marcos Chicot nasceu em Madrid, em 1971. É licenciado em Psicologia Clínica, Psicologia do Trabalho e Economia.
Para além de O Assassinato de Sócrates, é autor de outros três romances, entre os quais O Assassinato de Pitágoras, já publicado pela Editorial Presença, o qual foi distinguido em 2015 com o Prémio para a Cultura Mediterrânea, atribuído à melhor obra de ficção literária publicada em Itália.
Foi igualmente galardoado com o Prémio Francisco Umbral e o Prémio Internacional Rotary Club de Romance . Foi ainda finalista de vários prémios literários, como o Prémio Planeta pelo seu mais recente livro, que agora se publica em língua portuguesa.
Pertence à organização Mensa, e doa dez por cento das receitas obtidas com as vendas dos seus romances a fundações de apoio a pessoas com deficiência.
É casado e tem dois filhos.

Para mais informações consulte o site da Editorial Presença aqui.

Divulgação: Novidade Bertrand

1974, Alasca. Indómito. Imprevisível. E para uma família em crise, a prova definitiva. Ernt Allbright regressa da Guerra do Vietname transformado num homem diferente e vulnerável. Incapaz de manter um emprego, toma uma decisão impulsiva: toda a família deverá encetar uma nova vida no selvagem Alasca, a última fronteira, onde viverão fora do sistema. Com apenas 13 anos, a filha Leni é apanhada na apaixonada e tumultuosa relação dos pais, mas tem esperança de que uma nova terra proporcione um futuro melhor à sua família. Está ansiosa por encontrar o seu lugar no mundo. A mãe, Cora, está disposta a tudo pelo homem que ama, mesmo que isso signifique segui-lo numa aventura no desconhecido.
Inicialmente, o Alasca parece ser uma boa opção. Num recanto selvagem e remoto, encontram uma comunidade autónoma constituída por homens fortes e mulheres ainda mais fortes. Os longos dias soalheiros e a generosidade dos habitantes locais compensam a inexperiência e os recursos cada vez mais limitados dos Allbright. À medida que o inverno se aproxima e que a escuridão cai sobre o Alasca, o frágil estado mental de Ernt deteriora-se e a família começa a quebrar.
Os perigos exteriores rapidamente se desvanecem quando comparados com as ameaças internas. Na sua pequena cabana, coberta de neve, Leni e a mãe aprendem uma verdade terrível: estão sozinhas. Na natureza, não há ninguém que as possa salvar, a não ser elas mesmas. Neste retrato inesquecível da fragilidade e da resiliência humana, Kristin Hannah revela o carácter indomável do moderno pioneiro americano e o espírito de um Alasca que se dissipa - um lugar de beleza e perigo incomparáveis. A Grande Solidão é uma história ousada e magnífica sobre o amor.

Kristin Hannah é autora de inúmeros sucessos de vendas do New York Times. Nasceu em 1960 no sul da Califórnia, cresceu a brincar na praia e a fazer surf. Aos 8 anos, a família mudou-se para o estado de Washington. Trabalhou em publicidade, licenciou-se em Direito e exerceu advocacia durante alguns anos em Seattle. Quando a gravidez a obrigou a ficar de cama vários meses, Kristin retomou alguns textos antigos que tinha escrito em parceria com a falecida mãe, que sempre dissera que ela seria escritora. O marido encorajou-a, e, assim que o filho nasceu, Kristin abandonou a anterior actividade profissional e dedicou-se à escrita a tempo inteiro. O primeiro êxito surgiu em 1990 e desde então que a sua profissão é escrever. A autora já publicou mais de 20 romances. Ganhou prestigiados prémios como um Rita Award (Romance Writers of America) em 2004 com Entre Irmãs, e o National Reader’s Choice. A sua obra está traduzida em várias línguas. Vive com o marido e filho na costa noroeste dos Estados Unidos.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

A Menina do Bosque (S. K. Tremayne)

Kath sobreviveu quase miraculosamente a um acidente de viação, mas o traumatismo sofrido deixou-a com amnésia retrógrada. Por isso, não entende bem a hostilidade velada do marido nem o que parece ser um retrocesso nos comportamentos da filha de nove anos. Só que o fingimento só chega até certo ponto e, quando lhe é revelado que, na verdade, o que Kath fez foi tentar suicidar-se, ela começa a questionar. Porque o faria? Como seria capaz de deixar a filha sozinha? Mas há algo mais que não bate certo. Sente-se observada, ameaçada. E a filha diz ver um homem na charneca que às vezes parece ser o pai. Terá realmente Kath tentado suicidar-se? Ou o que aconteceu foi algo de mais sombrio... e inacabado?
Com um ritmo invulgarmente pausado para o género e uma considerável componente descritiva (ou não tivesse a charneca um papel tão importante em toda a narrativa), este é um daqueles livros que demora o seu tempo a entranhar-se, não só pelo passo mais lento do enredo, mas também pelas próprias personagens, cujos comportamentos não parecem inicialmente fazer sentido. Mas há um lado positivo a contrapor a este aspecto. Primeiro, o avanço mais lento e o ambiente sombrio reforçam em muito a aura de mistério que envolve toda a história. E isso, associado à estranheza de certos comportamentos das personagens, faz com que as revelações, quando surgem, tenham um impacto muito maior.
Também bastante intrigante é o facto de quase todas as personagens terem um ou outro segredo a preservar. O grande mistério é, claro, o que aconteceu a Kath e é esta linha que conduzirá ao crescendo de intensidade que culmina num final fortíssimo. Mas o facto de haver outros segredos - alguns sem qualquer relação com a linha principal da história - acrescenta complexidade à história, ao mesmo tempo que desvia as atenções de algumas possíveis pistas, tornando mais imprevisíveis as grandes revelações.
Talvez se deva, em parte, ao ambiente misterioso da charneca, mas há também uma certa poesia no fluir do enredo. Surgem, principalmente nos pensamentos de Kath, várias frases e imagens memoráveis, o que, além de tornar a leitura mais marcante, permite também uma melhor compreensão das profundezas da mente da protagonista. Ora, tendo em conta que nem ela recorda os porquês do que aconteceu, este desvelar de pensamentos tem um impacto especial e cria uma base de empatia numa história repleta de tensões.
Misterioso e intrigante desde o início, vai ganhando força com o desvendar dos mistérios. E, pelo caminho, revela também as forças de um conjunto de personagens que, inicialmente contraditórias, acabam por deixar a sua marca na história. A soma das partes é um daqueles livros em que a estranheza inicial dá lugar a um grande fascínio. E é isso que faz com que fique na memória.

Autor: S. K. Tremayne
Origem: Recebido para crítica

Divulgação: Novidade Bertrand

Um romance que se desenrola no futuro próximo, em Nova Iorque, onde a esperança de vida ronda os 300 anos e a imortalidade é o único valor que verdadeiramente importa. É neste contexto que Lea tem de decidir entre o seu pai ou viver eternamente. Lea Kirino tem um conjunto de dados genéticos que lhe confere um potencial de eternidade se fizer tudo bem feito. E Lea é muito bem-sucedida. É uma corretora de sucesso na Bolsa de Nova Iorque onde, em vez de acções, se transaccionam órgãos humanos, tem um apartamento sublime e um noivo que rivaliza com ela em perfeição genética.
Com a ajuda adequada da HealthTech, uma rigorosa dieta de sumos e exercícios de baixa intensidade, tem a vida eterna ao seu alcance. Mas a vida perfeita de Lea sofre uma reviravolta quando, num passeio cheio de transeuntes, se cruza com o pai, supostamente distante. O seu regresso desencadeia uma profunda mudança no comportamento de Lea, que se vê atraída para o mundo misterioso do Clube do Suicídio, uma rede de pessoas poderosas e revoltadas que rejeitam a busca da imortalidade pela sociedade e que preferem viver, e morrer, nos seus próprios termos. Neste mundo futuro, a morte não é só um tabu, mas também altamente ilegal, e Lea tem de escolher entre uma existência imortal asséptica e um tempo curto e agridoce com um homem que é a sua única família no mundo...

Rachel Heng nasceu e cresceu em Singapura e este é o seu romance de estreia. Depois de se licenciar em Literatura Comparada e Sociedade pela Universidade de Columbia, trabalhou vários anos numa empresa financeira em Londres. Actualmente reside em Austin, onde frequenta uma pós-graduação em Ficção e Guionismo no Michener Center for Writers da Universidade do Texas. Os seus contos foram sempre muito aclamados pelas mais diversas publicações literárias, nomeadamente por The Offing, Prairie Schooner, The Adroit Journal e The Minnesota Review. Assim, não surpreende que também a sua ficção tenha sido bem recebida, recomendada e premiada com uma Menção Especial do Pushcart Prize e com o Prairie Schooner's Jane Geske Award.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Dez anos



E eis que, de repente, quase sem dar por isso, cheguei aos dois dígitos! 

São dez anos e quase parece que foi ontem. E, contudo, há tanto para recordar! 

As páginas e páginas de histórias arrebatadoras, de personagens fascinantes que agarraram no meu coraçãozinho negro e se entranharam lá dentro (e, às vezes, até o partiram um bocadinho), de imagens duradouras nascidas de poucas palavras, mas tão, tão memoráveis... 

As pessoas reais que, partilhando esta paixão tão especial, se tornaram amizades inesquecíveis, pessoas com quem partilhar momentos e oportunidades, pequenos entusiasmos e aquelas pequenas coisas que tão grandes parecem ao coração de um bibliófilo...

Os momentos em si, que tão únicos se tornam por serem partilhados com pessoas que vivem o mesmo fascínio. Sabem aquela sensação fabulosa de quando um autor favorito responde a um tweet? Aquele fangirling interior que é quase como sentir os deuses ali tão perto? A magia de conhecer pela primeira vez - e depois reencontrar - aquela pessoa com quem há anos falamos de livros na net e confirmar a certeza de que conhecemos uma das melhores pessoas da nossa vida? A pequena e simples maravilha de um "li aquele livro de que falaste e adorei"? Ou o simples - e avassalador - encanto de receber um livro novo que há tanto tempo queríamos ler - e que chega até nós na altura certa?

É mágico, não é? É maravilhoso. E como é que um caminho tão longo - dez anos, senhores!  - passa assim, quase sem se dar conta? Porque há pessoas do outro lado. Pessoas que lêem, que apoiam, que estão lá, que partilham esta mesma paixão absurda e encantadora pelo tão fascinante mundo dos livros. 

Por isso... obrigada a todos. Por continuarem aí.

domingo, 6 de janeiro de 2019

A Vendedora de Azevinho (Dilly Court)

Angel Winter foi abandonada em bebé, mas teve a sorte de ser acolhida por uma senhora bondosa. Por isso, embora não conhecendo as suas origens, teve uma infância feliz. Mas eis que, de repente, tudo desaba e Angel vê-se atirada para as ruas, onde tem de vender flores para sobreviver. Tudo por uma inimizade que a desconhece, mas que está destinada a persegui-la. Pois, mesmo quando encontra uma saída para a sua situação penosa, os olhos do implacável Galloway continuam a segui-la. E, para lhe fazer frente, Angel terá de batalhar. 
Abrangendo um longo período de tempo e várias situações e famílias distintas, embora tendo sempre Angel como ponto central, esta é uma história em que certos aspectos parecem ter inevitavelmente de passar para segundo plano. Há saltos temporais significativos, o que significa que algumas facetas da história (como a aceitação pelo marido de Cordelia, a situação de Hector e até a adaptação a Grantley) são descritas de forma muito breve. Ainda assim, e embora fique uma certa curiosidade em saber mais sobre estes aspectos, não deixa de ser notável a forma como tudo o que é essencial está realmente presente. A partir da vida e das relações de Angel, é possível ver os outros. E o percurso contado é suficientemente intenso para compensar aquilo que fica por dizer.
Angel é, evidentemente, a heroína da história e o seu percurso tem muito de marcante, não só pela situação de vulnerabilidade, mas principalmente pelas forças que vêm à tona. Mas há também outras personagens a sobressair e, se algumas delas são contraditórias, como Sir Eugene e Susannah, isto também acaba por contribuir para realçar a diversidade das personagens. Não há muita gente perfeita nesta história, com excepção talvez de Angel, quase perfeita heroína, e de Galloway, um absoluto vilão. 
E, claro, é também importante notar a forma como a autora introduz certos problemas da mentalidade da época ao longo da sua história: além da vulnerabilidade resultante de se ficar sem rendimentos, o preconceito para com os de origens inferiores ou desconhecidas está bem presente nos comportamentos de algumas personagens, bem como a questão dos casamentos combinados com objectivos financeiros. Além de interessante em si mesmo, este contexto torna mais marcante a história de Angel e dos que a rodeiam, pois todo o percurso está pejado de decisões difíceis que implicam fazer frente ao que se considera normal.
Cheia de intrigas e de personagens interessantes, trata-se, pois, de uma história emotiva, cativante e cheia de momentos fortes. Uma história de luta e de esperança - e também de amor e reencontro. E uma boa leitura, naturalmente.

Autora: Dilly Court
Origem: Recebido para crítica

sábado, 5 de janeiro de 2019

A Ration Book Christmas (Jean Fullerton)

Jo foi evacuada da cidade durante os primeiros bombardeamentos, deixando para trás grande parte da sua família e o seu adorado Tommy. Agora, passados meses, Tommy deixou de escrever e Jo não aguenta mais. Decidida a descobrir a verdade, Jo regressa à cidade com o irmão... para descobrir que Tommy parece ter seguido em frente com a sua vida. Não foi exactamente isso que aconteceu, no entanto, e, quando os caminhos de ambos voltam a encontrar-se, o amor que nunca se perdeu realmente volta a acender-se. E, apesar da juventude de Jo e da reputação de Tommy, a vida é demasiado curta - e demasiado perigosa - para não agarrarem a felicidade onde puderem.
Embora seja essencialmente uma história independente, com novos protagonistas e novos perigos a enfrentar, há um prazer especial em ler este segundo livro depois de Pocketful of Dreams. Não só porque Mattie e Daniel continuam bem presentes neste livro, mas principalmente porque os Brogan são uma família encantadora e acompanhar a evolução desta família é um frazer em si mesmo. Além disso, não se trata apenas de uma história de amor. É também uma história sobre famílias - e o amor que as une - no mais negro dos momentos. É importante, por isso - e delicioso - seguir os seus caminhos desde o início.
Jo e Tommy são personagens muito fortes - e são também fruto das suas próprias famílias. A reputação de Tommy vem das acções do irmão, o mesmo irmão que, curiosamente, parece ter certos preconceitos em relação a Jo. Isto torna o caminho muito mais difícil - para não falar na guerra - mas faz também sobressair as suas forças. Jo, com a sua alegria, determinação e coração bom e generoso. Tommy, com o seu sentido de família, o orgulho na sua honestidade e a determinação em erguer-se acima da sua reputação manchada. Juntos, formam um belo casal, e a história torna-se muito mais forte devido a quem eles são.
E, bem, há a guerra - e é bastante impressionante a forma como a autora consegue fundir as histórias pessoas das suas personagens com um cenário meticulosamente construído e que reflecte na perfeição as agruras, o medo e a destruição causados pelos bombardeamentos. Confere mais complexidade ao livro, sem nunca perder nenhuma da beleza e do impacto emocional do que é acima de tudo uma história de amor em tempos de guerra.
Personagens fortes, um contexto brilhantemente desenvolvido e uma história cheia de amor e de afecto, ainda que com a sombra da morte a pairar sobre todos. É isto que torna este livro tão belo - e que faz dos Brogan uma família que vale a pena seguir nas suas tribulações. Sempre.

Autora: Jean Fullerton
Origem: Recebido para crítica

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

8 Mulheres e 1/2 (Hugo Vieira Costa)

Histórias da grande cidade, dos homens e mulheres que a habitam. De estranhos demónios interiores, comportamentos bizarros, perdas e nostalgias que se prolongam no tempo e deixam sempre as suas marcas. Assim são os contos que dão forma a este livro, em que cada história é um todo independente, mas em que há uma imagem vaga, mas marcante, a emergir do todo. Histórias de gente peculiar, mas que podia viver mesmo aqui ao lado, contadas num registo surpreendente e íntimo, que parece abrir os corações das suas personagens.
Beta abre este livro com a história do que parece ser um reencontro movido a perda e nostalgia, mas que cedo se transforma em algo bastante mais surreal. Intrigante e surpreendente, principalmente a partir do momento em que as coisas começam a tornar-se estranhas, cativa principalmente pela constância do desespero do protagonista, surpreendendo também por uma fase final particularmente intensa, embora não dando todas as respostas. 
Céu Azul, Mar Verde parte de uma memória antiga que se gravou como trauma na mente de um homem e abrange vinte anos da sua vida para mostrar a clausura das suas memórias mesmo ante as mulheres que cruzaram o seu caminho. Abrindo com uma surpresa estrondosa e acabando de forma igualmente intensa, consegue, com a sua mistura de melancolia e mistério, cativar, surpreender e emocionar desde as primeiras linhas até ao derradeiro momento.
Segue-se J.B., história da vida de uma grande cidade de esquemas e brutalidade, onde quem não pertence, ou é turista ou anda a tramar alguma. E, por isso, tudo é permitido. Cruel, duríssimo, e com uma aura de resignação que torna tudo mais negro, surpreende acima de tudo pelo contraste entre a aparente leveza com que tudo é contado e a tão sombria natureza de todos os acontecimentos.
Sinais reconstrói o célebre episódio do bêbedo e do candeeiro, para dar voz a uma história de amizade que enfatiza a importância dos sinais. Peculiar, mas cativante e com um final particularmente enternecedor, um conto que, apesar de toda a sua estranheza, consegue, ainda assim, parecer mais natural que sobrenatural.
A Última Lição fala da última aula de um professor catedrático e de um sentimento que, no meio das normas severas, acabou por nunca viver realmente. Surpreendentemente emotivo, principalmente tendo em conta a personalidade do protagonista, marca pela nostalgia profunda que transmite na perfeição a sensação de alguém que vira costas a uma vida inteira. Uma vida que trouxe consigo um preço demasiado elevado.
Segue-se Geometria Descritiva, história de uma mulher em busca de si mesma e de um mundo em que a fama passa demasiado depressa. Um pouco confuso, por vezes, mas com uma melancolia estranhamente sentida, realça a passagem do tempo e o peso da diferença com uma clareza marcante e surpreendente.
Flying Home apresenta-nos um casal no aeroporto. Ele sonha com uma vida de sucesso. Ela... sonha talvez com a liberdade. Possivelmente um dos contos menos emotivos do livro, em grande parte devido à capacidade de Aldo de facilmente despertar aversão, é, ainda assim, uma história surpreendente, cujo verdadeiro sentido só se revela no final.
A Troca fala de um capricho da chefia que se repercute de forma desastrosa na vida pessoal e profissional de uma estagiária. Cheio de surpresas e com uma visão bastante interessante - embora não necessariamente positiva - do mundo empresarial, cativa, acima de tudo, pela mensagem final de solidariedade e pela visão sucinta, mas perspicaz, de algumas excentricidades do mundo laboral.
O último conto é Sexta-Feira Louca, e deambula pelos meandros mais secretos da cidade, visitando homens de sucesso e também de hábitos perversos, mulheres esperançosas e de esperança perdida e crianças inocentes ante um mundo tenebroso. Sem nunca se centrar verdadeiramente numa única personagem, embora comece por acompanhar Sam, faz da cidade - e do seu lado negro - a verdadeira protagonista. E, como o mundo não pára, também a história não tem um verdadeiro fim. Apenas aquela noite.  
Terminada a leitura, fica a melhor das impressões: a de um livro intrigante, enigmático e cheio de surpresas, com histórias tão invulgares quanto inesperadas e em que cada personagem - das que despertam maior empatia às que mais aversão fazem sentir - deixa uma marca pessoal e intransmissível no impacto da sua história. Um conjunto notável, em suma, e um livro que não posso deixar de recomendar.

Autor: Hugo Vieira Costa
Origem: Recebido para crítica

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Divulgação: Novidade Suma de Letras

Centro de Boston, 24 de Dezembro, um homem caminha nu, trazendo nas mãos a cabeça decapitada de uma jovem mulher.
O Dr. Jenkins, director do centro psiquiátrico da cidade, e Stella Hyden, agente do FBI, vão entrar numa investigação que colocará em risco as suas vidas e a sua concepção de sanidade.
Que acontecimentos fortuitos ocorreram na misteriosa Salt Lake City há dezassete anos? E por que estão todos a perder a cabeça agora?
Com um estilo ágil e cheio de referências literárias - Garcia Márquez, Auster e Stephen King – e imagens impactantes, Javier Castillo contruiu um thriller romântico narrado a três tempos que explora os limites do ser humano e rompe com a estrutura tradicional dos livros de suspense.
Amor, ódio, estranhas práticas, intriga e acção trepidante inundam as páginas deste thriller romântico, que se converteu num fenómeno editorial antes da sua publicação em papel.

JAVIER CASTILLO cresceu em Málaga, Espanha, licenciou-se em Gestão de Negócios e fez Mestrado em Gestão da ESCP Europe em Madrid, Xangai e Paris. Trabalhou como consultor de finanças corporativas. O dia que perdemos a cabeça, o seu primeiro romance, vendeu mais de 275 000 cópias, cruzou fronteiras — em Itália, prepara-se um grande lançamento — e será publicado no México e na Colômbia, além de Portugal. Os direitos audiovisuais foram adquiridos para a produção duma série televisiva.


quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Reconciliation for the Dead (Paul E. Hardisty)

Claymore Straker passou por muita coisa e as cicatrizes do passado deixaram-lhe na alma a sua marca. Agora, perante um dos mais negros momentos da sua vida, Clay tem de recordar tudo e dizer a verdade sobre aquilo que aconteceu há muitos anos na África do Sul, quando era mais novo e bem mais idealista. Na altura em que se atreveu a fazer frente aos poderosos - com consequências terríveis, para si e para os que o rodeavam.
Sendo o terceiro volume de uma série, é expectável que, ao não ler os livros por ordem, fique em falta alguma informação. Acontece constantemente. Mas, neste caso específico, não é exactamente essa a impressão que fica. Talvez por a história vir do passado distante de Straker, a ideia que fica é a de que o ficamos a conhecer desde o início. Não é que falte alguma informação, portanto - mas antes que, no fim do livro, fica a vontade de saber mais sobre este homem tão corajoso e atormentado. E, assim, precisamos dos volumes anteriores - e dos seguintes. O mais cedo possível.
É uma história de guerra, e de crimes de guerra. Mas é, acima de tudo, a história de um herói bastante relutante a tentar fazer o que julga estar certo - pagando o preço. Isto cria um equilíbrio surpreendentemente delicado. Há grandes momentos de acção, intriga e perigo à espreita em cada esquina, mas há também uma desolação gradual que cresce na alma de Clay e se expande para o resto do seu mundo. Uma tristeza que cresce e, com ela, uma vulnerabilidade que, vinda do passado, atinge o seu auge no curto, mas bastante devastador, epílogo.
E, bem, há Clay. É uma personagem brilhante, não só pela coragem das suas escolhas, mas também pelas falhas e demónios interiores que o tornam humano. E é bastante impressionante a forma como o autor consegue criar uma tão grande proximidade com o seu protagonista contando a história na terceira pessoa, o que permite uma perspectiva muito mais ampla, sem perder nenhum do impacto emocional.
Intenso, complexo e surpreendentemente emotivo, um livro que conjuga a brutalidade da guerra com os mais negros - e perturbadores - recantos de uma alma atormentada. Claymore Straker é uma personagem fascinante e a sua história nunca deixa de espantar. Mal posso esperar para ler mais livros desta série fantástica.

Autor: Paul E. Hardisty
Origem: Ganho num passatempo