segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Balanço de 2012

2012. O ano do fim do mundo (ou não), o início do fim da crise (também não) e mais uma série de promessas e profecias, cumpridas... ou não. 2012, que chega, agora, ao fim, altura em que, como em muitos outros fins, é tempo de olhar para trás e fazer um balanço do que aconteceu.

Não foi, provavelmente, um dos melhores anos. A nível criativo e a nível profissional, as coisas podiam ter corrido bastante melhor. Mas, como nem tudo é mau, já no que toca à leitura não tenho qualquer razão de queixa. Muito pelo contrário. Com um total de 383 livros lidos, e alguns deles particularmente memoráveis, este foi um ano particularmente bom a nível de descobertas - e redescobertas - literárias.
(E, para quem se está a perguntar como é possível que eu tenha lido tanto só num ano, a resposta é simples: muito (demasiado) tempo livre e também uns quantos livros muito pequenos. Para além da vontade, claro, que também conta).

Mas voltemos à questão dos livros memoráveis. Como disse, este foi um ano de muitas e boas leituras. Por isso, nunca poderia referir todos os que me marcaram, ou este post seria muito longo. Fica, portanto, a minha escolha - que foi difícil, mas possível - dos favoritos deste ano.


Desde O Jardim dos Segredos que tinha vontade de ler mais desta autora, e este foi o ano de conhecer os outros livros. Deste, sobressaem, como sempre, o fascínio de um ambiente que é, ao mesmo tempo, misterioso e emotivo, a capacidade de criar personagens fascinantes e a beleza da escrita, numa história que, de ritmo mais pausado, mas com todas as melhores características da escrita da Kate Morton, cativa tanto pela complexidade do mistério como pela profundidade do que define os seus protagonistas.


Impressionante em todos os aspectos, esta é a história de uma jornada difícil, pessoal para os que a protagonizam, mas semelhante à de tantos outros e, por isso, retrato global de tempos difíceis. É, também, uma imensa reflexão sobre valores e interesses, capacidade de luta e superação de dificuldades e o abismo que, por vezes, separa a expectativa de realidade. Um livro magnífico que, na actualidade das questões que evoca, se revela como uma história intemporal.


Mais Kate Morton. E mais um livro que não podia deixar de incluir nesta lista. A justificação é, no essencial, a mesma que referi para As Horas Distantes: uma escrita belíssima, o equilíbrio perfeito entre o lado mais sombrio e misterioso e o impacto emocional das circunstâncias, um conjunto de personalidades complexas e a capacidade de surpreender nas grandes revelações. Tudo bons motivos. Tudo boas razões para ler.


Uma forma diferente de contar a história e um enredo que, partindo do que parece ser simplesmente o mistério de um desaparecimento, evolui para uma história que é tanto uma busca por respostas como uma reflexão sobre o que dizemos e o que sentimos por aqueles de quem mais gostamos. São estas as grandes características deste livro que, diferente em muitos aspectos, cativa tanto pela força emocional como pela intensidadade do enredo e pela beleza da escrita.


Em jeito de homenagem a Blade Runner, mas com uma identidade própria, este livro alia um enredo intenso e com muita acção a uma bem conseguida reflexão sobre vários temas relevantes. Além disso, apresenta uma protagonista que, tanto nas suas forças como nas suas vulnerabilidades, se revela como profundamente humana, questionando, em muitos aspectos, o que nos define enquanto tal. O resultado é um livro de leitura compulsiva, mas também com muito material para reflexão.


Último volume de uma trilogia que tem por base o mito arturiano, o que mais marca neste livro é a capacidade do autor de humanizar os seus heróis, construindo uma história que trata mais dos homens que dos mitos. Pausado e bastante descritivo, este é um livro que sobressai pela força e complexidade das suas personagens, bem como pelo impacto dos grandes momentos, intensificado, também, pela criação de um cenário muito realista - mesmo nos momentos em que parece haver magia envolvida.


Fazendo lembrar, por vezes, os livros da Kate Morton, também esta é uma história com bastante de mistério e algo de sombrio no ambiente, insinuando tragédias prestes a acontecer. Os pontos fortes são, no essencial, os mesmos que para os livros da Kate Morton: beleza de escrita, personagens complexas, momentos de grande força emocional e revelações surpreendentes. O resultado desta conjugação é o melhor possível.


Primeira metade do segundo volume das aventuras de Kvothe, nota-se neste livro uma evolução em termos de intensidade. O ritmo é mais pausado que o do primeiro volume (o que também se evidencia na segunda metade), mas há vários acontecimentos mais pessoais e as personagens tornam-se mais empáticas e familiares - e, ao mesmo tempo, mais complexas. Tudo isto mantém viva a curiosidade em saber mais sobre o misterioso Kvothe, até porque, ao mesmo tempo que recorda o seu passado, algumas pistas vão surgindo relativamente ao seu futuro. E isso é parte do que torna a leitura viciante.


Intensos, surpreendentes e com uma escrita belíssima, os livros desta autora têm vindo a conquistar um lugar entre os meus favoritos. Este não é excepção. Cheio de novas revelações e momentos intensos, conjuga os detalhes mais fascinantes de um mundo diferente com dois protagonistas muitíssimo carismáticos. Também este é uma primeira metade, pelo que, por cá, espero ansiosamente pela chegada da segunda.


Simplesmente mágico. Muito bem escrito e muitíssimo cativante, apesar do ritmo relativamente pausado, surpreende pelo ambiente invulgar, pela peculiaridade de algumas situações e pela força dos seus protagonistas. Misterioso e surpreendente, O Circo dos Sonhos foi uma das grandes descobertas deste ano.

Mencionados os dez eleitos, há, ainda, três outras leituras que merecem uma referência especial. 

História de um exilado em Londres, este livro viciante e muito bem escrito consegue transmitir ao leitor uma perspectiva mais pessoal do conflito entre absolutistas e liberais, ao mesmo tempo que desenvolve, para o seu protagonista, uma história individual fascinante. Tudo razões para recomendar este livro, que, mesmo não tendo chegado aos dez favoritos, se destacou também entre as minhas melhores leituras deste ano.

Não podia, também, deixar de referir duas histórias que me marcaram particularmente e que, sem surpresa, foram escritas pelas minhas autoras favoritas.

A primeira, "You, and you alone", de Jacqueline Carey, faz parte da antologia Songs of Love and Death . 
Trata-se de um conto belíssimo, que responde a um dos grandes enigmas da série Kushiel e que, dando uma perspectiva diferente dos últimos momentos de uma das suas personagens, marca e comove com a sua poderosíssima força emocional.
Enquadrado no mundo de Ephemera, mas revelando uma série de novas possibilidades para esse mundo, não só abre muitas portas para o que poderá suceder em Bridge of Dreams, como apresenta uma história marcante e intensa, com personagens fortes e, também, um grande impacto emocional.




E assim foi 2012 - o meu 2012 - em livros. Para o ano que vem, prefiro não fazer promessas nem criar expectativas. Que seja o melhor possível. Que seja o melhor possível para todos.

Bom ano! E... boas leituras!

O Inverno do Mundo (Ken Follett)

Depois dos difíceis anos da Primeira Guerra Mundial, a recuperação parece estar finalmente a avançar. Mas uma súbita alteração no equilíbrio de poderes - imposta, em parte, com recurso à violência, para lá da defesa, por parte de alguns, do sacrifício de liberdades em prol do sucesso económico - leva à ascensão do fascismo, com maior evidência na Alemanha nazi, mas também, de forma mais ou menos eficiente, noutros países. É neste contexto que voltamos a encontrar as personagens de A Queda dos Gigantes, bem como os seus descendentes. E é esta segunda geração, ainda que sem descartar por completo os mais velhos, que terá um papel determinante nas novas e terríveis mudanças que o mundo conhecido está prestes a sofrer. 
Um dos aspectos mais impressionantes deste livro - como também do primeiro volume da trilogia - é a capacidade de equilibrar a história individual das suas personagens com um bom retrato do contexto histórico em que vivem. É certo que nem a todos os grandes acontecimentos é dado o mesmo destaque, já que, sendo essencialmente a história pessoal das famílias que o protagonizam, a narrativa segue mais a sua experiência pessoal, dando mais ênfase aos acontecimentos em que estas se vêem directamente envolvidas. Não há, portanto, uma visão detalhada do sucedido, a nível global, no período que decorre a história, mas antes um retrato mais geral do contexto, tendo em vista todos os acontecimentos relevantes, mas desenvolvidos na perspectiva que as diferentes personagens têm deles. Menos detalhados, portanto, mas apresentados, talvez, de forma mais intensa, já que o seu impacto se reflecte na história pessoal dos protagonistas. 
Isto não significa que não haja contextualização. Muito pelo contrário. Há, inclusive, alguns momentos mais descritivos, principalmente no que toca à explicação de algumas estratégias tomadas em conta em contexto de guerra. Ainda assim, e se o contexto global é muito importante, o que este livro tem de mais marcante está na história e na evolução das personagens. E também sobre estas há muito que dizer. Ainda que o enredo se centre nos elementos da segunda geração, muitas das personagens de A Queda dos Gigantes continuam presentes. E a história que vivem, juntamente com os seus filhos e conhecidos, reflecte de forma impressionante as mudanças operadas sobre o mundo, bem como as suas consequências trágicas. Também aí se encontra um dos grandes pontos fortes do desenvolvimento desta história: a percepção de que ninguém está seguro. Mesmo para personagens cuja história parecia encerrada no livro anterior há novos desenvolvimentos e novas perdas a acontecer. O mesmo sucede para os seus descendentes. O contexto da época é duro e tenebroso e não é expectável que tudo termine em "felizes para sempre". Tudo é possível para estas personagens e esse conhecimento faz com que os grandes momentos - os bons e os maus - tenham um impacto emocional bem mais forte.
Oriundos de diferentes países e com diferentes formas de ver a vida, os protagonistas desta história representam, também, ideologias diferentes, permitindo, nos diferentes ambientes em que vivem, ver as semelhanças e diferentes entre essas ideologias - bem como entre os regimes em que vivem. Mas também as suas personalidades são diversas. Há, entre eles, quem seja inerentemente bom ou basicamente mau. Mas há também personalidades intermédias, mentalidades que evoluem com a percepção da vida e as mudanças sofridas devido à guerra. As personagens crescem ao longo do enredo e poder acompanhar essa evolução é parte do que torna esta história cativante. História que, tal como o primeiro livro, não se conclui com finais definitivos para as suas personagens, deixando muitas possibilidades em aberto, até porque os últimos capítulos deixam já uma ideia bastante clara de parte do contexto em que se viverá a história do terceiro.
Cativante, com um conjunto de personagens fortes e um bom equilíbrio entre o contexto histórico global e as histórias individuais dos protagonistas, O Inverno do Mundo continua, da melhor forma, a história iniciada em A Queda dos Gigantes. A história de um século, mas, essencialmente, a história de pessoas que, apesar de fictícias, poderiam muito bem ser reais. Muito bom.

domingo, 30 de dezembro de 2012

As Histórias de Terror do Navio Negro (Chris Priestley)

A noite é de tempestade. Na Velha Estalagem, Cathy e Ethan, doentes, esperam pelo pai que foi à procura do médico. Dormem um pouco e acordam a sentir-se melhor, ainda que um pouco entorpecidos. E é então que um estranho chega à estalagem, alegando ser um marinheiro que procura abrigo durante a tempestade. Ethan desconfia, mas não podem propriamente deixar o homem sozinho ao vento e à chuva. Abrem-lhe a porta. E as duas crianças fascinadas por histórias de marinheiros - quanto mais sinistras, melhor - descobrem no seu visitante um homem com muitas histórias para contar. 
Há algo de estranhamente mágico na forma como este livro consegue ser, ao mesmo tempo, arrepiante e enternecedor. Ainda que seja um conjunto de histórias com protagonistas diferentes, cada uma delas faz parte de uma unidade maior, enquanto parte do que o estranho Jack Thackeray tem para oferecer. E, nessa longa noite de partilha de histórias, não está só o mistério do marinheiro que as conta, mas também as duas crianças que esperam que o pai regresse da noite tempestuosa. São, portanto, duas figuras particularmente vulneráveis, e a sua inocência comove, mesmo tendo em conta o seu fascínio por histórias macabras. Comove desde o início, pela situação trágica que é apresentada para as suas infâncias, mas principalmente pela revelação final, que vem dar a todo o conjunto das histórias contadas neste livro um toque de ternura e melancolia que contrasta com o lado sombrio e, por vezes, algo sinistro das histórias de Thackeray.
A escrita é bastante acessível, sem grandes elaborações, mas bastante eficaz na evocação do tal ambiente sombrio que faz parte de todas as histórias deste livro. Essa simplicidade parece adequar-se na perfeição à voz dos narradores, tanto a Thackeray, que conta a maioria das histórias, como a Ethan, que conta as restantes. Além disso, esta forma directa de contar as coisas confere aos acontecimentos uma maior intensidade, tornando mais forte o impacto das revelações surpreendentes que, inevitavelmente, esperam no fim de cada história.
Para tornar as histórias mais cativantes contribuem também as ilustrações. Não sendo muito complexas nem muito abundantes, adequam-se na perfeição ao conteúdo, tornando mais fácil imaginar a história a decorrer e contribuindo também para reforçar o mistério em torno de cada história.
Viciante e surpreendente, este é, pois, um livro que, nas suas muitas histórias e no que as une como uma só, conjuga mistério e terror, mas também algo de tristeza e um toque de ternura, numa leitura com tanto de sombrio como de mágico. Um livro fascinante, em suma.

sábado, 29 de dezembro de 2012

O Grande Amor da Minha Vida (Paullina Simons)

Num instante, tudo mudou. A guerra acabara de começar e Tatiana estava na rua, esquecida do que tinha de fazer. Foi nesse momento que o viu e, quando ele atravessou para o seu lado da rua, Tatiana deixou de saber o que fazer. Foi assim que o conheceu. Alexander, tenente do Exército Vermelho, um homem com um segredo. E a partir desse instante começa a sua atribulada história. Pois nem só a guerra está contra eles. Para Tatiana, Alexander é impossível porque é o namorado da irmã. Já ele quer gritar a verdade aos quatros ventos, mas tem um amigo - um amigo que tem a sua vida nas mãos - que quer tudo o que ele tem e tudo destruirá para o obter. É preciso mentir, esconder, fingir até ao fim. Mas o que os une é demasiado para que seja o que for os possa separar. Nem a guerra, nem o Inverno e a fome, nem a simples vontade de se manterem um ao outro em segurança. Tatiana e Alexander estão sozinhos no centro do conflito - do do mundo e do seu. E pode o amor vencer tudo, quando tudo está contra eles?
O que mais surpreende neste livro é a capacidade da autora de interligar a história individual das personagens com a da situação global do mundo em volta, numa história que é tanto a dos protagonistas como a da época em que vivem, mas que nunca perde de vista o elo pessoal que desperta empatia. É impressionante o retrato traçado para as dificuldades do Inverno em Leninegrado, para as consequências da guerra - a fome, os feridos, a morte - e para o ambiente de opressão vivido na União Soviética de Estaline. Mas é igualmente impressionante o retrato traçado para o jovem Alexander, com o seu amor infinito e o instinto super-protector, a necessidade de carregar um segredo e de mentir porque é preciso, e a exuberância dos sentimentos quando os pode mostrar. E o crescimento de Tatiana, da rapariga inocente, elo mais fraco de uma família fraca, para alguém capaz de fazer tudo o que for preciso pelo seu amor. Corajosa, mas vulnerável, com dúvidas dilacerantes, mas com a certeza do que é preciso fazer. 
Complexos, completos e humanos. Assim se apresentam os protagonistas deste livro. Mas nem só as personagens evoluem, também o enredo cresce em complexidade, à medida que a situação se torna mais difícil e a percepção que os protagonistas têm do mundo evolui. No fundo, Tatiana e Alexander compensam as fragilidades um do outro e os seus momentos de dependência e de fingimento - Tatiana em Lazarevo, Alexander com a sua desagradável ligação a Dimitri - realçam uma necessária capacidade de resistência. Mesmo nas situações mais peculiares - e há algumas - realçam o lado menos tolerável de algumas personagens, a forma como esse momento contribui para o crescimento da relação entre os protagonistas acaba por compensar a estranheza da situação.
Este é o primeiro volume de uma trilogia, pelo que, naturalmente, ficam bastantes perguntas sem resposta. Mas, tendo em conta a evolução do enredo, o final deste primeiro livro afigura-se como o único adequado e a intensidade emocional desses últimos momentos é de tal forma marcante que, com tudo o que não diz e com o impacto do que é revelado, fica, imediatamente, a vontade de saber o que virá depois.
Cativante desde as primeiras páginas e poderosíssimo nos momentos mais emotivos, este é, pois, um livro que marca tanto pelo retrato do ambiente em que decorre como pela coragem, ante as vicissitudes, das personagens que o protagonizam. Marcante, intenso e comovente, um livro que equilibra na perfeição o global e o individual, para criar uma história belíssima, da qual fica, ainda, muito por dizer. Recomendo.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O Segredo Mais Escuro (Gena Showalter)

Amun seguiu os amigos até ao Inferno para ajudar a libertar Legião, mas a viagem deixou sequelas. Agora, novos demónios habitam o seu interior e não parece haver forma de os controlar. É por isso que, viajado por anjos, permanece encarcerado até que os seus amigos encontrem uma improvável solução que não exija a sua morte. Essa solução, contudo, surge de forma inesperada, quando Haidee, uma caçadora capturada por Strider, entra no quarto de Amun e, confundindo-o com o seu namorado, tenta protegê-lo. É que também ela não é completamente humana e, sem que ninguém saiba porquê, parece ser capaz de controlar os demónios que atormentam Amun.
Seguindo essencialmente no mesmo rumo dos volumes anteriores, também este livro tem como centro o romance entre o casal protagonista. Aliás, há, inclusive, um menor desenvolvimento dos elementos para lá do parte romântica, uma vez que a acção dos Caçadores parece ser menos intensa e a presença de Haidee leva a que os amigos de Amun se afastem da fortaleza. Há alguns momentos, claro, com a situação de Strider a preparar terreno para a sua própria história ao mesmo tempo que serve de base para questionar a forma como o romance de Amun pode abalar a sua relação com os amigos. A sua história é, ainda assim, claramente secundária, mesmo tendo em conta algumas revelações interessantes.
No que toca à relação entre os protagonistas, o mais interessante começa por ser o mistério em torno de Haidee. O contacto inicial entre ambos nasce de uma certa confusão, que leva a alguns momentos de estranheza, em que o cada um sabe, não sabe ou pensa que o outro sabe cria situações um pouco forçadas. A evolução dos acontecimentos faz com que isto se atenue, não só porque a história de Haidee vai sendo relevada - e tem alguns traços bastante interessantes - , mas também pela forma como, após alguns momentos mais repetitivos, a sua relação se torna mais intensa, com o regresso ao Inferno e os seus diferentes reinos a servir de factor de tensão, abrindo caminho para um final de maior intensidade e com uma força emocional de que, por vezes, se sente a falta nos primeiros capítulos.
Envolvente e de leitura agradável, mas com alguns momentos forçados e uma certa estranheza no início, este é, assim, um livro que fica um pouco aquém dos anteriores. Ainda assim, as várias revelações interessantes e uma evolução que conduz o enredo para um final bastante bom, acabam por tornar a história cativante, deixando curiosidade em ler os livros seguintes. Gostei, portanto.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A Rainha Adúltera (Marsilio Cassotti)

D. Joana de Portugal, futura rainha de Castela e mãe da que viria a ser conhecida como "a Excelente Senhora" viveu, desde cedo, uma vida de atribulações e mudanças, conduzida pela volubilidade do contexto político circundante. Admirada por alguns, difamada por outros, Joana esteve no centro de toda uma teia de intriga palaciana em que a sua reputação e a sua fidelidade matrimonial foram contestadas de acordo com os interesses dos que a rodeavam. Figura marcante de um tempo em que planos e lealdades mudavam com facilidade, Joana é, aqui, apresentada como bem mais que uma figura marcante no centro de um núcleo de intrigas e manipulações. Também ela teria os seus interesses a defender - os seus e os da sua filha. E, por isso, também o seu papel viria a moldar o rumo dos acontecimentos.
Longo, denso e rico em pormenores, este não é, de forma alguma, um livro de leitura fácil. Isto deve-se, desde logo, à forma como é escrito, já que as muitas referências às suas múltiplas fontes, contribuem, desde logo, para que a exposição do conteúdo seja feito a um ritmo bastante pausado. Mas a principal razão está no conteúdo em si, já que a complexidade do contexto político e das muitas movimentações em defesa dos interesses de cada país ou personalidade, requerem, naturalmente, uma vastidão de pormenores e, por isso, uma longa lista de nomes, títulos e lugares associados a cada acontecimento. Acrescentem-se a isto as motivações - e os interesses contraditórios - relativos a esses mesmos acontecimentos, e o resultado terá de ser um texto longo, complexo e exigente, para que todos os pormenores possam ser assimilados.
Dito isto, o que se perde em fluidez, ganha-se em riqueza de informação já que, apesar de ser um livro denso e que exige tempo e atenção, a informação que apresenta é, além de muito interessante, completa e esclarecedora. É possível ficar com uma ideia geral bastante clara das movimentações de interesses e de intrigas nas diferentes cortes - e nas relações entre elas - , bem como assimilar uma série de detalhes que transmitem uma visão mais clara das principais acções e dos grandes conflitos de interesses. Assim, o que este livro apresenta é mais que uma biografia de Joana de Portugal, mas antes um retrato da época em que esta terá sido uma das grandes protagonistas.
Complexo e detalhado, trata-se, assim, de uma leitura exigente, tanto em termos de tempo como de atenção. Mas, pela riqueza de pormenores e pelo retrato complexo que traça para o ambiente e os acontecimentos vividos por e em torno da rainha D. Joana, não deixa de ser, também, uma leitura fascinante em tudo o que de interessante apresenta. Vale a pena ler, portanto.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Perseguição Escaldante (Janet Evanovich)

Stephanie Plum é caçadora de recompensas na agência de fianças do primo. Quando alguém falta a uma audiência no tribunal, o seu trabalho é encontrá-lo. Mas o negócio já viu melhores dias e o facto de alguém andar a deixar cadáveres no terreno da agência também não ajuda. E o problema não é só de falta de trabalho. Tudo indica que as atenções do assassino estejam voltadas para Stephanie. Como se não lhe bastassem os problemas de ter que lidar com dois homens entre os quais não consegue escolher, um idoso convencido de que é um vampiro e o namorado que a mãe está determinada a impor-lhe. Ah, e não esquecer os feitiços da avó Bella e um criminoso em busca de vingança.
O grande ponto forte deste livro é, sem dúvida, o humor. O conjunto de circunstâncias bizarras que servem de base ao enredo, despertam, por si só, alguma curiosidade, mas é a forma como todos estes elementos peculiares se conjugam que torna a história tão viciante. Basta o primeiro capítulo para ter uma ideia do tipo de situação que se seguirá e muitos dos grandes momentos do enredo têm no centro algo de caricato e de divertido.
A escrita é bastante simples, sem grandes descrições, e o tom da narrativa - contada na primeira pessoa - é, todo ele, bastante descontraído, o que não deixa de surpreender, tendo em conta alguns momentos mais tensos. E, em parte, devido ao estilo directo, em que todos os elementos de caracterização surgem de forma sucinta e na medida em que são necessários, mas também pelas referências a acontecimentos que, possivelmente, pertencerão a outros volumes da série, sente-se, nos primeiros capítulos, a impressão de alguma informação em falta. Impressão que se desvanece com a evolução da história, à medida que as personagens se tornam mais familiares, bem como as personalidades - com todos os seus traços caricatos - das principais personagens.
No que diz respeito ao mistério principal, não é muito difícil adivinhar quem é o culpado, mas a forma como essa situação se relaciona com todos os restantes problemas em torno da vida de Stephanie - e são bastantes - atenua essa previsibilidade, realçando antes os momentos divertidos e as peculiaridades de umas quantas personagens muito estranhas - mas estranhamente cativantes.
Envolvente e descontraído, este é, portanto, um livro que, não sendo particularmente complexo, nem na escrita nem no enredo, cativa pelos bons momentos de humor, associados a um conjunto de personagens e acontecimentos caricatos e divertidos. O resultado é uma leitura leve e agradável. Gostei.

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Morte no Nilo (Agatha Christie)

Linnet Ridgeway tem tudo. Invulgarmente bela e dona de uma grande fortuna, não lhe faltam pretendentes e há pouco que esteja fora do seu alcance. É por isso que o seu casamento com Simon Doyle, um homem de origens modestas, não deixa ninguém indiferente. Mas nem todos desejam a sua felicidade, já que a notícia do seu casamento veio abalar muitos planos. E é por isso que, ao embarcar numa viagem pelo Nilo, Linnet se sente rodeada de inimigos, ainda que a única a mostar as razões para a odiar seja a antiga namorada do seu actual marido. Há muitos interesses em jogo sob a aparência de uma viagem de lazer. E, quando a tragédia acontece, todos são suspeitos e, ao mesmo tempo, a mulher com mais razões para agir parece ser a única garantidamente inocente. Ou não?
Há vários elementos neste livro a fazerem lembrar Um Crime no Expresso do Oriente. Desde logo, a forma como o mistério é construído, com todas as personagens envolvidas numa viagem e em que todos, ou quase todos, os presentes são suspeitos, evoca, em linhas gerais, esse outro enredo. Além disso, o próprio Poirot faz referência a esse caso, realçando essas semelhanças e essa ligação. O caso é, ainda assim, bastante diferente e a forma como a situação evolui é bem mais interessante, sendo a história mais cativante e o final bem mais intenso.
Ao abrir a história com um capítulo passado antes da viagem, é possível conhecer as personagens fora do contexto do mistério - ou em preparação para ele. Isto desperta, desde logo, curiosidade para as ligações entre todas essas personagens e, no centro, Linnet Ridgeway. Funciona, portanto, como uma boa abertura para o caso propriamente dito, o qual, de possibilidade em possibilidade, se vai tornando mais intrigante a cada nova revelação. Além disso, a história não se centra somente na resolução do mistério, até porque os crimes só começam a surgir lá para meados do livro, havendo, antes disso, uma série de movimentações e possíveis pistas dadas pela personagens que criam para o que se seguirá um ambiente intrigante e tenso que se adequa na perfeição às circunstâncias.
Quanto à caracterização das personagens, é feita de forma relativamente discreta, mas apresentando todos os aspectos relevantes para a evolução do enredo. Quase todos têm algo a esconder, e os mistérios de alguns são surpreendentes. Fica, ainda assim, a impressão de algumas figuras demasiado estereotipadas nos seus preconceitos, ainda que o contraste entre ambos - Mr. Ferguson e Mrs. Van Schuyler - acabe por ser, também, bastante interessante.
Intrigante e envolvente, este é, pois, um livro em que o mistério e a sua resolução são os elementos centrais, mas em que o desenvolvimento de algumas personagens e a forma como Poirot lida com os múltiplos segredos que tem em mãos acrescentam aos acontecimentos algo de agradavelmente inesperado. Uma boa história, portanto, e uma boa leitura.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

O Livro dos Perfumes Perdidos (M.J. Rose)

Jac sempre julgou que as suas visões resultavam de alguma espécie de doença mental. Por isso, e após um período particularmente difícil e muitos tratamentos sem resultado, Jac lutou para encontrar uma forma de conter as visões. E conseguiu. Agora, o passado ficou para trás e Jac não quer pensar senão na normalidade da sua vida. Mas o pai deixou a Maison L´Étoile numa situação difícil e o irmão, que alimenta os mesmos sonhos do pai de conseguir dar forma a uma fragrância de capacidades superiores, não está disposto a aceitar a solução pragmática de Jac e vender as fórmulas de alguns dos perfumes mais conhecidos. Além disso, Robbie encontrou algo de precioso, que pode significar que o seu sonho está próximo. Entre o caos do laboratório, alguns fragmentos de cerâmica de origem egípcia falam de um aroma capaz de fazer recordar vidas passadas e encontrar uma alma gémea. Pode ser a prova da existência de reencarnações e, ainda que Jac seja uma céptica relativamente a esse assunto, outros há que vêem as potencialidades da peça. E que estão dispostos a tudo para impedir que esta contrarie os seus interesses.
História, acção e, talvez, um toque de fantasia são os elementos que se cruzam neste livro que, tendo como centro o mistério das placas e as acções dos vários interessados em desvendar o seu segredo, tem muitos dos traços comuns ao thriller, mas também algo de inesperado para o complementar. A acção e o mistério são, muitas vezes, o elemento dominante, com o desaparecimento de Robbie a servir de base a uma série de buscas e as acções dos que querem obter a peça a criar vários momentos de tensão. Mas há questões associadas aos motivos de cada personagem que tornam a situação um pouco mais complexa, para lá da simples acção e da luta por um objectivo. Toda a questão da reencarnação levanta possibilidades interessantes, desde os estudos de Malachai, às muitas recordações de Jac, passando pela importante questão do sistema de crenças tibetano e das intromissões do regime para minar esse sistema. Levanta, também, algumas questões sobre as quais vale a pena reflectir, quer a nível de questões culturais e liberdade de crença, quer do papel da racionalidade na forma de viver a vida.
Por tudo isto, são os acontecimentos o essencial do enredo, havendo um bom núcleo de personagens na sua origem, mas com uma caracterização que surge na medida em que é relevante para o que está a acontecer. Isto deixa, por vezes, a sensação de que algo mais haveria a dizer sobre as personagens, no que toca à sua vida pessoal, sendo que a conclusão da história de Griffin e Jac, bem como da relação desta com o pai, acabam por ser contadas de forma algo apressada. Há, ainda assim, o suficiente dos traços essenciais de cada personalidade para sentir a empatia necessária nos momentos mais emotivos. A necessidade de pertença que dita parte do cepticismo de Jac é fácil de compreender, tendo em conta as motivações, e a quase inocência de Xie, personagem de presença discreta, mas muito relevante, contrasta com a vastidão de interesses em movimento.
Trata-se, assim, de uma leitura envolvente, com um ritmo bastante intenso e bons momentos de tensão a contrastar com a ocasional situação mais emotiva. De leitura agradável, com boas personagens e uma boa história, fica, deste O Livro dos Perfumes Perdidos, uma impressão bastante positiva. 

domingo, 23 de dezembro de 2012

Na Sombra da Vingança (J.R. Ward)

Rehvenge vive uma vida dupla. Para a nobreza dos vampiros, ele é um dos membros mais importantes e tem uma palavra a dizer na relação com o rei e a Irmandade. Mas, na sua vida secreta,  Rehv lida com os aspectos mais sombrios do mundo, tanto dos vampiros como dos humanos. Droga e prostituição são apenas parte do seu segredo, já que Rehvenge não é totalmente vampiro. E, para preservar o seu segredo de atenções que destruiriam aqueles que ama, ele dispôs-se a aceitar exigências intoleráveis durante décadas. Mas há mudanças prestes a acontecer e tudo começa quando uma enfermeira se interessa pelo que ele está a fazer a si mesmo. E há algo entre eles que cresce, independentemente dos segredos e das intrigas que abalam o mundo secreto dos vampiros. Rehv e Ehlena são, com todas as diferenças que o separam, um casal destinado a formar-se. Mas será possível para alguém com tantos inimigos?
Algo que, desde cedo, se nota neste livro, é a tendência que, desde os volumes anteriores, para expandir a história para lá do casal protagonista. Se, nos primeiros livros, a grande maioria dos acontecimentos dizia respeito aos protagonistas, a evolução da situação global da Irmandade levou a que o desenvolvimento do enredo se dispersasse mais pelas diferentes personagens. Neste livro, e ainda que a maioria da parte romântica da história diga, de facto, respeito a Rehv e Ehlena, estes não se destacam como protagonistas únicos, sendo igualmente relevantes para a evolução do enredo os acontecimentos que dizem respeito a Wrath, John e Tohrment, só para citar os mais evidentes. Disto resulta uma maior dispersão pelas diferentes personagens, havendo menos desenvolvimento a nível do romance central, mas também uma perspectiva mais ampla do que está a acontecer em Caldwell, sendo que as mudanças a ocorrer na Irmandade, na liderança da Raça e até na colónia acabam por ser, muitas vezes, mais relevantes que as questões românticas.
Isto não retira nem carisma nem empatia às personagens. De Rehvenge, que é, apesar de tudo, o protagonista, é revelado um lado desconhecido - até para ele, por vezes - que o torna bastante mais complexo e interessante do que o que antes fora revelado. E isto aplica-se tanto às mudanças motivadas pela ligação a Ehlena como à sua interacção com Wrath e a Irmandade. Ehlena, por sua vez, é, em quase tudo, oposta em temperamento a Rehvenge, criando um contraste entre as duas personalidades que torna a relação particularmente interessante. 
Também as outras personagens sofrem mudanças importantes, quer a nível de experiências que lhes abalam a postura perante a vida, quer de acontecimentos que alteram o contexto "político" da raça. Assim, as alterações na situação da Irmandade e do próprio rei, o papel da colónia nos problemas que estão a acontecer e a grande mudança na atitude de John (bem como os factores que a despertaram) são, além de bases para vários bons momentos ao longo do enredo, factores capazes de mudar o rumo global da situação, prometendo ainda novas mudanças para os volumes seguintes.
Falta referir, por último, um dos aspectos que sempre cativaram nesta série e que, agora que a história se dispersa mais em aspectos para lá do romance, se torna ainda mais importante: as ligações entre os elementos da Irmandade e aqueles que lhes são próximos, tanto a nível romântico, como familiar e de relações de amizade. Há várias situações complicadas, do ponto de vista emocional, a ocorrer neste livro, e a forma como a autora constrói as reacções e as emoções das personagens nesses grandes momentos é também um dos grandes trunfos desta série.
Este é, portanto, um livro que não desilude. Envolvente, rico em momentos intensos e com novas revelações para personagens que já se tornaram familiares a contrastar com a evolução do casal protagonista, tanto no romance, como em todos os outros aspectos da sua vida, Na Sombra da Vingança tem todas as boas características que cativaram nos livros anteriores. Muito bom.

sábado, 22 de dezembro de 2012

Feliz Natal




Talvez estes não sejam os melhores dos tempos. Mas o essencial permanece. E, em tempo de Natal, importa mais o que temos que o que nos falta e, às vezes, basta uma palavra ou um toque de afecto para animar um dia sombrio.
Para os que passam por este meu lugar, ficam os meus votos de um Natal repleto das coisas mais importantes: afecto, alegria, harmonia e paz. E a esperança de que o novo ano traga a esperança possível e aproxime o sonho um pouco mais.
Que o futuro seja, também, de boas leituras mas, principalmente, de bons momentos.

Feliz Natal!

Sem Ti (Diana Silva)

Feito de poemas breves e bastante pessoais, este é um livro em que é a expressão do sentimento que sobressai. As palavras são simples, a estrutura do poema também e a ênfase está essencialmente nas emoções e pensamentos individuais do sujeito poético. O amor é o tema dominante, juntamente com uma introspecção com algo de melancolia. Assim, há, ao longo de todo o livro, um "eu" poético comum que facilmente se identifica, principalmente tendo em conta a simplicidade e a brevidade na construção de cada poema. Mas a ligação entre os vários poemas não se resume a essa unidade comum. Também a estrutura a faz sobressair.
Todos os poemas seguem a mesma estrutura. Quatro estrofes de quatro versos de poucas sílabas métricas. Na vasta maioria, com rima. Isto realça a unidade entre os vários poemas do livro, mas impõe também algumas limitações, já que a brevidade dos versos e a necessidade de escolher palavras que rimem acaba por limitar o impacto do que se pretende expressar. Assim, fica, em muitos dos poemas, a impressão de que a abordagem podia ter sido mais aprofundada, elaborando um pouco mais, quer em termos de conteúdo, quer na linguagem.
Também a nível de revisão há algumas falhas, havendo algumas gralhas - principalmente na acentuação - ao longo do texto. Não há erros muito óbvios ou muito graves, mas, num livro tão curto, esse tipo de lapsos acabam por se tornar mais visíveis, prejudicando um pouco a leitura.
Não deixa de ser uma leitura agradável, até porque a simplicidade dos poemas não lhes retira a força emocional. Além disso, há alguns jogos de palavras que conseguem surpreender. Fica, apenas, a impressão de que os sentimentos e circunstâncias que, de forma tão simples e pessoal, são apresentados, poderiam, talvez, ser a base de algo muito maior e mais complexo. E é essencialmente disso que se sente a falta neste livro.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Transformar-se em Maria Antonieta (Juliet Grey)

Para Maria Teresa de Áustria, todas as suas filhas são "sacrifícios políticos". Mas cabe à mais jovem, Maria Antónia, realizar o mais importante dos seus planos. A pequena Toinette está destinada ao delfim de França, fortalecendo assim a aliança entre os dois países. Mas a educação da criança foi deficiente e, agora que os planos estão bem encaminhados, é preciso compensar essas falhas. Transmitir-lhe o conhecimento que ela nunca fixou, moldar-lhe o aspecto e os hábitos ao costume de Versalhes e fazer de Maria Antónia uma jovem mulher capaz de conquistar o corte francesa. Tudo está preparado e tudo depende dela. Mas talvez Toinette seja demasiado inocente e influenciável para a teia de intrigas que se esconde nos excessivos rituais da Versalhes de Luís XV.
Narrado na primeira pessoa pela voz de Maria Antónia, este primeiro livro do que deverá ser uma trilogia, cria para a figura de Maria Antonieta uma nova perspectiva. Primeiro, pela narração de um período de sua vida antes do seu reinado e, até, da sua chegada a França, mas, principalmente, pelo retrato do mundo que a rodeia que, visto pelos seus olhos e percepcionado de forma diferente à medida que vai crescendo, permite acompanhar não só as mudanças no ambiente que rodeia a protagonista, mas também a sua percepção do mundo. Isto torna mais fácil criar empatia para com Maria Antónia, já que, enquanto narradora, os seus sentimentos surgem, naturalmente, ao longo do texto, e realça a sua posição solitária, primeiro perante a família (cujos interesses falam mais alto) e depois na corte francesa (onde é uma estranha facilmente manipulável).
Há, também, limitações para esta forma de narrar os acontecimentos. Se os sentimentos e a caracterização da protagonista surgem de forma bastante completa e associados a todo o tipo de circunstâncias, menos é dado a saber sobre as outras personagens, uma vez que as suas características surgem segundo a perspectiva que Maria Antónia tem delas. Além disso, há um contexto político bastante rico em intrigas e interesses contraditórios - ou não fosse Versalhes o cenário de grande parte do enredo - , mas estes elementos acabam por ser explorados de forma parcial, já que também eles surgem na medida do conhecimento da protagonista ou através das poucas cartas intercaladas na narração de Antónia. Ficam, assim, algumas questões em aberto, ainda que o desconhecimento dessas questões sirva também para realçar a posição da protagonista enquanto jovem manipulável no centro de uma teia de interesses.
Enquanto primeiro volume, ficam também questões sem resposta no que diz respeito ao futuro de Antónia, até porque a conclusão surge mais como um início de grandes mudanças que propriamente como um fim. Muitos grandes momentos estão ainda por explorar e, por isso, fica muita curiosidade em saber de que forma serão desenvolvidas as muitas possibilidades que surgem agora no caminho da protagonista. Há, também, várias mudanças que se insinuam no âmbito pessoal, o que faz com que este livro surja, em muitos aspectos, como o início de um mistério ainda com muito para revelar.
Trata-se, pois, de uma leitura envolvente e de um livro que, entre as complexidades da intriga política e a inocência de uma jovem longe de tudo o que conheceu, abre muitas possibilidades para a abordagem ao futuro mais conhecido da sua protagonista. Um bom início, portanto, e uma boa leitura.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Branca de Neve (Benjamin Lacombe)

Da princesa Branca de Neve e dos seus sete amigos anões, da bruxa má e do seu espelho mágico e do príncipe encantado que surge quando tudo parece perdido, não há muito de novo para dizer. A história de Branca de Neve é conhecida o suficiente para dispensar introduções. Mas o que este livro tem de especial é a forma como, a partir da versão já conhecida de uma história muitas vezes contada, cria um ambiente diferente, pela simples força das imagens.
Da história, e da forma como é narrada, não há muito a dizer. Envolvente e acessível, mas não demasiado simples, cativa, com a sua magia e a harmonia das palavras - e a lição de moral, claro, que não podia faltar - , leitores de todas as idades. Ou não fosse uma história que, por mais conhecida que seja, não deixa de cativar o leitor, mesmo sabendo de antemão as suas linhas essenciais.
Mas o que marca realmente neste livro é o equilíbrio entre o texto e a forma magnífica como este é ilustrado. Cada uma das imagens é fascinante, por si só, com algo de sombrio e de misterioso a conferir intensidade aos traços de uma história que é, afinal, muito breve e relativamente simples. Além disso, as imagens não se limitam a representar momentos da história, mas acrescentam algo mais, com um toque de fantástico e de improvável a moldar um novo cenário, criando diferença por entre o que é familiar.
Tudo é belo neste livro, desde as ilustrações, por si só e pela forma como se enquadram no texto, criando uma unidade maior que a simples soma dos seus elementos, ao próprio formato do livro, que, sendo de grandes dimensões, permite uma visão mais precisa dos pormenores de cada imagem. O resultado é um livro que fascina não só pelo conteúdo, mas também pelo aspecto e que, por isso, acaba por ser um livro que, antes e depois de uma leitura de ponta a ponta, deixa vontade de voltar a ler, ou simplesmente folhear para recordar as imagens mais impressionantes.
Todas estas razões justificam que este livro seja muito mais que, simplesmente, um conto infantil, já que tem muito para agradar tanto a crianças como a adultos. Fica, por isso, a melhor das impressões desta edição diferente e muitíssimo bem conseguida da história intemporal - mas sempre cativante - de Branca de Neve. Maravilhoso.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Obliterados (Alexandre Ferrony)

1101 é um rapaz diferente numa cidade invulgar, onde, por sistema, a indiferença reina e ninguém alimenta aspirações, sentimentos ou qualquer reacção a comportamentos invulgares. Ali, todos se movem de acordo com o convencionado e se alguém diferente, como 1101, surge, qualquer comportamento fora das normas é simplesmente ignorado. Mas ele não é o único e, no momento em que conhece Cór pela primeira vez, 1101 sabe que tem se manter livre e capaz de pensar, pois é a única forma de mudar a cidade. Mas que pode um só indivíduo contra todo o sistema?
O que este livro tem de mais interessante é a ideia que lhe serve de base. A ideia de uma cidade, resultado da experiência de alguns homens e moldada ao pormenor para ser um sistema isolado em que todos vivem sob as normas implementadas porque não conhecem qualquer alternativa, apresenta um contexto com muito potencial e que, nos melhores momentos do enredo, consegue ser bem explorado. Detalhes como a ligação de Cór, orientador do protagonista, ao líder da cidade, a designação por números em vez de nomes e momentos como a reacção global quando 1101 tenta explicar a todos o que está a acontecer, dão forma a alguns dos melhores momentos da história.
Há, contudo, algumas fragilidades que dificultam a leitura. Narrada pela voz do protagonista e em capítulos relativamente curtos, a história da cidade perde destaque relativamente às longas deambulações de 1101, algumas delas inconsequentes e apresentadas com uns quantos pormenores algo repugnantes. Além disso, ficam demasiadas perguntas sem resposta, quer devido ao afastamento de 1101 da cidade - ficando em aberto tudo o que acontece depois da sua partida - , quer devido a alguns comportamentos inexplicáveis das personagens, que, ora parecem ter toda a vontade de causar a mudança, ora parecem mergulhar numa apatia sem sentido. Falta também uma revisão mais cuidada ao texto, já que também as gralhas relativamente frequentes e algumas frases bastante estranhas dificultam também o ritmo da leitura.
Ficam, por tudo isto, sentimentos ambíguos. O conceito essencial é bastante interessante e há, inclusive, vários momentos bem conseguidos (sendo de destacar aqueles em que 1101 fala às gentes da cidade), mas a concretização acaba por ser algo confusa, ficando aquém das expectativas. O que é pena, porque esta poderia ter sido uma história bastante mais rica, se houvesse um maior desenvolvimento do sistema e menos das deambulações do protagonista.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Irmãos de Sangue (Nora Roberts)

Por alturas do seu décimo aniversário, Cal, Gage e Fox decidiram passar essa data - pois partilhavam a mesma data e hora de nascimento - na Pedra Pagã. Apesar das lendas associadas ao lugar, tudo o que queriam era um pouco de diversão. Mas, no momento em que decidiram fazer um juramento e tornar-se irmãos de sangue, libertaram um poder demoníaco. A partir daí, de sete em sete anos, sete dias de pesadelo tomam forma em Hawkins Hollow. E, desta vez, a terceira, o demónio parece estar mais forte e a manifestar-se demasiado cedo. Talvez, desta vez, não sobre nada depois da destruição. E é para o impedir que Cal aceita falar com Quinn Black, escritora dedicada ao paranormal, na esperança de que uma nova perspectiva revele detalhes que lhe escaparam.
Parte do que torna este livro cativante é o facto de haver um bom enredo para lá do romance. Na verdade, e ainda que a ligação entre Cal e Quinn tenha, inevitavelmente, um certo protagonismo, a parte romântica da história é apenas uma parte - e, por vezes, secundária - da história, sendo a parte sobrenatural a sobressair. Todos os acontecimentos giram em torno de um elemento sobrenatural e de um gesto que, feito inocentemente, colocou um peso sobre os ombros dos protagonistas. Protagonistas que, pelo menos inicialmente, parecem ser os três amigos, e não o casal que se formará com o decorrer da história.
Um outro aspecto cativante é o ambiente surpreendentemente sombrio. As intervenções do demónio, as visões que perturbam as personagens e, desde logo, o passado que justifica os acontecimentos, têm, todos eles, momentos arrepiantes e perturbadores, conferindo à história um ambiente bastante negro. Isto cria um bom contraste com os momentos mais leves, reforçando a importância das situações simples e divertidas, bem como o crescimento da relação entre Quinn e Cal, que, ao surgir em circunstâncias complicadas, acaba por ter de crescer de forma mais gradual.
Também no que diz respeito às personagens - e aos casais, que são, desde logo, fáceis de identificar - , surge também um agradável contraste de personalidades, evidente principalmente em Cal e Quinn, mas também nos seus amigos. Este contraste fortalece-se, ainda, pelo facto de, habituados a lidar com a situação de Hawkins Hollow desde que eram miúdos, os três amigos carregarem sobre os ombros uma responsabilidade que vai passando, também, aos poucos, para os novos elementos do grupo. Além disso, o temperamento sério de Cal complementa na perfeição a determinação e a teimosia de Quinn.
Sendo o primeiro livro de uma trilogia, ficam, naturalmente, muitas perguntas sem resposta. De algumas delas, como da situação do pai de Gage, fica a impressão de que mais poderia já ter sido dito. Ainda assim, o que fica por dizer contribui também para adensar o mistério e despertar curiosidade para os volumes seguintes, e as respostas já apresentadas insinuam um rumo bastante intrigante para os acontecimentos que se seguirão.
Com um conjunto de personagens carismáticas no centro de um problema sobrenatural, Irmãos de Sangue apresenta uma história envolvente e intrigante, com as medidas certas de romance e mistério e muitas respostas por desvendar. Um bom início, portanto, para uma história que promete ainda muito de bom nos livros que se seguem.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Noite de Reis (Trisha Ashley)

Enquanto criança, Holly nunca celebrou o Natal, pelo que, depois de casar, quis compensar essa falta e, na companhia do marido, viver ao máximo as festividades. Mas a morte de Alan num acidente no gelo poucos dias antes do Natal levou-a a pôr de parte as celebrações. É por isso que, quando mais ninguém está disponível, Holly está disposta a passar a época festiva em locais remotos, a tomar conta de casas e animais quando os donos vão de férias. Tudo o que quer é silêncio e tranquilidade, para que se possa esquecer de que o Natal existe. Mas, quando o trabalho que a deveria ocupar é cancelado e um outro surge, as coisas começam a correr mal. É que o casal que tomava conta da casa de Jude Martland comprometera-se a tratar do jantar para os familiares presentes e, mesmo que isso não faça parte das suas responsabilidades, Holly começa a sentir-se culpada por recusar, quando o dono da casa partiu para longe sem pensar na situação. Como se não bastasse, Jude Martland é um homem de temperamento difícil e bastam algumas chamadas telefónicas para que ele e Holly se irritem mutuamente. Será possível que, tanto para Holly como para os Martland, o Natal não acabe por ser uma catástrofe?
Leve e descontraído, com algo de romance e centrado essencialmente nas personagens, este é um livro que cativa principalmente pelas emoções que evoca. E, como tende a acontecer neste tipo de história, parte do que torna a história interessante está na capacidade de sentir empatia para com as personagens. Neste aspecto, a história está, no geral, bastante bem conseguida, ainda que, por vezes, a ligação entre os protagonistas pareça tudo menos harmoniosa.
Na verdade, ainda que haja um romance entre duas personagens, Holly tem bastante mais protagonismo que Jude e este revela-se, a princípio, sobretudo pelos seus defeitos. Claro que isto faz com que a primeira impressão dele não seja das melhores, mas contribui também para alguns bons momentos de tensão e também para várias situações divertidas. Além disso, os atritos entre Jude e Holly acabam por evoluir para uma relação bem mais interessante que, fugindo em muito aos elementos românticos mais previsíveis, acaba por servir para revelar o melhor dos dois, numa relação que evolui de forma que, não sendo inesperada, não deixa, ainda assim, de ser divertida.
Mas nem só da relação entre Jude e Holly vive a história. Na verdade, essa é uma parte que apenas ganha protagonismo numa fase já avançada do enredo. Antes de isso, há outros elementos a considerar. A história da avó de Holly, com a possível ligação aos Martland, é desenvolvida de forma discreta, mas sempre intrigante, conferindo ao livro um agradável toque de mistério. E a relação de Holly com os Martland, com todos os atritos e episódios caricatos, bem como com as situações mais ternas, representa um percurso de superação da dor para a protagonista, bem como, ao mesmo tempo, um bom retrato de união familiar, apesar dos inevitáveis conflitos.
Cativante e enternecedor nos melhores momentos, Noite de Reis apresenta uma história que, não sendo particularmente complexa, proporciona, ainda assim, uma leitura leve, divertida e que, entre as situações mais bizarras e os conflitos entre personalidades contrastantes, consegue também surpreender pela intensidade emocional. Um bom livro para descontrair, portanto. Gostei.

domingo, 16 de dezembro de 2012

A Quinta Musa (José Sasportes)

Muitas vezes ligada à música, mas com muitos pontos de separação, a história da dança tem, por vezes, um percurso difícil de acompanhar. Neste livro, reúne-se um conjunto de palestras e artigos respeitantes ao tema. Mais ou menos longos e pormenorizados, permitem adquirir um conhecimento mais profundo da evolução da dança através dos tempos, num olhar aos seus pontos de viragem ao longo do tempo e aos principais protagonistas dos diferentes períodos históricos.
Algo que, desde logo, importa referir é que, sendo um conjunto de artigos destinados a publicações especializadas e de palestras apresentadas em eventos relacionados com a dança, é, por vezes, difícil, se não se tiver algum conhecimento prévio, acompanhar as muitas referências a nomes e acontecimentos que surgem ao longo do livro, já que, dirigido a um público minimamente conhecedor do contexto, estes eventos e figuras deverão, à partida, ser reconhecíveis. Assim, para um primeiro contacto com a história da dança, este livro pode parecer, inicialmente, um pouco confuso, para o que contribui também o facto de algumas citações não estarem traduzidas. Apesar disso, há partes do contexto que vão sendo desenvolvidas ao longo dos diferentes artigos - e, em particular, nos mais longos - pelo que esta desorientação inicial se vai desvanecendo.
Assimilados os elementos básicos do contexto, a leitura torna-se bastante interessante. Não é uma história completa da dança - nem é esse o objectivo - , mas os vários textos permitem ficar com uma ideia bastante clara de vários pontos essenciais, despertando, ao mesmo tempo, a curiosidade em saber mais sobre esse mundo, um mundo que surge tão rico em mudanças e polémicas como em figuras marcantes e momentos de evolução e que, por isso, mesmo não sendo apresentado em todo o pormenor, revela já os traços fundamentais da sua complexidade. Além disso, ainda que a multiplicidade de referências a nomes e obras possa ser difícil de assimilar, a escrita em si é bastante acessível e acaba por ser fácil compreender o essencial, mesmo não se tendo uma ideia prévia do contexto.
É possível, pois, que este não seja o livro mais fácil de acompanhar para uma primeira abordagem à dança no seu contexto histórico, mas, mesmo nos elementos mais difíceis de seguir, é possível ver a vastidão do mundo que se apresenta e as mesmas referências que, inicialmente confundem acabam por despertar a vontade de saber mais. Fica, pois, a curiosidade em ler mais sobre este tema e a ideia global de uma leitura que, não sendo fácil, é, ainda assim, muito interessante.

sábado, 15 de dezembro de 2012

Ter Alma é um Cliché (Etta Pandora)

Através das cartas, quase poemas, que escreve a um amor sem nome, uma mulher divide-se em múltiplas personalidades para lidar com o que parece ser uma perda devastadora. Cada flor corresponde a um nome e cada nome a uma faceta da sua personalidade. A sedutora, a pensativa, a amargurada. Os pensamentos variam entre a evocação dos momentos eróticos e uma reflexão sobre o seu papel no mundo, passando pela perda e pela saudade, bem como pelo olhar com que vê os que a rodeiam. A dona das cartas é, ao mesmo tempo, uma e muitas mulheres, algumas delas difíceis de entender.
O mais interessante deste livro está na sua organização muito própria. Com as múltiplas facetas da personalidade associadas a diferentes flores, a alternância dos textos entre a forma poética e a quase crónica e a associação a diferentes datas significativas, a autora cria, para este pequeno livro, uma interessante estrutura, com várias ligações interessantes a criar um sentido de união entre os vários textos. Além disso, as múltiplas personalidades da protagonista reflectem-se não só no nome com que assina cada texto, mas também pela forma de expressão e pelas emoções que evoca, havendo, ao longo da leitura, vários momentos particularmente bons e algumas frases realmente memoráveis.
Há, ainda assim, algumas causas de estranheza. A primeira é o choque causado por alguns contrastes de vocabulário, em que palavras insinuantes, quase discretas, chocam com outras de linguagem dura e sem rodeios, deixando a impressão de uma mudança demasiado brusca. Além disso, é difícil criar empatia para com alguns dos pontos de vista desenvolvidos, nomeadamente naqueles em que os estereótipos sobre mulheres e homens, e respectivos papéis no mundo, são mais evidentes. Se a organização do livro realçava os pontos de união entre os textos, estas características realçam-lhe as diferenças, havendo alguns - particularmente entre os mais poéticos - em que as palavras e o que evocam parece familiar, enquanto que noutros é a estranheza que prevalece.
Este é, por isso, um livro que deixa sentimentos ambíguos, já que alterna entre alguns textos realmente marcantes e outros em que é difícil acompanhar a forma de pensar neles apresentada. Tem os seus momentos interessantes, ainda assim.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Cividade (Agustina Bessa-Luís)

No momento em que regressa à sua terra de origem, Rita recorda a vida que a ligou à Cividade e que, por algum tempo, a afastou daquele lugar. A sua história é, muitas vezes, amarga, o percurso de uma mulher que se resignou a algumas conveniências para fugir ao desdém com que se olhavam os diferentes. Mas o seu olhar sobre as raízes que a prendem à terra é tanto de sombras como de boas memórias e a história da Cividade entrelaça-se na sua, para dar forma a uma história de fugas e de regressos. E, principalmente, de uma voz interior que, reprimida por demasiado tempo, acaba por se soltar com graves consequências.
Com muito de descrição e divagação, esta é uma história que, apesar da sua brevidade, acaba por ser uma leitura relativamente lenta. Há muitos pormenores, desenvolvidos no tom de devaneio em que a protagonista contempla a terra, recordando a história - a sua e a do lugar. Assim, há uma certa dispersão entre factos antigos, juntamente com a relativa distância dos momentos em que Rita quase desaparece, dando protagonismo às memórias e traços da Cividade. Não há, pois, inicialmente, grande ligação à protagonista, sendo a descrição dos espaços e da história - e a beleza das palavras com que é feita - o que primeiro cativa.
Mas há uma surpresa que se insinua neste início algo distante e, à medida que se desenvolve a história de Rita, com as desilusões e parcas ambições que dão lugar à amargura, a sua figura contemplativa torna-se mais fácil de compreender. Cria-se, gradualmente, uma certa empatia, a quase inevitável piedade despertada por uma vida de tristeza e quase resignação. Resignação incompleta, mas evidente, que contribui para o maior impacto de um final completamente inesperado na intensidade que revela (em contraste com a serenidade melancólica que domina o texto).
Quase tudo no texto diz respeito a Rita ou à Cividade. Mas importa referir um outro elemento fulcral para a conclusão da história e que, apesar de surgir de forma discreta durante grande parte do texto, acaba por se revelar numa multitude de pormenores interessantes. Trata-se, claro, da obsessão e do mistério em torno da casa sempre interminada e do poder que a superstição exerce sobre os seus donos, questão aparentemente inofensiva, mas que contribui também para a força do final.
Breve retrato de uma mulher e de um lugar, esta é uma história com tanto de divagação como de acção. Não será, por isso, de leitura compulsiva, principalmente pelo início distante e descritivo. Cativa, ainda assim, neste pequeno conto, o contraste entre a calma dos momentos parados e a intensidade de uma vontade libertada, numa história escrita com mestria e com um final brilhante. Vale a pena ler, portanto.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

O Cálice de Ferro (Robert Holdstock)

De volta a Alba, onde, protegidos na Terra dos Fantasmas, os filhos de Urtha esperam o regresso do pai, Merlim é visitado por três entes sobrenaturais que lhe trazem um presságio. Isso basta-lhe para saber que a ligação entre o seu caminho e os de Urtha, Jasão e Medeia está longe de ter sido cortada. Mas Jasão é agora um inimigo e o seu regresso é algo a temer. Já Urtha, quando voltar, terá de recuperar o seu território a um exército de fantasmas, dos mortos e dos ainda por nascer. No centro de tudo, está Kinos, o filho ainda desaparecido de Jasão. E, mais uma vez, Merlim está entre forças que se confundem. Entre a mesma Medeia que em tempos amou e que, agora, parece novamente ter deixado de ser uma inimiga, Jasão, que jurou a sua morte, mas que quer, afinal, apenas recuperar o filho, e Urtha, que tem as suas próprias batalhas a travar. E Niiv, a sempre estranha Niiv, dona de um poder que não compreende e desperdiça, e que quer somente ficar perto de Merlim.
Seguindo na sequência dos acontecimentos de Celtika, este livro surpreende, desde logo, pela forma como o rumo das personagens começa a divergir. No primeiro volume, e apesar dos propósitos pessoais de Urtha, o objectivo essencial era descobrir o paradeiro de um dos filhos de Jasão, e era esse projecto o elo de união entre os principais protagonistas do enredo. Agora, os seus destinos divergem, e cada um parece ter um propósito diferente, ainda que todos os caminhos se cruzem em Alba. À busca por Kinos, missão de Jasão, junta-se a reconquista de Taurovinda e, depois, o conflito com os fantasmas, objectivo essencial de Urtha. Objectivos diferentes, que parecem não ter grande relação, mas que, através dos olhos de Merlim, se revelam nas suas ligações inesperadas e que, apesar das suas aparentes divergências, acabam por se revelar como intimamente ligados, como comprovam as revelações finais.
Estes rumos aparentemente diferentes, aliados à expectável componente descritiva, no que diz respeito ao contexto e a alguns elementos mitológicos que vão sendo inseridos no enredo, conferem à narrativa um ritmo relativamente pausado, até porque os momentos de espera são tão relevantes para a história como os de maior acção. Ainda assim, nunca se perde a envolvência, já que cada momento, mesmo o mais simples, contribui para maximizar o impacto dos grandes momentos. Há, além disso, pequenas ligações ao futuro - como a presença do Pendragon - que tornam mais natural a forma como a história é apresentada. Tudo decorre antes de Artur, mas Artur está presente, e isso cria a ligação entre o Merlim da história e o das muitas versões mais conhecidas.
Importa ainda referir a interessante evolução a nível das personagens, tanto nas mais relevantes, como em figuras aparentemente secundárias. De Jasão, que se afasta a cada acção do papel do herói, e de Medeia, que, na sua ligação a Merlim e aos filhos, se revela bem mais humana do que aparentava ser, mas, principalmente, do próprio Kinos, cuja verdadeira natureza é um elemento essencial da surpreendente conclusão deste livro. Conclusão que, tal como no primeiro volume, marca também pelo culminar de uma busca em que o que se encontra não é bem o mesmo que se procura.
São bem diferentes, portanto, os rumos deste livro relativamente ao primeiro volume e a evolução da história é notável. As personagens crescem em complexidade, o mesmo acontecendo com o enredo, sem que se perca a envolvência e a proximidade emocional com os protagonistas. Este é, por isso, um livro que não desilude, depois das expectativas criadas pelo início da trilogia, e que, com a sua história cativante, personagens carismáticas e final intenso, deixa, também, a melhor das impressões. Recomendo.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Catarina, a Grande (Silvia Miguens)

Quando era apenas a pequena Figchen, muito antes dos acontecimentos que a tornariam imperatriz de todas as Rússias, um quiromante viu três coroas no seu futuro e o homem que tratava de endireitar os seus ossos - e que era também o verdugo de Stettin - disse-lhe que todo o sofrimento a tornaria mais forte. Na sua ascensão ao poder, a futura Catarina, a Grande, recordaria essa lição. Ambiciosa e determinada, o seu ponto fraco seria sempre a falta de amor - mesmo enquanto os favoritos se sucediam na sua cama. Catarina queria ser a mãe do povo russo. E, apesar das intrigas e dos sacrifícios, viria a consegui-lo.
Narrado na primeira pessoa e partindo de muito cedo na infância da protagonista, este é um livro que cativa principalmente pelo tom pessoal com que a história é apresentada. É Catarina, antes Figchen, que recorda as situações que marcaram a sua vida. É ela que observa as mudanças e, com elas, molda a sua atitude e os seus planos. Assim, é ela o centro de toda a narrativa, bem como os olhos que a contemplam e é por isso que, se alguma das personagens é, realmente dada a conhecer, essa é, essencialmente, Catarina.
Esse registo pessoal contribui também para que o retrato da protagonista seja mais o da mulher que o da imperatriz. A ambição e a força de vontade estão presentes em muitas das suas decisões e é bastante evidente, por vezes, o sacrifício da vida privada em nome de interesses maiores. Ainda assim, os momentos mais marcantes estão precisamente no que diz respeito a essa vida privada. Situações como a ligação ao tio Georgie ou o crescente apego ao neto Alexandre revelam, mais que qualquer sacrifício em nome do estado, a imensa humanidade por detrás do poder de Catarina.
Há, naturalmente, uma contrapartida para a escolha de narrar os acontecimentos pela voz de Catarina. É que, ao apresentar os factos pela voz da imperatriz, apenas o seu ponto de vista é apresentado e, principalmente no que diz respeito às questões de intriga palaciana, mas também a um contexto global do mundo para lá do que a protagonista vê, há momentos e motivos que acabam por ser abordados de forma limitada, por se resumirem à percepção que a protagonista tem deles. Não há, pois, um grande desenvolvimento a nível da perspectiva global sobre o reino que Catarina governa, sendo, ainda assim, essa falta compensada pela bem conseguida proximidade relativamente à protagonista.
Trata-se, assim, de um livro que, não sendo particularmente detalhado a nível de contexto histórico, consegue, ainda assim, traçar um bom retrato de Catarina, a Grande. Mais como mulher que como imperatriz, é certo. Ainda assim, um bom ponto de partida para um romance envolvente e agradável de ler. Gostei.