Naquela casa, as noites são de festa. Perante os olhos dos convidados, contam-se histórias tão fascinantes como duvidosas e o casal anfitrião dança, apaixonado, o Mr. Bojangles de Nina Simone. O filho observa-os, fascinado e habituado àquela estranha, mas tão natural, forma de viver. São assim os seus pais. Mas há algo de mais negro à espreita naquela loucura benigna e, quando uma má notícia desperta a ideia de uma possível perda, a loucura revela a sua outra face. Georges, o filho e as inúmeras mulheres que a sua mulher encarnou têm agora uma nova loucura a enfrentar. Uma que, tão fascinante como destrutiva, mudará para sempre o rumo das suas vidas.
Uma das primeiras coisas a cativar neste livro - e, provavelmente, também a mais fascinante das suas facetas - é a forma como o autor conjuga o ambiente de estranheza que caracteriza a história destas personagens com um registo tão directo e tão sereno que faz com que tudo pareça natural. A vida dos protagonistas não é, de todo, o que poderíamos considerar uma vida normal. E, no entanto, aos olhos do narrador, tudo parece enquadrar-se perfeitamente naquilo que a vida devia ser. É fácil, por isso, aceitar, tal como ele, uma vida assim - construída entre mentiras inofensivas, uma loucura divertida e o que parece ser, por entre toda a estranheza, uma estranha paixão pela vida.
Ora, esta naturalidade cativa, desde logo, pela leveza da fase inicial, mas também pela forma como, aos poucos, vai dando lugar a um outro contraste: o da loucura benigna dos primeiros tempos em oposição à loucura destrutiva da fase final. E tudo isto é intrigante, pois, se é certo que há sempre algo de estranho no percurso das personagens, a forma como essa estranheza evolui para um registo progressivamente mais sombrio, mais triste, sem, no entanto, perder a estranha leveza que o caracteriza, cria também um muito impressionante crescendo de intensidade, que culmina num final fortíssimo.
E tudo isto acontece de forma muito simples, numa história que, apesar de se mover por entre labirintos mentais (que vão dos múltiplos nomes da mãe do narrador às ainda mais peculiares intervenções com aqueles que vêm do mundo exterior), nunca deixa de parecer normal em toda a sua estranheza. Tudo se assimila facilmente, pois tudo se resume ao essencial. E, se é verdade ficam perguntas sem resposta, é verdade, também o é que essas respostas não são assim tão necessárias, pois tudo o que verdadeiramente importa está lá.
A ideia que fica é, pois, a de uma viagem à loucura, tanto à loucura saudável que torna as coisas mais interessantes como àquela bem mais sombria que dificulta ou impossibilita uma vida normal. E tudo num registo leve, simples e particularmente certeiro, que realça o essencial e que, ao fazê-lo, cativa e surpreende. A soma das partes é, portanto, uma boa surpresa. E um livro muito bom.
Título: À Espera de Bojangles
Autor: Olivier Bourdeaut
Origem: Recebido para crítica