Em Assim Falava Zaratustra, Nietzsche trouxe de novo à vida um pensador esquecido por muitos - mas as suas ideias foram usadas com fins tenebrosos. E, no entanto, aos olhos do autor, Zaratustra será provavelmente a mente mais brilhante de todos os tempos. Porquê? Porque, contrariamente a muitos outros líderes, instituições e religiões, defende a paixão pela vida e não a sua renúncia. Ao longo deste livro, Osho percorre vários excertos do texto e interpreta-os. E, nessa interpretação, as ideias mais importantes são realçadas... ao mesmo tempo que se vincam as posições do próprio autor.
Sendo a obra de Nietzsche tão complexa e, muitas vezes, tão mal interpretada, uma nova visão dos seus textos mais conhecidos é, desde logo, uma ideia apelativa. Junte-se a isto que o intérprete é um famoso místico e o potencial de descoberta de novas e interessantes ideias parece ser bastante vasto. Assim, as expectativas para esta leitura eram, desde o princípio, muito elevadas. Já a concretização, essa, deixa sentimentos contraditórios. Mas vamos por partes.
Uma das primeiras coisas a surpreender neste livro, e talvez a mais interessante, é que, apesar de ser um místico, o autor aborda tanto a obra de Nietzsche como a vida em geral de uma perspectiva profundamente anti-religiosa, descartando à partida toda a crença. Ora, sendo as palavras de Zaratustra, tal como o autor as vê, toda uma expressão de paixão pela vida, as comparações entre a renúncia e o sacrifício pregados pelas várias religiões e a vivência da vida como única divindade criam, sem dúvida alguma, umas quantas ideias interessantes. E, contudo, ao longo do texto, o autor recorrer muitas vezes aos exemplos de Jesus, de Gautama Buda ou de outras figuras centrais das grandes religiões para dar vida aos seus exemplos. Ora, isto cria sentimentos ambíguos: por um lado, as ideias evocadas têm um certo potencial - o valor da dança, do riso, da alegria. Por outro, parece haver uma certa contradição no recurso aos mesmos exemplos que nega.
Mas, mais que as ideias ou a interpretação geral que o autor faz do texto de Nietzsche, é nas suas próprias posições que tudo se confunde. É difícil imaginar que a mesma mente que valoriza a paixão pela vida, o riso, a dança, a alegria, o amor, seja a mesma que faz a apologia da guerra, que toma uma posição terminante contra a homossexualidade, chegando a dizer de quem o contraria que "devem ser todos homossexuais", que julga grande parte do mundo como pertencendo a uma "plebe" que, por estar a um nível inferior de consciência, nunca o poderá perceber e que assume todas as opiniões contrárias como pertencentes a esse mesmo nível inferior. Torna-se difícil ver o que há de bom - e, há-o, de facto, ao longo deste livro - quando, ao longo do texto, se sente uma tal atitude de superioridade desmedida. E, ao valor de algumas ideias, sobressai a revolta para com outras, e uma sensação geral de irritação. Pois, se o autor vê o leitor como inferior, de que vale o esforço?
Não é tempo perdido esta leitura. Não, de todo. Há, de facto, ideias relevantes e o facto de se ficar a conhecer um pouco melhor a obra de Nietzsche bastaria para que a leitura valesse a pena. Ainda assim, fica esta imensa contradição de alguém que defende a paixão para vida... expressando tão pouco apreço por grande parte dos vivos.
Título: Paixão pela Vida
Autor: Osho
Origem: Recebido para crítica