Nascida numa família numerosa na pequena cidade de Tarnogród, Mala Szorer podia não ter uma vida de riquezas, mas tinha uma vida feliz, com a sua família, as suas ocupações e a sua fé. E inicialmente, parecia que isso nunca iria mudar, embora houvesse rumores, olhares desagradáveis, comportamentos estranhos. Mas a mudança acabou por chegar, primeiro com a transformação da cidade num gueto, depois com a deportação de parte dos seus habitantes e depois com atos ainda mais brutais. E é então que Mala tem de aprender a sobreviver. Primeiro, para alimentar a família, arrisca-se a tirar a estrela amarela para ir à procura de comida. Depois, acontecido o pior, a luta passa a ser pela própria sobrevivência. Ainda assim, nunca está realmente sozinha. Tem a companhia de Malach, a gata que a segue para toda a parte e cuja intuição parece ser sobrenatural.
Todas as histórias de sobrevivência ao Holocausto têm o seu sombrio elo comum. Mas todas têm também as suas particularidades, seja no percurso de quem as viveu, na forma que escolheram para as contar ou até naquilo que os levou a lutar pela sobrevivência. A história deste livro diverge das histórias mais comuns no sentido em que a sua protagonista nunca passou pelos campos de concentração. Assim, o seu percurso é não só de resistência às adversidades, mas também de luta para evitar a captura. E esta diferença é, aliás, destacada na própria história, quando, depois de terminada a guerra, Mala encontra os outros sobreviventes.
O que marca neste livro é, portanto, desde logo, a história completa. É impossível não admirar a luta pela sobrevivência de Mala, o seu apego a fé, o engenho com que lida com as situações mais difíceis. Mas sobressai também um ponto particularmente marcante. Lutar pela sobrevivência implica, às vezes, ter de tomar decisões quando nenhuma decisão é moralmente perfeita, agir de formas que, em circunstâncias normais, seriam repreensíveis. E a autora não foge a estes aspetos do seu percurso. Descreve-os abertamente, incluindo os dilemas morais associados, numa exposição frontal que realça a dimensão das dificuldades e a humanidade de quem as viveu.
Existem alguns episódios que são contados de forma um pouco concisa, como que a deixar a ideia de que tudo foi resumido ao estritamente essencial. Mas faz sentido que assim seja, até porque, segundo se deduz da leitura, esta história foi um registo construído depois dos acontecimentos. Não é um diário, são memórias. E as memórias nem sempre são - nem têm de ser - exaustivas.
História de sobrevivência e de superação, de um período negro da história e das marcas pessoais que deixou, trata-se, em suma, de um relato marcante e franco de uma luta pela sobrevivência em circunstâncias inimagináveis. É impossível não ficar com este livro no pensamento.
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